Com sérias deficiências, sistema de regulação de leitos pode ser centralizado
Segundo participantes de audiência, solução aventada por governo não resolveria problemas crônicos, como atendimento precário à população e falta de transparência.
27/05/2025 - 20:51Apesar de o governo não assumir claramente que unificará as centrais macrorregionais de saúde, convidados da reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) acreditam que esse processo vai acontecer a partir da criação de uma central em Belo Horizonte ou na Região Metropolitana.
A conclusão foi resumida pelo deputado Lucas Lasmar (Rede), que solicitou audiência pública realizada na terça-feira (27/5/25), para tratar do possível fechamento das centrais de regulação espalhadas por cidades-polo do estado. “Pelo que entendi, a meta é centralizar a regulação com uma unidade na RMBH; podemos nos preparar, porque vai haver essa centralização”, alertou.
Ele explicou que cada macrorregião de saúde tem sua central de regulação, com médicos reguladores e técnicos que atuam para gerenciar, por meio do sistema SUS Fácil, o acesso do paciente do Sistema Único de Saúde aos leitos dos hospitais daquele território.
Na avaliação de Lucas Lasmar, a solução dos problemas da regulação não está na centralização, e sim, na resolução de gargalos crônicos, como a falta de profissionais, em contraste com o aumento gradual das demandas. Entre as consequências disso, ele citou denúncias de: apenas um médico regulador atuando para duas regiões; médicos reguladores trabalhando em home office, priorizando, às vezes, pacientes não graves e deixando de fora outros com maior urgência.
O parlamentar trouxe dados sobre a procura por atendimento pelos usuários do SUS: Em 2022, a regulação recebeu 1,6 milhão de pedidos de transferências, ou seja, 4.575 pedidos por dia, 190 por hora, 3 por minuto.
Outra deficiência apontada foi a dificuldade de comunicação das centrais estaduais de regulação com as centrais municipais. “O que se diz é que as centrais municipais protegem as vagas de sua central e deixam em segundo plano as outras centrais”.
Mazelas não mostradas
A promotora de justiça Josely Ramos Pontes, da Promotoria de Defesa da Saúde de Belo Horizonte, julga que as mazelas do atendimento que não são mostradas pelos sistemas informatizados. No caso do Hospital João XXIII, ela credita o agravamento do problema ao fechamento do Hospital Maria Amélia Lins.
Ela comentou a proposta do governo de aperfeiçoamento da regulação, o chamado SUS Fácil 4.0, que propõe soluções por meio de ferramentas da inteligência artificial e da tecnologia da informação. “Tenho dúvidas em relação a compras de equipamento de TI; há ações judiciais que beiram R$ 150 milhões por não se utilizarem os equipamentos pedidos; com a demora, muitas ferramentas compradas se tornam obsoletas”, denunciou.
Na opinião da promotora, os órgãos de TI estadual (Prodemge), e do Município de Belo Horizonte (Prodabel) deveriam ser mais consultados pelas respectivas gestões para orientá-las e evitar compras erradas.
Ela mostrou-se preocupada com o corporativismo que ainda permeia as informações do SUS Fácil. “Muitas vezes, o leito está vazio porque alguns médicos e alguns hospitais fazem prevalecer o interesse corporativo; nosso problema não é apenas do software desatualizado, é um problema de atitude pessoal”, criticou.
Ainda segundo ela, não há um monitoramento correto dos leitos por falta de coragem de investigar o que de fato está acontecendo.
Subsecretário diz que novo SUS Fácil vai operar ainda em 2025
Presente à reunião, o subsecretário de Acesso a Serviços de Saúde de Minas Gerais, Renan Guimarães de Oliveira, da Secretaria de Estado de Saúde (SES), procurou responder os questionamentos, falando sobre o projeto de aperfeiçoamento da regulação, o chamado SUS Fácil 4.0.
Ele reconheceu que o atual sistema de regulação precisa de melhorias, principalmente envolvendo a transferência de pacientes de uma região para outra, entre hospitais; acesso a informações mais qualificadas por parte do regulador, para que possa tomar as decisões mais adequadas.
Sobre o prazo para implantação, o subsecretário disse que a programação é o novo sistema começar a funcionar ainda este ano. O governo fez um convênio com o governo do Rio Grande do Norte, para adaptarem ao sistema mineiro o programa Regula RN, muito bem avaliado, de acordo com o subsecretário. Acrescentou que o governo lançou o observatório de dados do SUS Fácil, com dados de 2024 e 2025), já disponíveis para todo o público no endereço info.saude.mg.gov.BR.
Questionado por Lucas Lasmar sobre a possibilidade de fechamento das centrais macrorregionais, o gestor disse que não há, no momento, nenhum indicativo de encerramento do trabalho dessas unidades.
Ele completou que o governo viu a necessidade de ter uma organização central, com coordenação médica e apoio de especialistas. “Hoje, nas centrais, temos médicos generalistas; queremos preservar o trabalho desses reguladores, mas com o apoio de especialistas”, divulgou.
Em relação ao problema de pessoal citado pelo parlamentar, Guimarães afirmou que o deficit nas centrais é de seis médicos e que há um processo seletivo bem adiantado para contratar esses profissionais e fortalecer a mão de obra nas centrais.
Precarização do trabalho
Após ouvir a informação de que 431 municípios mineiros assumiram a gestão plena da prestação dos serviços de saúde, Kátia Regina Rocha, presidente da Federação das Santas Casas de Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), apontou o risco do efeito captura: “o prefeito, com a gestão do sistema, captura toda a saúde local e faz o que quer, muitas vezes, em dissonância com o que a população precisa”.
Samuel Pires Teixeira, diretor do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed), reverberou a angústia dos médicos reguladores, preocupados com a precarização do trabalho. “Preocupa-nos o pano de fundo de tudo isso - terceirização e pejotização têm sido deletérias para o atendimento, e essa responsabilidade é do Estado”, condenou.
Renato Barros, da Mesa Diretora do Conselho Estadual de Saúde, destacou que tem sido um trabalho imenso a luta contra a privatização da saúde. “Desde dezembro, convivemos com o fechamento do HMAL; este governo rasga a nossa Constituição e o papel do controle social tem sido desrespeitado fortemente”, denunciou.
Comentando a falta do gestor estadual, Renan Oliveira, a promotora Josely Pontes, apontou o risco de mais municípios adotarem a gestão própria, criando suas centrais de regulação. “O gestor municipal, ao ver que a realidade dele está totalmente diferente do que diz o sistema, vai propor isso, indo no sentido contrário do que buscamos”, alertou.
Em contraposição ao modelo estadual, a promotora propôs refinar a regulação, com dados mais precisos sobre o atendimento, mas mantendo-se as centrais atuais. E colocou-se totalmente contrária a privatizar ou terceirizar qualquer serviço de saúde. “O estado não pode abrir mão de fiscalizar, regular, controlar; é sua obrigação.

