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Antes de ampliar mineração, é preciso resolver problemas que ela causou em Congonhas

Moradores do Bairro Pires contestam proposta de expansão da Ferro+ na região, o que agravaria a poluição do ar e das nascentes. 

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Não se deve discutir – e muito menos, promover – o aumento da mineração em Congonhas (Central) sem antes resolver os problemas causados por esse setor econômico no município. É a constatação que se depreende da audiência pública realizada na quarta-feira (24/9/25) pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Com cerca de 40% do território tomado por mineradoras, Congonhas sofre há anos com a piora da qualidade do ar devido a suspensão de poeira causada pela atividade e à destruição de mananciais de água.

Para agravar ainda mais a situação, o município agora se vê diante do projeto de expansão das atividades da Ferro+, que quer ampliar a extração de minério de ferro em lavra a céu aberto. Pelo projeto, a empresa faria a disposição de rejeitos em pilhas e também em uma cava já existente, com reaproveitamento do minério depositado em pilhas.

A comunidade mais ameaçada é a dos Pires: se a expansão for aprovada, a área de mineração ficará a apenas 150 metros das casas dos moradores do bairro, criado há mais de 200 anos.

Acompanhando a situação da comunidade há alguns anos, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) é a autora do requerimento pela audiência. Ela se mostrou preocupada com as ameaças ao patrimônio natural e cultural de Congonhas, com as falhas nos instrumentos de escuta da população local e com a falta de avanços nas negociações com a mineradora.

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O presidente da Câmara Municipal, vereador Averaldo Pereira da Silva, foi taxativo ao dizer que, antes de tratar de qualquer projeto de ampliação da atividade minerária, é essencial resolver os problemas causados pelo setor. Ele citou entre os gargalos a serem atacados a piora da qualidade do ar, devido à poeira proveniente de explosões nas minas e ao grande tráfego de caminhões; e a destruição dos mananciais de água da região, dois já poluídos e um terceiro (João Batista), onde será criada nova mina, caso a expansão seja aprovada.

“A cidade não suporta mais a forma como vem avançando a mineração, destruindo patrimônios culturais e ambientais”, afirmou. Na avaliação do parlamentar, se novos projetos do setor forem implantados, Congonhas se tornará inviável – “vão matar a população local”. Ele se lembrou de estudo da UFMG mostrando que, mesmo nas condições atuais, já é muito difícil viver na cidade. Defendeu a união dos Poderes Executivo e Legislativo locais, bem como da ALMG, como forma de buscar um caminho diferente para o município.

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Comunidade desrespeitada e famílias adoecidas

Representante de 50 famílias do Bairro Pires, a moradora Marlene de Souza Alves lembrou que a comunidade vive há décadas sob a poeira, em meio à ferrovia e à BR-040. “A cada carreta que passa, a cada explosão, o ar se torna pior, deixando nossos filhos e os idosos doentes”, lamentou.

Ela exigiu respeito por parte da empresa e participação dos moradores em cada decisão que diz respeito ao seu futuro. “Já sentimos os impactos antes do projeto sair do papel; imagine quando as máquinas estiverem a 150 metros de nossas casas?”, alertou.

Audiência Semad

Sandoval de Souza Pinto, diretor de Meio Ambiente e Saúde da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon), criticou audiência pública promovida pela Semad em Congonhas, no dia 31/7. Na ocasião, além da Ferro+ não ter se manifestado, um funcionário da Fiemg teria hostilizado pessoas da comunidade, usando ironia e deboche. “Enviamos e-mail à Fiemg, cobrando uma resposta em relação ao episódio, mas ela respondeu que a atuação do indivíduo era legítima! Nós entendemos que não; na verdade, foi lamentável”, registrou.

Ele criticou a situação, no mínimo, peculiar de Congonhas, onde uma mineradora faz limite com outra e mais outra, atingindo 40% do território. “Temos um problema sistêmico, mas o município faz licenciamentos partidos, um pedacinho aqui, outro ali”, questionou. Duvidou da capacidade da Ferro+ de resolver os problemas: “Se ela não está dando conta de dominar a poeira e resolver o problema sério da água, imagine depois se for ampliada a mina, o que vai acontecer?”

Sobre a audiência da Semad, Beatriz Cerqueira questionou como o evento, que deveria ter o propósito principal de ouvir a comunidade, transforma-se num espaço de intimidação dos moradores. “Vimos neste caso a mobilização do empreendimento para desequilibrar a relação, disputar o espaço de fala com a comunidade, e esta se sentindo coagida; um homem jogando beijinhos para uma senhora que está falando, usando ironia e deboche não é possível”, condenou.

A diretora de Gestão Regional da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), Kamila Esteves Leal, informou que acompanhou a audiência e que o responsável pela condução ameaçou conter o cidadão, mas como este parou com as manifestações, a medida não foi tomada. “De toda forma, foi um alerta para nós da Semad, que não compactua com isso; a audiência é um espaço aberto e a prioridade é ouvir a comunidade”, comprometeu-se. 

