Moradores denunciam irregularidades na regularização fundiária no Balneário de Água Limpa
Empresas responsáveis pelo serviço no bairro, localizado entre Nova Lima e Itabirito, não entregaram o prometido e são acusadas de intimidação.
05/10/2023 - 18:34Representando a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a sua vice-presidenta, deputada Bella Gonçalves (Psol), visitou o Balneário de Água Limpa, entre Nova Lima (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e a vizinha Itabirito (Região Central), nesta quinta-feira (5/10/23).
A parlamentar constatou as dificuldades enfrentadas pela população no processo de regularização fundiária em curso, principalmente com relação à postura das empresas contratadas para conduzir esse processo. Mais de 6 mil famílias vivem em uma área de 850 mil m² sem infraestrutura urbana adequada.
O bairro surgiu há 70 anos, com o loteamento da área por empreendimentos imobiliários. No entanto, as empresas responsáveis faliram e não entregaram o que prometeram, o que fez com que os compradores lesados abandonassem as terras adquiridas, muitas nem mesmo registradas em seu nome.
Há cerca de 20 anos, começaram as ocupações no bairro, por trabalhadores em busca de moradia. Em 2017, entrou em vigor norma federal que regulamentou a regularização fundiária urbana (Reurb), inclusive com a previsão de gratuidade dos serviços necessários para a população de baixa renda, e aí se deu início à legitimação das ocupações existentes na localidade.
Em Nova Lima, uma das duas associações comunitárias da área de Água Limpa pertencente ao município fechou um acordo com a empresa Renascer, formalizado em termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público, para que ela promovesse a regularização, envolvendo tanto a titulação dos imóveis quanto a infraestrutura necessária, como esgotamento sanitário, ligação de energia e pavimentação.
No entanto, como explica o secretário municipal de Habitação de Nova Lima, José Geraldo Sales, apenas em dezembro do ano passado a empresa apresentou seu projeto e o processo foi instaurado, mas sem avançar em praticamente nada.
Segundo o secretário, a ideia da Renascer era financiar suas intervenções com um fundo constituído pela participação dos moradores, que deveriam remunerá-la pelos serviços – a primeira oferta foi de R$ 40 por m², substituída por uma de R$ 18 por m², mesmo assim ainda muito alta para a população local.
Como conseguiu a adesão de somente 1% dos moradores, explicou José Sales, ela não conseguiu recursos para levar o projeto adiante. No TAC, também estava previsto que somente quem assinasse com a Renascer teria direito aos serviços essenciais, como energia, medida questionada pela prefeitura e pela população.
Por intervenção da administração municipal, a Cemig assumiu o processo de fornecimento de energia. Ainda nesta quinta (5) haveria uma reunião com a Copasa para tratar do abastecimento de água e novo encontro, com o Ministério Público nesta sexta (6), foi agendado para discutir a revisão do TAC e o rompimento do contrato com a Renascer.
O plano da prefeitura é assumir a regularização no bairro, que conta hoje com uma escola municipal, uma unidade básica de saúde, uma unidade do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e, em breve, com uma creche.
Indignado com a Renascer, o presidente da Associação dos Moradores de Água Limpa, Nilton Oliveira, acrescentou que a empresa descumpriu promessas, como colocar em votação na comunidade os valores estudados para a contribuição de cada família, e apontou possível pressão para a adesão ao serviço, pois a construtora Alfa, antiga proprietária dos terrenos, recentemente ajuizou ações de reintegração de posse, que poderiam atingir moradores sem a devida titulação de suas casas.
Balneário de luxo
Sem acesso ao abastecimento de água e tratamento de esgoto pela Copasa, a comunidade se utiliza das águas de uma lagoa artificial na localidade, a principal atração de um balneário construído nos anos 1950 como uma das principais ofertas de lazer para a alta sociedade na RMBH.
Abandonado e ocupado, em um processo semelhante ao loteamento de Água Limpa, o exclusivo condomínio conta com construções projetadas por Oscar Niemeyer.
No entanto, a lagoa hoje encontra-se poluída pelo esgoto que nele deságua e, em um círculo vicioso, suas águas contaminadas também são utilizadas diariamente pelos moradores do bairro.
Moradores se encontram ainda mais desassistidos em Itabirito
As queixas na porção de Itabirito do Água Limpa são parecidas, mas, conforme foi relatado durante a visita, a comunidade se vê ainda mais desamparada, por não contar com o apoio da prefeitura.
Segundo o morador Carlos Alberto Quaresma, há cerca de dois anos a empresa UrbBrasil fechou um acordo com a associação de moradores para conduzir a regularização. Ela também vem sendo questionada pela falta de transparência, pelos altos valores cobrados (R$ 7 mil por família) e por suposta intimidação: mais uma vez, a ligação de energia estaria vinculada à contratação da empresa e ações de reintegração de posse, de autoria da mesma construtora Alfa e da empresa São Gabriel, foram ajuizadas após a UrbBrasil oferecer seus serviços à população.
Moradores denunciaram inclusive que placas foram afixadas em suas residências dizendo que eles teriam um prazo para regularizá-las ou as perderiam.
Ao contrário da Prefeitura de Nova Lima, a administração municipal de Itabirito, de acordo com os moradores ouvidos durante a visita, não estaria aberta a dar encaminhamento às reclamações da população, que também reivindica investimentos na localidade, que só conta com um posto de saúde construído pelos próprios moradores.
Cemig está concluindo estrutura para oferta de energia
Até o momento, toda a energia no Balneário de Água Limpa vem de instalações irregulares, os chamados gatos, inseguros e inconstantes.
Contudo, em breve, a estrutura clandestina dará lugar a uma nova rede instalada pela Cemig, como relatou o engenheiro da estatal de energia Endrews Rodrigues.
Enquanto a Cemig conclui as intervenções necessárias na rede, os moradores estão incumbidos de instalar novos padrões de energia em suas casas – equipamentos doados àqueles cadastrados no CadÚnico, sistema criado pelo governo federal para reunir dados da população de baixa renda.
Quando esta etapa for vencida, toda a instalação irregular dará lugar à rede da Cemig, de uma vez, de forma que ninguém saia prejudicado.
Encaminhamentos
Para a deputada Bella Gonçalves, o que se viu no Balneário Água Limpa em Nova Lima e em Itabirito foram processos ilegais, que precisam cessar. Ela acredita que os serviços não deveriam estar vinculados a empresas privadas, uma vez que a regularização fundiária é de responsabilidade do poder público.
A deputada afirmou que a Comissão de Direitos Humanos dará encaminhamento às questões levantadas durante a visita, como o compartilhamento do relatório da atividade com órgãos de controle, o diálogo com o MP sobre a conduta das empresas responsáveis e a sua devida responsabilização.