Conselho Tutelar é a primeira linha de defesa de crianças e adolescentes
Participantes de audiência na Comissão de Esporte, Lazer e Juventude destacaram a importância de disseminar o uso do banco de dados Sipia e assim reforçar políticas públicas contra o abuso e a exploração sexual.
16/05/2023 - 20:09A atuação dos conselhos tutelares como primeira linha de defesa na rede de proteção contra a violação de direitos das crianças e adolescentes, sobretudo com relação aos abusos e exploração sexual, foi reforçada, na tarde desta terça-feira (16/5/23), em audiência pública da Comissão de Esporte, Lazer e Juventude da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O debate atendeu a requerimento da deputada Alê Portela (PL) em virtude de, nesta quinta (18), ser lembrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes.
A data foi instituída pela Lei Federal 9.970, de 2000, com o objetivo de mobilizar toda a sociedade brasileira contra o problema e, desde o ano passado, o mês também passou a ser nomeado oficialmente como “Maio Laranja”, para ampliar o alerta da campanha, após aprovação da Lei Federal 14.432, de 2022.
Os conselhos tutelares são órgãos colegiados permanentes e autônomos de atuação municipal. Em linhas gerais, os participantes da reunião reforçaram a necessidade de implantação e, sobretudo, garantia da infraestrutura necessária para o funcionamento dos conselhos.
Um dos pontos mais reforçados foi a disseminação e uso correto do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência – Conselho Tutelar (Sipia-CT), que é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que remonta a 1990.
Segundo Mauro Rodrigues, analista de gestão técnica da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e referência estadual do Sipia no Estado, o sistema começou a operar no Brasil em 2000 e é importante para saber a realidade do problema em cada município, embasando a formulação de políticas públicas nas três esferas do poder público: municipal, estadual e federal.
De acordo com informações da Sedese, Minas Gerais tem atualmente 889 conselhos tutelares ativos. O Estado possui 853 municípios, mas nos maiores podem existir várias unidades atuando de forma regionalizada. Contudo, apenas 263 conselhos em 234 municípios utilizam regularmente o sistema por meio de 830 conselheiros habilitados. De janeiro de 2020 até o momento, foram inseridos no sistema cerca de 27 mil registros, o que o técnico avalia que ainda é muito pouco.
De acordo com Mauro Rodrigues, os entraves para disseminar o uso do Sipia começam na falta de acesso à Internet e de computadores, passando pela resistência e incapacidade técnica e legal e se estendem até mesmo à falta da obrigação legal para isso. Com isso, muitos registros, quando concretizados, são feitos de forma manual e nunca vão aparecer nas estatísticas oficiais.
“Falta até mesmo um conhecimento melhor do ECA. Nós já avançamos muito, mas temos muitos casos que não têm andamento na Polícia Civil e no Ministério Público por falta de registro adequado”, lamenta.
Subutilização do Sipia
A consultora da área e ex-secretária Nacional Adjunta dos Direitos da Criança e do Adolescente, Luciana Dantas da Costa Oliveira, também lamentou a subutilização do Sipia.
“Eu consultei o sistema ontem mesmo e muitas cidades que, até têm dados registrados do ano passado, não têm nenhum caso registrado em 2023 e já estamos chegando ao meio do ano. É impossível que eles não tenham acontecido e o gestor público depois vai tomar decisões conforme os dados que estão ali”, criticou.
Ela lembrou anda que, no âmbito da rede de proteção, as áreas da Justiça e da segurança pública, da saúde e da educação têm que, compulsoriamente, conforme estabelece o ECA, notificar esses casos aos conselhos tutelares, daí a importância do Sipia, já que o Brasil ainda não dispõe de um sistema unificado.
Em sua apresentação, a especialista tipificou os tipos de crimes de que crianças e adolescentes são vítimas e explicou que abuso e exploração sexual são duas categorias de violência sexual.
“Abuso sexual não é só a conjunção carnal, como muitos pensam, mas qualquer ato libidinoso. Já a exploração sexual tem caráter comercial, inclusive online, para fins de remuneração ou de compensação”, disse.
Frente Parlamentar contra a Pedofilia será lançada na ALMG
A importância da atuação dos conselheiros tutelares foi reforçada também pelos parlamentares que participaram da reunião.
Segundo Alê Portela, o combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes deve ser prioridade em todo o País. “Essa é uma pauta transversal e deve ser responsabilidade de todas as esferas do poder público, inclusive da ALMG”, apontou.
Nessa linha, Delegada Sheila (PL) e Eduardo Azevedo (PSC) destacaram o lançamento, no Parlamento mineiro, na próxima segunda-feira (22), da Frente Parlamentar contra a Pedofilia, que deve ter caráter misto, com participação de outras entidades e especialistas, inclusive dos conselhos tutelares.
“Cada vez mais, as denúncias desses crimes não chegam por meio da família ou das próprias crianças, mas através dos conselhos, que são hoje os maiores protetores da criança e do adolescente”, destaca Delegada Sheila.
A deputada Nayara Rocha (PP) também defendeu o reforço da atuação dos conselhos, inclusive com equipe multidisciplinar, com assistente social, psicólogo e motorista, para que seja garantida a aplicação do ECA e, sobretudo, para prevenir que o abuso e exploração de crianças e adolescentes aconteçam.
Procuradora da mulher na ALMG, a deputada Ione Pinheiro (União) defendeu mecanismos para que denúncias desse tipo de crime sejam estimuladas. Entre elas, a realização de um seminário na ALMG. “A dor dessas crianças é também a nossa dor e o silêncio só ajuda o abusador. Temos é que fazer muito barulho”, afirmou.
O posicionamento da parlamentar foi apoiado pelo deputado Caporezzo (PL), que considerou a impunidade como o maior estímulo a esse tipo de crime. Nesse sentido, ele defendeu o aumento da punição para estupradores e abusadores, inclusive com a adoção da pena de morte.
E outra audiência pública na ALMG nesta semana também lembrará o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. Será na própria data, nesta quinta-feira (18), na Comissão de Participação Popular, a partir das 9h30, no Auditório do andar SE. Desta vez, o debate focará nas políticas públicas em andamento sobre o tema, sobretudo as estaduais.
Relato emocionado da ex-ministra Damares
Todos os parlamentares presentes também se solidarizaram com o depoimento emocionado, ainda no início da reunião e de forma remota, feito pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Vítima silenciosa de abuso sexual dos seis aos nove anos de idade, ela lembrou que, felizmente, nos tempos atuais, é possível discutir abertamente a dimensão e meios de combater esses crimes.
Segundo ela, o autor dos abusos era um pastor que morou nesse período em sua casa. “Ele tirou de mim o sonho de morar no céu com Jesus. O abusador disse que a culpa era minha e que eu era pecadora. Ameaçou matar meu pai, me fez de refém e com isso mudou toda minha trajetória de vida”, relatou.
“Naquele época não tínhamos uma rede de proteção, não existia conselho tutelar nem legislação sobre o assunto. Era um tabu e minha família não havia sido orientada para perceber os inúmeros sinais que eu dei do abuso que estava sofrendo”, lamentou, entre lágrimas.