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Deputados verificam situação de atingidos por barragem no Vale do Rio Doce

Comissão de Acompanhamento do Acordo de Mariana realiza visitas e audiência na região com vistas à renegociação de reparações com a Samarco.

04/05/2023 - 15:45 - Atualizado em 08/05/2023 - 15:58
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A Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, instituída este ano pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), visitou nesta quinta-feira (4/5/23) localidades nos municípios de Aimorés e Governador Valadares, ambos no Vale do Rio Doce.

Passados mais de sete anos do rompimento da barragem de Fundão, os dois municípios estão entre os que ainda sentem os efeitos da tragédia provocada pela Samarco, conforme relatos feitos à comissão.

Nas comunidades visitadas, ainda há incertezas quanto à reparação dos danos causados pela avalanche de rejeitos que escapou de Fundão, matando 19 pessoas e deixando um rastro de destruição que afetou diretamente agricultores, pescadores e comunidades rurais, com danos ainda a indígenas da região.

O primeiro ponto da visita foi a localidade Barra do Manhuaçu, próxima ao Córrego do Baixio, onde está um desvio do Rio Doce em que foi construído um canal para garantir água limpa à usina hidrelétrica de Aimorés.

E desde o rompimento em Mariana, para que os rejeitos de Fundão não passem nas turbinas, há um dique de contenção. Mas quando as comportas são abertas, todo esse material é jogado no rio, conforme explicou o presidente da Associação dos Pescadores e Trabalhadores de Aimorés (Apetra), Benilde Madeira.

O resultado, frisou ele, é o assoreamento do Rio Doce, provocando enchentes em volume maior ao que era o natural e lançando rejeitos de mineração pelo caminho.  

Nesses momentos, a água sobe até dois metros em alguns pontos de Barra do Manhuaçu, onde na fachada de algumas casas há marcas na parede deixadas pela lama nas enchentes.

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Outro problema apontado por ele foi a dependência de declaração do Ministério da Agricultura e da Pesca (Mapa) para ser reconhecido como pescador profissional e, assim, fazer jus a auxílios financeiros decorrentes dos estragos no rio. “Estou pedindo socorro, e que essa repactuação olhe primeiro para nós”, cobrou o representante da categoria.

O também pescador Carlos Rocha relatou que hoje sofre com problemas de saúde, tem pressão alta e passa dificuldades porque a pesca foi comprometida no Rio Doce. “A Samarco não matou só o rio, está me matando também”, desafabou.

Ele reforça que, sem condições de pescar no rio contaminado, há dificuldades na comprovação exigida pelo Mapa para o seu reconhecimento como  pescador profissional.

Por isso, uma reivindicação foi a de que a repactuação do acordo de Mariana tenha um programa específico para a categoria, para vencer as burocracias que adiam as reparações.

Indígenas e ilheiros reivindicam reconhecimento como atingidos

Representante dos indígenas Puris que vivem no município vizinho de Resplendor, Maria Marupuri disse à comissão que um dos problemas enfrentados é que o Ministério Público de seu município não os reconhece como indígenas e, portanto, nem como atingidos pela mineração. “O nosso interesse é ter o direito de ter a terra, ter o que já era nosso antes”, afirmou.

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Na parada seguinte da comissão, a sede da Associação Aripa, em Aimorés, novos relatos de danos aos indígenas. Cacique, Miniamá Puri Meire disse que sua tribo é reconhecida pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em processo de autodeclaração.

Apesar disso, ela afirmou que a Fundação Renova e a Vale não os reconheciam como atingidos. “Tiraram todo o nosso sustento da pesca e o nosso direito de ter nossa convivência sagrada e espiritual com o rio”, denunciou a cacique.

Situação semelhante quanto à falta de reconhecimento vivem os ilheiros de Governador Valadares, conforme relatos feitos na comunidade de Ilha Brava, onde os parlamentares atravessaram o Rio Doce, constatando o que a lama de rejeitos causou a um solo que era fértil.

A região, segundo a moradora  Joelma Teixeira, era formada por várias ilhas, que foram sendo "unidas" pela lama de rejeitos acumulados, que compactaram o solo e assorearam o rio. Os peixes estão contaminados e o plantio ficou comprometido. "A cada enchente a situação só piora", disse ela.

