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Legislação estadual para ampliar justiça restaurativa é defendida

Participantes de audiência mostram experiências bem sucedidas de Justiça Restaurativa e propõem criação de fórum de debate sobre o tema.

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Embora o poder público em Minas já adote algumas práticas de justiça restaurativa (JR), falta institucionalizar a aplicação dessa técnica de solução de conflitos que busca a escuta humanizada da vítima e do ofensor, por meio da criação de legislação estadual. A conclusão foi extraída da audiência pública que a Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou sobre o tema, na segunda-feira (1º/12/25).

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Para Ilda de Paula, da Comissão de Justiça Restaurativa da OAB-MG, instância que provocou o deputado Ricardo Campos (PT) a solicitar a reunião, é necessário trabalhar na elaboração de norma estadual regulamentando a temática, considerando-se a necessidade de uma política pública permanente.

“A justiça restaurativa permite uma troca de lentes no modo de enxergar quem sofreu o dano e quem foi o causador, para que eles se posicionem”, definiu. Segundo ela, políticas para o setor deverão atuar não só no fato consumado, mas também na prevenção. “É fundamental fomentar o diálogo e a escuta ativa dos envolvidos, na busca de soluções melhores”, concluiu.

Nesse sentido, Ricardo Campos propôs a criação de um fórum de debate permanente, com participação dos segmentos sociais envolvidos, visando construir uma proposta de legislação estadual para a JR. “Quando for criado o arcabouço legal, a justiça restaurativa se fortalecerá e terá a capacidade de aumentar seu alcance”, apostou ele, completando que as experiências-piloto atuais poderão ser ampliadas para mais setores e mais municípios, na discussão do projeto de lei sobre o tema.

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O juiz auxiliar da 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), José Ricardo Freitas Veras, também julgou importante uma legislação estadual sobre o tema: “É necessário institucionalizar a Justiça Restaurativa em nível estadual para fortalecê-la”. Ele lembrou, por outro lado, que a adoção da JR exige o apoio de uma grande rede de parceiros de diferentes instituições, públicas ou privadas.

Veras complementou que a Resolução 225/2016 estabeleceu a Política Nacional de Justiça Restaurativa e que, em 2018, foi criado o programa Nós, de aplicação da JR em escolas. Como o tema é complexo e requer formação técnica, a entidade vem promovendo a formação de profissionais para atuar na área. Participam do Nós representantes do TJMG, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), do Governo do Estado e da Prefeitura de Belo Horizonte.

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Prevenção é um dos focos

Gilson Teixeira, subinspetor da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte, destacou a aplicação da JR nas escolas, quando surgem os conflitos. “Ela é fundamental, pois às vezes é um conflito entre famílias que se conhecem e tratando do problema na escola, consegue-se evitar que seja judicializado”, defendeu. Ainda na sua visão, a capacitação dos profissionais da segurança pública em todos os níveis de governo tem evoluído, o que contribui para melhorar o trabalho da JR na ponta.

Fernando Gonzaga Jayme, vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos e coordenador do Programa Ciranda de Justiça Restaurativa da UFMG, também destacou a Resolução 225, que traz uma visão ampliada da JR, numa perspectiva de atuar preventivamente. Por outro lado, avaliou que, dentro da institucionalidade, o formato não resolve os problemas, porque é muito artesanal e individualizado, agindo na compreensão das causas. 

E quando se fala em causas, refletiu, observa-se que o direito é a manifestação de um ato de poder, que muitas vezes não é republicano e exclui grupos vulneráveis. “O que sobra pra eles é a injustiça; então, um novo modelo deve contemplar essa amplitude de conceito, que preze pelo valor da justiça, e não pelo exercício de um poder por um ente público”, filosofou.

Também Lucas Teles Cardoso, do Movimento Mineiro dos Direitos Humanos, destacou que há a ideia platônica da JR, a qual prevê o diálogo, mas este nem sempre pode ocorrer, porque falta relação respeitosa entre as partes. “Então, é preciso humanizar as relações”.

