Saúde mental materna precisa de maior visibilidade
Escuta, apoio em rede e ações articuladas são demandas apresentadas em audiência que também abordou Campanha Maio Furta-cor.
13/04/2023 - 17:17Exaustão, abandono, falta de disposição ou tempo para o autocuidado, adoecimento. Situações como essas foram expostas em relatos emocionados que marcaram audiência pública realizada nesta quinta-feira (13/4/23) para discutir a saúde mental materna.
Diversas mulheres de vários movimentos e entidades se revezaram em depoimentos à Comissão de Participação Popular, que debateu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a criação de políticas públicas de conscientização e cuidado para os períodos gestacional e pós-parto.
Entre as propostas defendidas por elas e por parlamentares está a implementação, em Minas, da Campanha Nacional Maio Furta-cor, uma iniciativa comunitária, sem fins lucrativos, que visa sensibilizar a população para a causa da saúde mental materna, realizando ações ao longo de todo o mês de maio.
Hamabille dos Santos, psicóloga e coordenadora de comunicação da campanha nacional, expôs que a iniciativa existe desde 2020 e que, em três anos, já motivou a aprovação de 40 leis, criando a campanha em vários municípios brasileiros e nos estados do Paraná e Sergipe, além do Distrito Federal.
Segundo ela, o Maio Furta-cor, que espelha a diversidade, está presente ainda fora do País, com representação em pelo menos 12 países de quatro continentes. Em Minas, o Maio Furta-cor é tema do Projeto de Lei (PL) 275/23, de autoria da deputada Lohanna (PV). Foi ela quem pediu a audiência desta quinta (13).
Para Hamabille dos Santos, o crescente alcance da campanha está amparado em dados da Organização Mundial de Saúde, segundo a qual toda mulher está suscetível a desenvolver transtornos mentais durante a gravidez e no primeiro ano após o parto. Ainda que alguns grupos estejam mais suscetíveis, por razões de pobreza, migração, estresse extremo, exposição à violência doméstica, sexual e de gênero, entre outras.
Ela támbém destacou dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), mostrando que, de 2018 a 2021, uma em cada quatro mães em situação de vulnerabilidade socioeconômica no Brasil apresentou sintomas depressivos no primeiro ou segundo ano pós-parto, ou em ambos.
Os fatores associados à persistência dos sintomas foram a ausência de companheiro, falta de apoio na gestação, baixa escolaridade e a presença de dois ou mais filhos.
A psicóloga ainda frisou que a gestante é acompanhada com foco em sua saúde física e no bebê, mas praticamente largada depois do parto.
Maior visibilidade e rede de apoio
Juliana Joni Parada, psiquiatra e atuante no Movimento Maio Furta-Cor Belo Horizonte, observou que o contexto atual faz com que as mulheres negras e pobres sejam as mais afetadas em sua saúde mental e defendeu a necessidade de uma capacitação universal em saúde mental materna, que envolva todos os profissionais que de alguma forma lidam com a gravidez e o pós-parto.
“A gestação é o maior estresse da vida que o corpo de uma mulher pode vivenciar. E os transtornos psiquiátricos aumentam a letalidade da mãe e do bebê”, também alertou ela.
Coautora da Linha de Cuidados para Atenção às Pessoas com Autismo e suas famílias no SUS, Maria Helena Roscoe, trouxe para o debate também a situação da maternidade atípica, aquela relativa às mães cujos filhos apresentam padrão atípico de desenvolvimento, em razão de alguma deficiência.
Psiquiatra, mãe de gêmeos com autismo, Maria Helena Roscoe contou que eles têm hoje 27 anos de idade, tendo portanto nascido numa época em que, segundo ela, ainda se acreditava que o autismo seria causado pela mãe.
“Imaginem o que não vivi em termos subjetivos para equacionar tudo isso”, relatou ela, para quem o cuidado em saúde mental demanda, sobretudo, escuta, o que na sua avaliação deve estar entre as prioridades de políticas sobre o tema.
Abandono
Para Rafaella Cristina Justino Nonato dos Santos, presidente da Associação Mães Unidas pela Pessoa com Deficiência e mãe de um menino com autismo e uma menina com TDH, ainda faltam ações para dar maior visibilidade à maternidade atípica e uma rede de apoio às famílias, e não só às mães. Segundo ela, estima-se que 78% dessas mães são abandonadas pelos parceiros.
Outro abandono, o do autoutocuidado, veio em relatos como o de Skarlait Neves Canto, presidente fundadora do Centro Especializado Unidos pelo Autismo - ONG Céu Azul.
Mãe de uma criança especial, por anos ela adiou cuidados consigo mesma, incluindo as consultas ginecológicas que antes eram periódicas. Foram nove anos sem ir à sua médica, até que no retorno saiu com diagnóstico de câncer no útero.
Executivo defende fortalecimento do SUS
A diretora de Ações Temáticas e Estratégicas da Subsecretaria de Políticas e Atenção à Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, Gabriela Cintra Januário, ressaltou que o governo precisa pensar em estratégias para fortalecer o SUS.
Segundo ela, já se contaria em Minas com os equipamentos necessários para acolher as mães, mas ainda seria preciso investir mais na saúde mental delas, inclusive verificando se as equipes multidisciplinares existentes estão capacitadas nessa temática.
Já a coordenadora Estadual de Articulação e Atenção às Pessoas com Deficiência da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese), Ana Lúcia de Oliveira, defendeu maior divulgação de direitos relacionados à maternidade atípica, a exemplo da carteirinha de identificação da pessoa com autismo, que segundo ela será tema de um tutorial informativo.
Parlamentares querem ações articuladas
O deputado Doutor Jean Freire (PT) se disse muito comovido com os depoimentos apresentados e pediu que a política e a medicina sejam áreas mais humanas, tendo o deputado Leleco Pimentel (PT) defendido que campanhas como a Maio Furta-cor possam aprofundar diversas outras questões relacionadas às mulheres, como a violência política e de gênero.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) chamou a atenção para a necessidade de ações estratégicas e articuladas em prol da saúde materna e a deputada Lohanna acrescentou que as políticas públicas precisam também levar em conta a diversidade das mulheres e suas realidades distintas.
“Qualquer mulher de ouvido em pé se soma a essa luta, que é também um assunto de todos nós, e não só das mulheres”, frisou Lohanna sobre a necessidade de sociedade civil e poder público se engajarem na campanha.