Moradores de Ibirité denunciam pressão da MRS para saírem de casa
Situação verificada in loco por comissão da Assembleia agrava ainda mais o alto deficit habitacional da cidade, de 25 mil moradias.
Dezenas de famílias de Ibirité (Região Metropolitana de Belo Horizonte) estariam sendo vítimas de pressão e chantagem constantes por parte da MRS Logística. Entre elas, 21 do bairro Jardim Ibirité e 19 do Morada da Serra já foram retiradas de suas casas, de modo considerado arbitrário e ilegal.
O drama dos moradores de habitações em lotes paralelos à linha férrea foi apresentado na segunda-feira (19/5/25) à Comissão Extraordinária de Defesa da Habitação e Reforma Urbana da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A comissão promoveu visita às duas localidades, à tarde, e audiência pública, à noite, a requerimento do seu presidente, deputado Leleco Pimentel (PT). Nas duas agendas, foram recebidas denúncias envolvendo os dois bairros e, ainda, outras regiões da cidade.
No caso dos Bairros Morada da Serra e Jardim Ibirité, os conflitos com a MRS, que é a empresa responsável pelo contrato de concessão das ferrovias que atravessam Ibirité, acontecem há cerca de cinco anos.
O advogado popular Henrique Lazarotti de Oliveira, do Movimento Serra Sempre Viva, disse que “Ibirité é uma terra de injustiças socioambientais e a crise na habitação não acontece por acaso - é omissão do poder público local”.
Ele registrou que, em 2008, foram iniciados estudos para elaboração do plano municipal de habitação de caráter social. Mas, até hoje, não foi levado a cabo. “O deficit habitacional era de 9 mil moradias e, hoje, chega a 25 mil”, informou ele, completando que pouco mais de 200 unidades habitacionais foram feitas. Atualmente, 600 famílias recebem aluguel social de R$ 400, por terem perdido suas casas devido às enchentes que assolaram Ibirité em 2020.
“Vemos abandono e negligência”, disse. Informou que, em 2011, foram elaborados estudos para redução das áreas de risco na cidade e, 14 anos depois, ainda há 27 mil pessoas vivendo em áreas de altíssimo ou alto risco.
Segundo o deputado, a prefeitura local teria alegado não ter imóveis para a habitação popular, mas estaria vendendo imóveis, vários deles adequados para a finalidade.
Henrique Lazarotti declarou também que as ações ajuizadas pela MRS na cidade não se sustentam: “A empresa não conseguiu comprovar com documentos que existe uma faixa de domínio ali, por meio de um processo judicial ou de um decreto de utilidade pública”.
O advogado registrou que a MRS, para obter liminar favorável à reintegração de posse dos terrenos, teria cometido irregularidades. Uma delas foi afirmar que os moradores dos dois bairros ocuparam os locais há cerca de seis meses, (sendo que a maioria mora ali há décadas) com o intuito de eximir a justiça de realizar audiência de conciliação entre as partes.
Outro problema detectado por Lazarotti diz respeito à exigência feita pela juíza responsável, que exigiu que, antes da retirada dos moradores, fosse feita uma perícia no local. No entanto, a empresa não aguardou o procedimento judicial, pressionou moradores e derrubou 21 das 25 casas no Jardim Ibirité e 19 das 23 do Morada da Serra.
O geólogo Carlos Von Sperling afirmou categoricamente que não há nenhum risco geológico nos dois bairros. “Fiquei assustado quando ouvi essa conversa do risco, mas não procede; fizeram isso só para facilitar a retirada das pessoas”, declarou.
Carlos Sperling complementou que um único gargalo detectado foi o grande volume de enxurrada carreado para a casa de um dos moradores, no período chuvoso. Mas isso teria sido causado pela MRS, que não fez a limpeza de canaletas perto da linha férrea.
Em visita, comissão ouve o clamor dos moradores
Vários moradores dos dois bairros denunciaram arbitrariedades que teriam sido cometidas pelo pessoal da MRS, empresa da qual a Vale é acionista majoritária. No entanto, a maioria disse que, mesmo pressionada, não pretende sair dali.
Acompanhado da mulher, do filho e da mãe, Moisés Gonçalves, do Jardim Ibirité, lembrou que, há cerca de dois anos, a concessionária chegou querendo retirar todo mundo da localidade. “Mas ficamos, enfrentando esse sofrimento”, contrastou. Completou que a empresa lhe ofereceu R$ 130 mil de indenização, que ele considerou pouco. Mesmo assim, vizinhos saíram, recebendo R$ 30 mil, R$ 50 mil ou pouco mais, e hoje estão morando de aluguel.
O advogado popular Maurício Ferreira reforçou que a retirada das pessoas foi irregular, pois boa parte das casas não está na faixa de domínio. “A MRS acabou com a convivência entre as pessoas, que agora não têm mais vizinhança nem dignidade; foi uma brutalidade”, criticou.
No bairro há mais de 40 anos, Marcos Roberto disse que, mesmo com pressão psicológica, está “firme e forte”. Na opinião dele, se dependesse da MRS, todos do bairro já morariam “debaixo da ponte”. “A proposta é ficar; mas se querem retirar a gente, que paguem o valor justo”, defendeu.