Já no bairro Santa Rita (Baixa do Quiabo), também em Governador Valadares, a costureira Luíza Helena contou que quando Fundão se rompeu ela perdeu todas as máquinas que lhe traziam renda. Numa das últimas enchentes, ela que mora numa casa que dá fundos para um rio hoje assoreado contou que a água quase chegou ao segundo andar da residência.

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Comissão vai acompanhar novo acordo

O prefeito de Aimorés, Marcelo Marques, disse que os prefeitos da região não participaram de acordo de reparação num primeiro momento, levando 23 municípios mineiros atingidos a formarem uma associação. Agora a demanda é que a repactuação do acordo seja feita envolvendo diretamente as prefeituras.

O presidente da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, deputado Ulysses Gomes (PT), afirmou que o objetivo é verificar toda a realidade dos atingidos, para que, de fato, haja uma reparação justa. “Vamos fazer um levantamento real da situação, para que saia um acordo a partir das necessidades reais”, reiterou.

Ele disse ainda que os levantamentos da comissão vão servir para atualizar a ALMG e também o Ministério Público e os governos federal e estadual sobre a situação dos atingidos, passados todos esses anos. O deputado também defendeu que a ALMG participe ativamente desse acordo de repactuação.

“A luta aqui é para que esse acordo saia do papel porque tem muita gente esperando por isso, e esperando há muito tempo”, frisou Ulysses Gomes.

Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a tarefa agora é interromper a violação de direitos dos atingidos, garantindo que eles sejam ouvidos, já que são eles os mais afetados pelo que chamou de "crime continuado da Samarco".

O deputado Leleco Pimentel (PT) considerou que, diferentemente do ocorrido quando do acordo inicial de Mariana, o governo federal na atual gestão estaria empenhado na justa repactuação, fazendo aquilo que a Renova e a Vale não teriam feito, na sua avaliação.

O deputado Carlos Henrique (Republicanos) disse que não importa de quem virá uma solução justa para os atingidos, mas, sim, que ela venha. Nesse sentido, segundo ele, mais do que prestar solidariedade, os parlamentares querem apoiar uma repactuação justa.

Também estiveram presentes os deputados Doutor Jean Freire (PT), vice-presidente da comissão, Gustavo Santana (PL) e Zé Laviola (Novo).

As visitas foram acompanhadas por representantes da Advocacia-Geral da União, da Secretaria-Geral da Presidência da República e do Ministério do Desenvolvimento Social, além da Assessoria Técnica Independente, que defende os atingidos para garantir sua participação nas negociações.

Participação

A programação foi encerrada à noite, com uma audiência pública em Governador Valadares, na qual Pedro Henrique Barbosa, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), disse que a principal denúncia no atual momento é a de que os atingidos não estariam participando da repactuação, e nem sabem do que se trata isso, até mesmo porque não participaram nem do primeiro acordo de reparação.

Além da garantia de participação na repactuação, o MAB reivindica, entre outros, que seja criado um fundo popular com recursos do novo acordo, destinado a projetos locais nas áreas afetadas e definidos por cada município e cada comunidade, para que decidam o que é melhor para suas realidades específicas.

Reivindicação endossada por atingidos como Lana Maria. “Deixo aqui esse apelo, de que se olhe primeiro o direito dos atingidos. A gente tem medo de que do jeito que está o dinheiro do atingido vá parar na mão do estado”, pontuou ela.

Repactuação

Para criar a comissão extraordinária sobre Mariana, a Mesa da Assembleia considerou os atrasos e o descumprimento de cláusulas de acordo de reparação celebrado em 2016 pela União, pelo Estado de Minas Gerais, pelo Estado do Espírito Santo e pelas empresas Samarco, BHP Billiton e Vale.

Considerou, ainda, as notícias de negociações em torno de um novo acordo, se comprometendo por meio da comissão a acompanhar seus desdobramentos e o efetivo cumprimento das reparações devidas.

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Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana - verifica as atuais condições de vida dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão
Enchentes, fome e miséria castigam cidades afetadas por rompimento da barragem de Mariana TV Assembleia
Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana - verifica as atuais condições de vida dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão
“Tiraram a natureza do rio. É como jogar areia num copo cheio de água. Vai transbordar.”
Benilde Madeira
Presidente da Associação dos Pescadores e Trabalhadores de Aimorés

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