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Contaminação de moradores de Brumadinho é exposta em audiência

Exames mostrando presença de metal pesado em adultos e crianças causam pânico e mostrariam crime continuado por parte da Vale.

07/12/2022 - 16:39
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Pânico foi a sensação relatada por Alexandre Gonçalves ao receber em casa os resultados de exames atestando a presença de metais pesados nele, na esposa e na filha de seis anos. Morador da Comunidade de Aranha, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), ele e a família participaram de pesquisa feita pela Fiocruz para avaliar riscos potenciais à saúde decorrentes do rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão.

A contaminação de famílias como a dele foi tema de audiência realizada nesta quarta-feira (7/12/22) pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a requerimento da deputada Leninha (PT) e do deputado João Vítor Xavier (Cidadania).

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Integrante da Comissão Pastoral da Terra, Alexandre Gonçalvez ainda relatou que o pânico inicial foi só crescendo diante do medo do futuro.

"O nível de chumbo na minha filha é 2,8 vezes maior do que o permitido. E fui ficando cada vez mais apavorado, pois 100% das crianças testadas tinham algum metal pesado no sangue, a metade delas num valor acima do recomendado", desabafou.

Os exames foram realizados em 2021 pela Fiocruz e Universidade Federal do Rio de Janeiro, indicando a contaminação de adultos e crianças por níveis elevados de chumbo, arsênio, manganês, mercúrio e cádmio, com os resultados apresentados aos moradores em fevereiro deste ano. 

Crime continuado

Foram reiteradas as denúncias feitas na audiência por diversos moradores apontando que o acordo judicial feito entre a Vale e o Governo do Estado e agora as tratativas de reparação dos danos têm sido feitas sem a participação das comunidades e de forma morosa, o que no entendimento deles demonstra "um crime continuado".

Citação

Ela disse que hoje está "sem certeza e sem coragem" de comercializar seus produtos por medo de contaminação da água, também constatada em outro estudo.

Marco Antônio Cardoso, advogado e ativista da Comissão pela Água dos Moradores do Tejuco/Renser, acrescentou que não há celeridade por parte da Vale na reparação de danos à saúde e ao meio ambiente.

Membro do Fórum de Atingidos pelo Crime da Vale em Brumadinho, ele ainda citou outras mineradoras que estariam com novos licenciamentos em curso na região ou querendo empreender na área. 

"Estão encurralando a comunidade do Tejuco e outras próximas. O direito fundamental à saúde fica comprometido e apesar de dados sobre a contaminação a Secretaria Municipal de Saúde não tomou nehuma medida efetiva", criticou o ativista. 

Pedido de CPI

Marco Antônio Cardoso ainda sugeriu que a ALMG instale uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar possíveis crimes socioambientais em empreendimentos minerários no Estado e defendeu a aprovação de norma definindo áreas livres de mineração em Minas.

Schirlene Gerdiken, moradora da Comunidade de Aranha, questionou por que ainda não teria sido feito um plano de urgência e formado um grupo de trabalho que inclua os atingidos para tratar agora da saúde das comunidades. 

"Precisamos saber de onde vem a contaminação e qual é o limite entre a exposição (aos metais) e a contaminação", disse. 

Deputadas apontam passivo social

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"Completamos quatro anos de um crime, na minha concepção, continuado, pela morosidade no pagamento de indenizações e pela negligência em prestar atendimento especializado, deixando um passivo social e humano sem precedentes", afirmou a deputada Leninha.

Ela citou estudo feito pela Fiocruz com 172 crianças de todas as comunidades de Brumadinho, detectadando a presença de pelo menos um metal pesado em 56% das amostras.

Foi ainda avaliado o comprometimento no desenvolvimento neurológico dessas crianças, tendo sido constatado que 38% não tinham alcançado as habilidades esperadas para a idade.

Ela foi endossada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), para quem na prática o Estado estaria isentando a Vale da reparação efetiva e ágil de danos. 