A situação mais drástica apresentada no Jardim Ibirité foi a de Rosana Xavier, que tinha uma casa pequena no início da Rua dos Ferroviários, onde se situam os imóveis atingidos. Ela teria sido obrigada pela MRS a sair de seu lar, o qual foi demolido imediatamente. “Não me indenizaram; estou sem casa desde 2011 e pago aluguel”, lamentou.
Geraldo Oliveira relatou a crueldade da empresa que, no Natal de 2023, pressionou sua família, com caminhões e escolta armada. Servidores da prefeitura ajudaram na pressão, dizendo que era melhor pegar o valor oferecido pela empresa (R$ 130 mil) do que ficar “sem nada”.
Habitantes do Morada da Serra estão no local há mais de 40 anos
No Bairro Morada da Serra, as queixas foram parecidas. José Maria da Silva denunciou que a concessionária não tem feito a manutenção na linha férrea, o que provocou o rompimento de canaleta, levando enxurrada a casa dele. “Estou com o ‘psicológico’ abalado, tenho insônia por ver aquela canaleta escorrendo no fundo da minha casa”, afirmou emocionado. “Mas vamos ficar nas nossas moradias, porque elas são a nossa história!”, concluiu.
Morador há 43 anos, José Felício tem 13 filhos e disse que desde 2021, a MRS não lhes dá sossego. Nesse ano, a empresa o pressionou a sair de casa em 15 dias, mas ele resiste até hoje. De forma semelhante, Maria José Rocha chegou em 1977 ao bairro, onde criou seus 12 filhos. “Não quero sair da minha casa; criei minha família inteira aqui”, realçou.
Emocionada, Roseane Fernandes disse que nenhum valor vai pagar o que ela encontrou no Morada da Serra. “Todo mundo aqui tem história e eu também tenho muitas boas lembranças, como das brincadeiras no quintal, do trato das galinhas”, afirmou, chorando.
Na audiência pública, realizada na Escola Estadual Pedro Evangelista Dinis, o deputado Leleco Pimentel deu os parabéns ao estabelecimento, que está completando cem anos de fundação. Além da situação dos dois bairros, houve denúncias de pressão contra moradores de outras comunidades, como as Ocupações Nova Esperança e Cemig, e os Bairros Los Angeles e Vila Ideal.
Alerta para a Vila Ideal
Nesta última, Gessiara da Silva, da Comissão dos Desabrigados pelas Chuvas em Ibirité, relembrou a tragédia em janeiro de 2020, quando deslizamentos provocaram quatro mortes. Leleco Pimentel homenageou as vítimas Laiara, Antony, Richard e Lorraine com um minuto de silêncio. Depois das enchentes na Vila Ideal, 600 famílias ficaram sem casa e recebem o aluguel social.
O geólogo Carlos Von Sperling alertou para a situação grave de um quadrante da Vila Ideal, considerado de altíssimo risco. “Vamos rezar para que a natureza não faça o que é comum, promovendo outros deslizamentos mais pesados do que aquele de 2020; enxergo coisas muito feias naquele local e nada foi feito para amenizar o problema”, lamentou.
Ao fim da reunião, Frei Gilvander Moreira disse estar, por um lado, comovido e por outro, indignado. “Ibirité tem um povo trabalhador e uma cultura belíssima; mas está acontecendo uma enorme injustiça socioambiental na cidade: uma elite com privilégios e o povo na miséria”, criticou. O representante da Comissão Pastoral da Terra conclamou os presentes a manterem sua organização para cobrarem das autoridades moradia digna para todos. “Queremos casas reconstruídas ou indenização justa; assistência da prefeitura às famílias; e ação conjunta dos governos federal e estadual para promover projetos de habitação para as família em Ibirité”, propôs.
Deputado propõe providências
O deputado Leleco Pimentel anunciou que solicitará aos órgãos competentes a retirada imediata dos moradores desse quadrante e o reassentamento digno, além do pagamento do aluguel social, reajustado em 100%.
Diante dos depoimentos, ele destacou que a comissão atendia ao legítimo grito de socorro das comunidades que ocuparam o espaço há quase 50 anos. “A MRS chantageia moradores, paga indenizações irrisórias, ameaça, mente ao dizer que eles estão em área de risco”, condenou.
O deputado anunciou a elaboração de requerimentos de providências, a serem aprovados na próxima reunião da comissão. Será promovida outra audiência sobre o conflito dos moradores dos Bairros Jardim Ibirité e Morada da Serra com a MRS, na Assembleia Legislativa, com a participação dos representantes da empresa, do prefeito de Ibirité e de outras autoridades.
Também dará conhecimento da situação ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A esse último, a comissão deve aprovar uma visita para se discutir uma forma de tratar judicialmente das ocupações de uma forma coletiva, e não caso a caso.
Leleco Pimentel ainda propôs a oferta de recursos de emendas parlamentares à Prefeitura de Ibirité, para que promova programas de habitação. “Vamos conversar com o Ministério das Cidades para tentar trazer o Minha Casa Minha Vida para o município”, anunciou.

