Reforma administrativa opõe governo e servidores
Representantes do Executivo dizem que mudanças aumentarão eficiência, mas críticos apontam ingerência em conselhos e risco de privatização de serviços essenciais.
28/03/2023 - 15:40Servidores públicos de diversas áreas, tais como saúde, educação, segurança e meio ambiente, lotaram nesta terça-feira (28/3/23) o Auditório José Alencar para audiência realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre o Projeto de Lei (PL) 358/23.
A proposição, de autoria do governador Romeu Zema, tramita na ALMG contendo a reorganização administrativa do Estado e foi motivo de protestos em faixas espalhadas pelo auditório e em manifestações da plateia.
A audiência desta terça foi realizada na Comissão de Administração Pública, a pedido da deputada Beatriz Cerqueira (PT), e outras duas reuniões sobre o mesmo projeto estão agendadas para esta quarta (29), desta vez nas Comissões de Educação, Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Em linhas gerais, o PL 358/23 promove alterações nas competências das secretarias de Estado e em suas estruturas básicas e entidades vinculadas.
As maiores críticas de entidades representativas de servidores e de parlamentares de oposição referem-se a mudanças trazidas pelo projeto no programa de parcerias com organizações sociais, facilitando a terceirização de serviços de saúde e de educação, e a subordinação de conselhos estaduais às respectivas secretarias de Estado.
Beatriz Cerqueira cobrou que o governo "tire o pé do acelerador" ao comentar o interesse do Executivo de ver o projeto votado pelo Plenário em 1° turno ainda nesta semana.
O deputado Professor Cleiton (PV) e a deputada Bella Gonçalves (Psol) também questionaram os representantes do governo sobre a pressa para a aprovação do projeto, tendo Bella Gonçalves manifestado ainda preocupação com mudanças na área ambiental em detrimento do controle, por exemplo, da atividade minerária.
Após mais de quatro horas de discussões, a audiência pública chegou a ser suspensa para início de outra reunião da Comissão de Administração Pública, na qual o PL 358/23 estava na pauta, aguardando parecer de 1º turno.
Mudanças apontadas
Na opinião da deputada Beatriz Cerqueira, as mudanças mais preocupantes previstas no projeto e expostas na audiência seriam:
- Fim da autonomia do Conselho Estadual de Saúde, e também do de Educação, que hoje são vinculados, respectivamente, às Secretarias de Estado de Saúde (SES) e de Educação (SEE), e passariam a ser subordinados a elas.
- Da mesma forma, conselhos como o do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e o de Alimentação Escolar passariam a ser subordinados administrativamente ao secretário de Educação, a quem por norma eles devem fiscalizar.
- Fim da subsecretaria que hoje abriga a Unimontes e a Uemg, colocando-as numa assessoria, sem clareza de qual seria de fato o destino dessas universidades.
- Alteração na Lei 23.081, de 2018, que dispõe sobre o Programa de Descentralização da Execução de Serviços para as Entidades do Terceiro Setor, modificando 40 artigos. Entre as mudanças, estaria a retirada do Tribunal de Contas da fiscalização dessas organizações do terceiro setor. E, ainda, a facilitação de critérios para o credenciamento dessas organizações, como a dispensa de seleção e a não obrigatoriedade de que tenham certidão previdenciária.
- Transferência da política de segurança alimentar da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) para a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa). Também deixariam a Sedese políticas afirmativas, como aquelas relacionadas à diversidade e a povos originários, cuja destinação não teria ficado clara no projeto.
- Transferência da Empresa Mineira de Comunicação, que abriga a Rádio Inconfidência e a Rede Minas e está hoje na estrutura da pasta de Cultura, para uma nova pasta a ser criada, a Secretaria de Estado de Comunicação (Secom). O temor é o de que a mudança atenda a interesses políticos.
Privatização
Para a deputada Beatriz Cerqueira e também para a presidenta do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-Ute), Denise Romano, a mudança no Programa de Descentralização da Execução de Serviços para as Entidades do Terceiro Setor ampliaria a privatização de serviços públicos, sem que houvesse mecanismos de fiscalização.