Projetos que utilizam a JR geram bons resultados

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Isabela França Oliveira, delegada da Polícia Civil de Minas Gerais, falou de alguns projetos da corporação em que princípios de justiça restaurativa são adotados. “Com a nova visão de segurança pública, a Polícia Civil passou a também mediar conflitos e estabilizar a relação, evitando o agravamento das tensões e o cometimento de crimes”, afirmou.

Um dos programas enfatizados foi o Mediar, criado em 2006, para prevenir crimes de menor potencial ofensivo, proporcionando a discussão entre as partes para que cheguem a um consenso. Outro programa, o Meditrans, é voltado para eventos de trânsito e procura evita a judicialização por meio de acordos, obtendo êxito na maioria das vezes.

Por fim, falou do programa Dialogar, criado em 2024 e voltado para homens agressores de mulheres, que têm que comparecer a grupos de discussão. São 12 encontros semanais com enfoque no combate ao machismo estrutural e na redução da violência contra a mulher. “Essa intervenção com homens permitiu essa redução - mais de 90% dos que participaram do programa em 2023 não reincidiram”, elogiou.

Socioeducativo

Alice Teixeira Peixoto, superintendente de Atendimento ao Adolescente da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), informou nque o regime socioeducativo já foi inserida a JR como diretriz. Nesse sentido, afirmou não ser possível dissociar violências estruturais daquelas cometidas por muitos jovens.

Ela divulgou o projeto É Nóis, que criou núcleos de JR nas unidades socioeducativas, propondo um tratamento mais respeitoso ao adolescente infrator: “Ele tem a oportunidade de sustentar o que fez e construir um caminho possível para reparação do dano”, disse.

Povos tradicionais

Gabriel Rodrigues Batista, do Centro Raízes de Justiça Restaurativa e Educação Popular, afirmou ser um erro achar que a JR foi criada pelo Judiciário: “A justiça restaurativa foi trabalhada pelos povos tradicionais há muito tempo e deve-se considerar essa essência que propõe o cuidado por toda a sociedade com a criança, o adolescente e os mais velhos.

Defendeu que o debate de uma legislação estadual para a JR deve contemplar as comunidades tradicionais, detentoras do conhecimento essencial sobre o tema. “Que a construção da legislação da justiça restaurativa seja um processo realmente participativo e popular, que leve em consideração a bagagem de pessoas que trabalham com ela, mas fora do eixo institucional”, propôs.

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Participantes de audiência defendem fortalecimento da Justiça Restaurativa TV Assembleia

Gustavo Neres Machado, presidente da Comissão de Justiça Restaurativa da OAB-MG, dá aulas na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) de Nova Lima (RMBH). Na sua avaliação, o quadro do sistema prisional brasileiro é bastante desafiador e uma esperança no sentido de mudar tal realidade é a atuação das APACs. “Nelas, a implementação de feitos restaurativos com tratamento respeitoso aos presos gera neles a busca por serem cidadãos melhores”, apontou. O sistema teria bons resultados de socialização, com cerca de 85% dos egressos não reincidindo no crime.

Ricardo Campos reforçou que intervenções da ALMG no Plano Plurianual de Ação Governamental tem garantido o orçamento para as APACs. 

Fernanda Carreira Machado, juíza da 3ª Vara Criminal de Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte), também defendeu o modelo APAC, em contraposição ao sistema penitenciário tradicional, no qual 90% dos detentos voltam a delinquir.

Para ela, diante do colapso prisional (com superlotação alarmante, que não permite a ressocialização), é essencial criar mais APACs, com as práticas de JR. “Ela aborda as necessidades da vítima, muitas vezes não ouvidas e confere responsabilidades ao ofensor, restabelecendo a ordem e a confiança, através de uma construção coletiva, que deve ser aceita por todos”, resumiu

 

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