Instituições que acolhem crianças e adolescentes cobram diálogo com PBH
Reordenamento do serviço na Capital estaria sendo feito sem escuta aos parceiros e poderia gerar novos traumas nos acolhidos. Gestores garantem cuidado caso a caso.
05/04/2023 - 19:26Instituições que acolhem crianças e adolescentes com medidas protetivas em Belo Horizonte cobraram diálogo com a prefeitura em relação ao reordenamento da prestação desse serviço em curso na Capital. Elas apontam que a transferência dos menores para famílias acolhedoras ou para outras instituições pode gerar novos traumas. Como parte da reorganização, cinco instituições estão tendo contrato desfeito com o município.
O tema foi discutido, nesta quarta-feira (5/4/23), pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a requerimento da deputada Ana Paula Siqueira (Rede). Na reunião, representantes da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de BH (Smasac) detalharam as mudanças e garantiram acompanhamento individualizado para cada caso.
O reordenamento, de acordo com a Smasac, é um estudo de custo e também uma qualificação que foi feita anteriormente nas instituições para idosos e, agora, ocorre naquelas destinadas a crianças e adolescentes.
Ele atende, ainda segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), às normas do setor e também a decisões judiciais de duas ações que questionam a prestação do serviço na Capital. E vai resultar no aumento de vagas, de 404 para 444, e de investimento anual, de R$ 25 milhões para R$ 31 milhões.
Vagas em famílias
A ampliação de vagas, porém, considera toda a rede, que inclui, além das instituições, as famílias acolhedoras e as famílias extensas guardiãs (quando algum parente da criança passa a acolhê-la). Essas famílias recebem da prefeitura um subsídio para o acolhimento.
O cenário na Capital ainda tem outro desafio, com aumento da demanda para adolescentes de 12 a 18 anos e redução nas faixas etárias inferiores.
Segundo Gabriela Edna Batista, diretora de Serviços Sociais do Lar Cristão, isso levou a prefeitura da Capital a encerrar contrato com cinco instituições e a propor a outras a troca na faixa etária acolhida, o que não seria simples, segundo ela, do ponto de vista estrutural.
A defensora pública da Infância e Juventude, Daniele Nesrala, destacou que havia grande demanda pelo acolhimento de bebês no período em que vinha sendo feita a retirada compulsória de bebês das mães em situação de vulnerabilidade, o que foi suspensa.
Ela elogiou a implantação, em BH, dos programas de acolhimento familiar previsto, de forma preferencial, no Estatuto da Criança e do Adolescente, por permitirem um atendimento mais individualizado.
“A Defensoria não recebeu nenhuma denúncia recente contra o acolhimento familiar. Se há denúncias, precisam ser formalizadas”, reiterou.
Transferência de crianças preocupa
A maior preocupação, porém, é com as crianças e adolescentes e os possíveis traumas de uma transferência.
Também há crianças com sequelas, ameaçadas pelo tráfico ou com problemas cognitivos, que teriam ainda maior dificuldade na transferência, conforme relatos dos participantes.
Maria Luiza Magalhães, diretora-presidente da Colmeia Centro de Educação e Profissão, conta que a instituição é uma das que terá o contrato rompido e recebeu 60 dias de prazo para encerrar a parceria.
Segundo ela, o prazo até seria razoável do ponto de vista administrativo, mas não para dar conta da situação de cada acolhido. A instituição atende crianças de zero a seis anos.
A advogada da Colmeia, Letícia Mamede, reforçou a queixa quanto ao prazo e cobrou um maior acompanhamento do Executivo municipal para cada situação envolvendo as crianças. De acordo com ela, em um dos casos, num prazo de 15 dias, houve duas visitas da família acolhedora, de 15 minutos cada, antes que a criança fosse transferida.
A falta de diálogo no processo também foi pontuada. Embora a Smasac relate a realização de 40 reuniões, muitas delas foram individuais. E mesmo as partes chegando a um acordo na última semana – com ampliação de recursos e estabelecimento do número máximo de 12 acolhidos por unidade – Gabriela Batista, do Lar Cristão, argumenta que, para além da assinatura de um termo contratual, as instituições querem uma construção coletiva da proposta.
Falsa expectativa
Outra ponderação, feita pela advogada e mãe de adoção, Amanda Ramos, foi sobre a falsa expectativa de adoção que a criança pode ter ao ser acolhida por uma família que, pelas regras, não pode adotá-la. “É diferente para uma mãe adotiva receber a criança vinda de uma família e não de uma instituição”, acrescentou. “A família acolhedora não pode adotar, mas tem que dar afeto?”, questionou também o ex-conselheiro tutelar Jadison Nantes.
José Ferreira da Crus, da Smasac, voltou a defender o reordenamento e garantiu que todas as transferências consideram o que ele chamou de “percurso técnico e metodológico” de cada caso.
Ainda assim, ele se comprometeu a acompanhar os casos apresentados na audiência. “Nenhum contrato será encerrado sem que seja finalizado o caso de cada criança”, reiterou.