Ao final da audiência, a deptuada Beatriz Cerqueira anunciou que pedirá providências a órgãos de controle do Estado. Entre elas, solicitará reunião com o Ministério Público, para ouvir a comunidade e apurar violações de direitos na audiência em julho deste ano. Também vai requerer ao órgão a verificação de outorgas e licenciamentos da Ferro+.

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Gestores da Ferro+ dizem buscar diálogo com população

Thereza Balbi, gerente de Comunicação, Relacionamento Institucional, Governamental & Comunidades da Ferro+, disse que a audiência na ALMG era um espaço nobre para o diálogo com a comunidade de Congonhas. “Espero que consigamos um bom termo, um bom consenso, para coexistirmos de modo harmônico, com mais justiça social”, declarou. 

Ela citou que a empresa atua há mais de 50 anos no mercado, “sempre primando pela ética”, com produção atual de 4,5 milhões de toneladas de minério de ferro, para os mercados interno e externo. Disse que a operação prima pela inovação e uso da tecnologia, tanto que não usam barragens no processo. “Queremos beneficiar os recurso minerais de modo mais moderno, para mitigar melhor os impactos”.

Falou da formação de jovens das comunidades Pires e Mota, que recebem incentivo financeiro para estudo, alimentação e transporte. Informou que empregam mil trabalhadores (aos quais são oferecidos auxílio creche e plano de saúde), sem falar nos 9 mil empregos indiretos, e que essa massa salarial fomenta a economia da região. “Pretendemos fazer uma mineração diferente, que só será possível com o diálogo com as comunidades e todos os envolvidos”, concluiu.

Thiago Maciel, gerente de meio ambiente da empresa, disse que há a necessidade de ampliar a área de lavra para, assim ser feito o preenchimento das áreas já lavradas e depois a recomposição topográfica do relevo. “Nosso compromisso é que, neste licenciamento, seja garantida a visada da Serra do Pires”, reforçou ele, completando que haverá uma pilha de rejeitos, mas que ficará a 80 metros abaixo da serra.

Afirmou ainda que a Ferro+ tem compromissos com: a garantia da reposição hídrica; o controle de poeira efetivo, por meio de novas tecnologias, de modo a melhorar a qualidade do ar para os munícipes. Para isso, segundo ele, a empresa utiliza canhões de névoa durante os eventos de poeira. Além disso, faz aspersão das vias públicas, coloca telas mosquiteiro, pavimenta algumas áreas, limpa rodas dos veículos, além de ter implantado uma cortina de árvores na empresa.

Beatriz Cerqueira questionou os representantes sobre a postura contrária da mineradora em relação ao seu Projeto de Lei (PL) 1.367/23, que cria o monumento natural da Serra dos Pires. Thereza Balbi afirmou que a empresa não é contra a proposta, desde que ela não inviabilize a mineração. Para isso, o PL deveria criar o monumento em outra área, de acordo com a gestora. 

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Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - debate sobre os impactos da mineradora Ferro + sobre a comunidade do Pires

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Moradores de Congonhas temem expansão de mineradora TV Assembleia
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - debate sobre os impactos da mineradora Ferro + sobre a comunidade do Pires

Edilson Pereira, diretor do Metabase, sindicato dos trabalhadores da mineração, questionou: “A quem serve a expansão da mineração?” Respondeu que a comunidade e os trabalhadores ficam com uma parte muito pequena da riqueza que geram: 70% vão para lucros e dividendos; 20% para os trabalhadores, e 10% para os impostos.

Ele lembrou que nos últimos 20 anos, a perda salarial foi grande, com a remuneração baixando de oito salários mínimos em 2005 para apenas dois em 2025. Por tudo isso, a proposta da empresa no último acordo foi rejeitada e “a categoria está a um passo da greve, por não aguentar tanta pressão e insegurança”.

Nuvem de poeira

O secretário de Meio Ambiente de Congonhas, João Luís Monteiro de Castro, afirmou que, devido à nuvem de poeira que atingiu a cidade na segunda (22), foram aplicadas multas às mineradoras, consideradas responsáveis pelo evento: R$ 5,5 milhões à CSN; R$ 2,8 milhões à Vale e R$ 2,8 milhões à Ferro+.

Explicou que, desde quinta (18), com a análise de dados meteorológicos, a Prefeitura previu o evento e solicitou a interrupção das atividades e a umectação das áreas operacionais pelas mineradoras, que não tomaram qualquer providência.

“Foi uma segunda típica em Congonhas porque não é raro esse tipo de acontecimento”, advertiu. Antecipou que em dezembro deve se repetir outro episódio recorrente no município: a poluição dos recursos hídricos no Pires, gerando lama nas torneiras, no lugar de água.

O secretário reforçou a preocupação com o impacto da atividade na Serra do Pires, uma das áreas com maior diversidade do planeta. Formada por campo rupestre ferruginoso, abriga espécies endêmicas, muitas ameaçadas - das 583 com risco de extinção em Minas, 83 estão em Pires.

 

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