Na área ambiental, Beatriz Cerqueira questionou se as mudanças pretendidas na legislação atenderiam a interesses da Fiemg e das empresas de mineração, já que a regularização de barragens, por exemplo, ficaria na mesma esfera da fiscalização e ainda haveria a sobreposição de tarefas entre a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e a Semad.
Sindicatos criticam condução da reforma
A presidenta do Sindicato dos Servidores do Meio Ambiente de Minas Gerais, Regina Assunção, lamentou que o projeto venha num momento em que a categoria tem os piores salários do Brasil e considerou preocupantes comandos do projeto referentes, por exemplo, ao controle das florestas plantadas.
Regina Assunção ainda disse que estaria prevista a extinção da Diretoria de Instrumentos de Gestão e Planejamento Ambiental (Diga) da Feam, responsável, segundo ela, pela gestão de bacias impactadas por barragens de mineração. "A quem caberá (acompanhar) a reparação de danos como os provocados em Mariana e Brumadinho?", questionou, lembrando o rompimento de barragens nos dois municípios.
Já Wemerson Oliveira, presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindpol/MG), defendeu que, caso o Detran venha a sair da Polícia Civil, como previsto, que pelo menos 2% da arrecadação do órgão sejam destinados a investimentos na estrutura da Polícia Civil.
Lourdes Machado, presidenta do Conselho Estadual de Saúde, disse que o projeto foi recebido com estranheza por trazer mudanças em sua estrutura justamente no momento em que estão sendo realizadas as conferência municipais de saúde. "E tudo isso feito sem conversar com os interessados. É um trator que está passando por cima de todas as nossas resoluções", criticou.
Para Segov, mudança em conselhos segue marco legal do setor
O subsecretário de Articulação Institucional da Secretaria de Estado de Governo (Segov), Samir Carvalho Moysés, disse que a parte do PL 358/23 relativa aos conselhos estaduais foi elaborada com base no marco legal do setor e que os servidores do governo estadual que formularam o texto tiveram o máximo cuidado para não ferir as iniciativas do governador.
“Eu consultei todas as legislações anteriores e não vi nenhuma objeção à organização como ela está proposta no projeto. Apenas repete o marco legal que vem desde a década retrasada”, ressaltou.
A subsecretária de Gestão Estratégica da Secretaria de Estado, Planejamento e Gestão (Seplag), Camila Barbosa Neves, explicou que a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, cuja mudança prevista no projeto foi criticada, seria transferida da Sedese para a Casa Civil porque esta teria competência central de articulação com toda a estrutura de governo.
“É uma questão meramente técnica. Percebemos que a Mesa de Diálogo não é da estrutura de governo apenas, há outros autores envolvidos, por isso propusemos a mudança”, afirmou.
A subsecretária da Seplag também disse que a mudança de subsecretaria para assessoria, no caso de Unimontes e Uemg, preserva a autonomia das universidades e que os servidores do Detran continuarão vinculados ao grupo de carreiras da Defesa Social.
“Não retiramos a atuação da Polícia Civil. Queremos que o Detran continue entregando o trabalho que faz. Queremos melhorar o serviço e a entrega ao público”, argumentou.
Sisema não terá prejuízos, diz secretária
Marília Carvalho de Melo, titular da Semad, defendeu que o conceito básico do projeto da reforma está em se ater ao que são funções da administração direta e aquelas da administração indireta, sendo a primeira encarregada de planejar e coordenar, e a segunda, de executar.
Ela disse que mudanças de organização administrativa no licenciamento e na regularização ambiental atendem ao que já foi realidade no Estado antes de 2006.
Ao contrário de temores manifestados por convidados da audiência, ela disse que o objetivo das mudanças é o fortalecimento da política chamada Mar de Lama Nunca Mais, de segurança de barragens, com duas diretorias a serem remodeladas e uma específica relacionada à mineração.
Segundo Marília Carvalho, nenhuma competência do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) foi perdida.