Em Minas, cerca de 40% dos pacientes com câncer iniciam tratamento com mais de 60 dias após diagnóstico
Dado da Secretaria de Saúde mostra que o Estado não cumpre lei federal que estipula o prazo para começar a tratar a doença. Espera longa e indisponibilidade de remédios no SUS agravam a situação.
24/05/2023 - 14:46Diversos problemas na cadeia de atendimento contribuem para a demora no início do tratamento e dificultam a realização dos procedimentos de média complexidade (que demandam profissionais especializados), necessários ao diagnóstico do câncer em Minas Gerais.
A constatação foi feita por especialistas em audiência da Comissão Extraordinária de Prevenção e Enfrentamento ao Câncer da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quarta-feira (24/5/23). A reunião tratou do cumprimento da Lei Federal 12.732, de 2012, que garante ao paciente com câncer o início do tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em até 60 dias.
Presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, Marlene Oliveira afirmou que cada estado aplica a legislação de uma forma.
A especialista afirmou, ainda, que até 2025, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a previsão é que surjam 700 mil novos casos no País e que muitas vidas são perdidas por falta de acesso das pessoas a um tratamento mais ágil.
“Essa é uma doença complexa, que dita seu próprio ritmo. Os cânceres colorretal, de próstata e de mama são cânceres que precisam de olhar diferenciado do SUS. E a saúde do homem é muito problemática, a média é de um ano e meio para esses pacientes entrarem para tratamento no sistema”, concluiu Marlene.
No SUS, faltam medicamentos, e espera para tratamento é longa
Representante da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica - Regional Sudeste, Flávio Silva Brandão enfatizou que a tabela da oncologia no SUS está congelada há 12 anos, e muitos medicamentos para tratamento, que têm parecer positivo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ainda não estão disponíveis em Minas Gerais.
“Muitos são mais caros do que paga a tabela do SUS. E a única via para acesso é a judicialização. Existem muitos que são essenciais para vários tratamentos e não são contemplados. No caso de pacientes com câncer de pulmão, por exemplo. Pelo SUS, o único tratamento é a quimioterapia, com expectativa de vida de um ano. Já pelo setor privado, com o tratamento medicamentoso, vivem com excelente qualidade de vida até cinco anos. O tratamento pelo SUS está desatualizado, precisamos de acesso a exames moleculares e novas tecnologias.”
Relações Institucionais do Movimento Todos Juntos contra o Câncer, Thaís Mendes Souza apresentou pesquisas que mostram que a média é de 150 dias para o paciente entrar no sistema de tratamento em Minas Gerais.
“Em pesquisa feita entre 2019 e 2022, com mais de três mil pacientes, 31% deles relataram, como uma das principais dificuldades no tratamento, a espera muito longa para entrar no sistema. Muitas vezes a ação judicial acaba sendo a única solução. Tivemos a questão grave do desabastecimento de medicamentos para a leucemia. Precisamos não só garantir o tratamento, mas a continuidade do tratamento de qualidade, colocando o paciente no centro do cuidado”, refletiu Thaís.
Falhas no fluxo prejudicam pacientes
Representando a Secretaria de Estado de Saúde, Luiza da Silva Miranda afirmou que Minas não cumpre a lei e entre 30 e 40% dos pacientes oncológicos iniciam o tratamento pelo SUS com mais de 60 dias no Estado. Segundo ela, isso se deve a falhas no fluxo de atendimento, que causam a perda do paciente dentro do sistema durante a jornada do tratamento.
Ela pontuou que o estado determinou a criação das Comissões Municipais de Oncologia (CMO) nos municípios com hospitais especializados no tratamento do câncer, com o objetivo de regular o acesso ao tratamento e monitorar o cumprimento da lei. Além disso, comitês gestores em cada macrorregião acompanham e monitoram as CMOs, descentralizando a discussão e a adequando às realidades locais.
“Precisamos publicizar o protocolo de alta suspeição em vigor no Estado, que estabelece os critérios laboratoriais e clínicos para o tratamento. A biópsia não é exigência para que o paciente seja encaminhado aos centros de alta complexidade para tratamento. A constatação dos sinais clínicos pela atenção básica já permite o encaminhamento do paciente”.
Ela explicou também que apenas a macrorregião do Jequitinhonha terá deficit em radioterapia e que o Estado investiu R$ 80 milhões apenas para a apliação dos serviços de média complexidade, responsáveis pelos diagnósticos dos cânceres de mama e de colo de útero.
Superintendente do Ministério da Saúde em Minas Gerais, Ana Flávia Aparecida Luiz Ferreira afirmou saber que a média complexidade tem estrangulamento de recursos, mas que a lei de 2012 precisa ser cumprida.
“A urgência no atendimento precisa ser pautada pela patologia. Uma pessoa com câncer de pulmão aguenta esperar 60 dias? O paciente com forte suspeita precisava entrar com dois ou três dias no tratamento. E o tempo de espera de pacientes diagnosticados precisa ser analisado e fiscalizado periodicamente”, afirmou.
Quanto à questão do acesso a novos medicamentos, a superintendente disse que a medicação precisa ser padronizada. “Sabemos que tem surgido prescrições, mas nem sempre estão na padronização e o SUS não consegue fornecer.”
Autor do requerimento para realização da reunião e presidente da comissão, o deputado Elismar Prado (PROS) pediu que o Estado se dedique à formulação de um plano de enfrentamento ao câncer e que essa seja uma prioridade dentro da Saúde. Os deputados Enes Cândido (PP), Grego da Fundação (PMN) e Doutor Jean Freire (PT) endossaram a fala do colega.
“Proponho que a comissão visite a superintendência para saber como está a situação atual. Não podemos esquecer que verbas foram cortadas para alimentar orçamento secreto e que projeto de lei que determinava medicação para pacientes com câncer pelos planos de saúde foi vetado pelo governo anterior. Precisamos defender o paciente”, completou o parlamentar do PT.