Baixa remuneração e precarização marcam trabalho docente
Audiência nesta segunda (25) abriga seminário da UFMG que enfocou pesquisas sobre condição dos professores da rede estadual.
25/03/2024 - 20:30 - Atualizado em 26/03/2024 - 16:36No contexto do neoliberalismo em que o Brasil está inserido, o trabalho de docentes da rede estadual de educação de Minas Gerais tem sido marcado pela baixa remuneração e precarização da atividade. Isso seria evidenciado pelo aumento dos contratos temporários, pelo desrespeito ao piso nacional dos professores, pela perda de garantias trabalhistas e previdenciárias, levando a categoria ao empobrecimento e à deterioração social.
Essas foram as principais constatações apresentadas durante audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na tarde desta segunda-feira (25/3/24).
Por meio da iniciativa da presidenta e da vice da comissão, as deputadas Beatriz Cerqueira e Macaé Evaristo, do PT, a parceria entre a ALMG e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) permitiu que a reunião abrigasse o Seminário Internacional de Pesquisa em Educação (Prodoc), realizado pela Faculdade de Educação dessa universidade.
Tratando da remuneração da categoria, Nayara Macedo, professora do Magistério Superior da Universidade Federal de Viçosa (UFV), abordou o processo de gradual perda do poder aquisitivo dos professores estaduais.
Ela lembrou que, quando o Governo de Minas implementou o piso nacional da categoria, aprovado em 2008, promoveu mudanças substanciais, ao criar o chamado subsídio, que acabou com as gratificações. Esse cenário de perda salarial gerou descontentamento na classe, que se sentiu desvalorizada e desmotivada com o fato de que o piso nacional acabou se transformando no teto dos professores mineiros.
Designados fazem jus a apenas 1/3 dos direitos previstos para efetivos
As pesquisadoras da Fundação João Pinheiro, Marina Amorim e Ana Luíza Gomes, falaram sobre os vínculos de trabalho vigentes no ensino estadual. Elas destacaram que os professores mineiros, em sua maioria, são contratados pelo sistema de designação desde 1990. Isso contrariaria as premissas da Constituição Federal, que adota como paradigma de acesso ao serviço público o concurso. A contratação é tratada como exceção, para situações específicas.
Segundo estudos analisados pelas duas, em 2014, havia entre os professores da rede estadual apenas 43% de efetivos, dentre os quais 24,5% em sala de aula, sendo que o Plano Nacional de Educação preconiza 90% de pessoal efetivo nas redes de ensino.
Os trabalhos científicos avaliados tentam explicar as motivações da adoção majoritária do sistema de designação pelo Governo de Minas. Entre as justificativas, há uma econômica, pois é menos oneroso contratar de forma precária, com salário inferior (em média, 34% menor que o do efetivo).
Como razão de ordem sociológica, as pesquisas questionam se a origem do descaso com a escola pública não teria relação com o fato de essa instituição atender aos filhos da classe pobre. No aspecto gerencial, a designação se mostra estratégica, permitindo ao governo se eximir de um planejamento para o setor, pois é fácil substituir um efetivo por um contratado.
Como impactos da designação em detrimento do concurso, as professoras da FJP detectaram a falta de um plano de carreira e da maioria dos benefícios concedidos aos efetivos: de 33 direitos desse grupo, o designado faz jus a apenas 10. O adoecimento da categoria também é maior entre os designados, levando a licenças mais longas para esse público.
O efeito sobre a qualidade do ensino também é visível. Os trabalhos científicos demonstram que as designações por longos períodos têm impacto sobre o desempenho dos alunos. Já no caso das substituições temporárias, mais curtas, o impacto é muito menor sobre o resultado educacional. A solução apontada por Marina Amorim e Ana Gomes é a realização de mais concursos públicos, apesar disso esbarrar em limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além do concurso, outro aspecto motivacional importante – a carreira – foi abordado por Alvanise Valente, da UFV. De acordo com ela, a carreira estimula que a pessoa se prepare, adquirindo a formação necessária para desempenhar sua profissão.
A pesquisadora citou seu próprio exemplo para mostrar o quão importante foi a carreira nessa universidade para que ela se capacitasse até chegar a professora titular. Ela lembrou que há normas estaduais que regem a carreira do pessoal da educação, só que não são implementadas.
Descontinuidade de políticas é marcante no ensino médio
João de Souza, professor de Sociologia da Educação da UFMG, citou como traço marcante na educação a descontinuidade das políticas públicas voltadas para o setor. Segundo afirmou, isso gera, entre outros problemas, insegurança nos ambientes educacionais e precarização do trabalho, tornando pouco atrativas as licenciaturas para professores.
A desvalorização do trabalho docente fica evidente quando se observa que os professores são destinados a escolas situadas em áreas de vulnerabilidade e para trabalhar em horário noturno. Aliada a isso, a má remuneração e a perda da centralidade do trabalho do professor levam a um baixo prestígio da profissão.
“Há um discurso recorrente de que valorizamos a educação, mas se não construirmos uma política de estado para que se valorize de fato o trabalho docente, daqui a 50 anos estaremos aqui falando da mesma coisa”, reconheceu.
Maria Rita Oliveira, professora titular da UFMG, abordou o uso de tecnologias na educação.
Os dados sobre as pesquisas do Prodoc foram apresentados pelo coordenador Júlio Pereira. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapemig), em edital de 2017, o trabalho envolveu mais de 50 pesquisadores, direta ou indiretamente, que se debruçaram sobre pesquisas realizadas entre 2008 e 2018 sobre a condição do docente ou sobre a situação da rede estadual de educação. Como resultado, o grupo de pesquisadores apresentou, ao final, 15 textos analíticos sobre o material estudado.
Destruição da docência
Como debatedor, o professor da Faculdade de Educação da UFMG, Miguel Arroyo, disse que chamou sua atenção em todas as falas o projeto de destruição da profissão docente promovido pelo poder público.
Ele sugeriu ainda que a insegurança e falta de reconhecimento do trabalho docente podem ter relação com a feminilização do magistério, posto que a mulher é a maior vítima da retirada de direitos.
Arroyo aventa ainda a possibilidade da marginalização da escola pública ser consequência também do racismo, uma vez que nela só estudam alunos negros e pardos e que, proporcionalmente, aumenta o número de professoras negras. “Os brancos estão na escola privada, em sua maioria, o que é uma forma racista de desumanização; se os alunos negros são segregados, os professores também serão. É a prova de que não temos, nem nunca tivemos, uma só docência”, concluiu.