Pesquisa da Aedas também revela danos

Diretora da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Isis Táboas apresentou dados de pesquisa amostral contratada pela entidade para verificar danos ambientais e avaliação de riscos à saude em função da queda da barragem da Vale em Brumadinho.

Em duas campanhas, uma realizada em setembro de 2020 e outra em dezembro de 2021, foram coletadas amostras em moradores e outras 342 amostras de solo, água e ar em 248 pontos de Brumadinho.

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Ela destacou que resultados apontaram prejuízos à potabilidade da água para consumo humano, com 44% das amostras apresentando inconformidades fisicoquímicas pela concentração de minérios como lítio e urânio

A maioria dessas amostras (63%) de água ainda apresentou inconformidade bacteriológica, com a presença de coliformes fecais. Resultados de testes nas águas superficiais também não atenderam ao padrão de qualidade pela concentração de minerais, com 100% das amostras também contendo coliformes fecais.

Nas águas subterrâneas, foi detectado potencial risco para irrigação em 35% das amostras. Já o risco no consumo de alimentos irrigados por essas águas, contudo, ainda será estudado.

Uma das recomendações feitas a partir dessas análises foi a proibição de pesca no Paraopeba, devido à contaminação verificada em peixes coletados.

Já no ar e na poeira intradomiciliar, foram encontrados em 30% das amostras presença de metais como ferro, alumínio e manganês.

Saúde mental

A pesquisadora ainda citou dados de levantamentos feitos junto ao SUS quanto à saúde mental de moradores de Brumadinho, mostrando um crescimento nas demandas por atendimento após o rompimento da barragem da Vale, ocorrido em 25 de janeiro de 2019.

Em 2019, a procura de atendimento no SUS foi 13 vezes maior do que no ano anterior, saltando de 68 para mais de 900, entre outros por problemas como transtornos de adaptação. Casos de depressão quadruplicaram.

Atendimentos em doenças crônicas como hipertensão, câncer e problemas cardiológicos também cresceram.  

Colapso

Estado diz que ações têm avançado

Representante da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Luiz Fernando de Miranda argumentou que as comunidades têm participado de projetos e ações de reparação de danos decorrentes do acordo firmado com a Vale.

Um exemplo seria a consulta pública aberta sobre projetos, tendo sido apontadas segundo ele 85 iniciativas para reparações envolvendo a Bacia do Paraopeba, sendo mais de 30% relacionadas à área de saúde, e 27 exclusivamente voltadas para Brumadinho. 

Ele ainda argumentou que o processo de reparação em saúde seria complexo e difícil, mas que existiriam avanços, apesar de muitos desafios. 

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Coordenação de Ações Reparatórias, Luiz Fernando de Miranda destacou como exemplo que está em andamento um extenso estudo em Brumadinho sobre as preocupações das comunidades em saúde, onde o stress pós-traumático tem se revelado como a maior demanda para atendimento.

O gestor acrescentou que o monitoramento da água do município já é feito desde 2019 e foi ampliado de 13 para 51 pontos de análise. 

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"Morar em Brumadinho não é fácil, e ter que conviver todos os dias com um crime que é jogado na nossa cara todo dia é mais difícil."
Valéria Carneiro
Agricultora
Comissão de Saúde - debate sobre a contaminação de moradores de Brumadinho

Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, alertou que os moradores afetados pelo desmoronamento da barragem da Vale vivem na pele uma série de danos, decorrentes de uma forma de exploração predatória que precisa ser revista.

"Vejo em Brumadinho uma comunidade adoecida pelos casos de depressão, índice de suicídio, desencantamento. A Justiça é morosa e as violações seguem no território". 

Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus, professora do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, alertou para a necessidade de investimentos em tecnologias que impeçam a contaminação nos processos produtivos de mineração

Ela ainda defendeu que o Estado assuma a vigilância ambiental de acordo com as diversas realidades territoriais, uma vez que amostras e análises em áreas minerárias devem ser superiores e diferentes à de outras onde a atividade não se faz presente.

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