Burocracia dificulta acesso a medicamentos essenciais
Fila por remédios fornecidos pela Secretaria de Saúde chegaria a quatro meses. Estado alega seguir protocolos do governo federal.
Pacientes chegariam a esperar quatro meses por medicamentos fornecidos gratuitamente pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), com prejuízos significativos aos tratamentos. Nesta quinta-feira (4/12/25), em audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), representantes do governo apresentaram um cenário de aparente normalidade no abastecimento, com problemas pontuais. A eficiência do serviço foi contestada, no entanto, por médicos e usuários, que apontaram a burocracia como o maior dificultador.
O foco do debate foram as medicações para a esclerose múltipla, a fibrose cística e o câncer. A esclerose múltipla é uma doença neurológica crônica e autoimune, que atinge sobretudo mulheres entre 20 e 40 anos. Já a fibrose cística é uma doença genética crônica e hereditária que causa a produção de muco espesso e pegajoso, afetando principalmente os pulmões, o pâncreas e o sistema digestivo.
Demandante da audiência, o deputado Ricardo Campos (PT) questionou até quando os pacientes vão conviver com respostas evasivas e incertezas de quando receberão os medicamentos.
Antônio Silva, presidente da Associação dos Amigos e Usuários de Medicamentos Excepcionais, ressaltou que os remédios de alto custo, em vez de um luxo, são muitas vezes a única alternativa. Seu filho faleceu vítima do câncer e, ao perceber como a desigualdade influenciava nos tratamentos, ele criou a associação para oferecer casas de apoio a pessoas em tratamento.
Secretaria segue protocolos clínicos
Diretor de Planejamento e Aquisição de Medicamentos da SES, Nivaldo Souza Júnior garantiu o compromisso do Estado com o abastecimento dos medicamentos, ao argumentar que as ações do Executivo devem seguir pactuações com os municípios e, principalmente, o governo federal.
A assistência farmacêutica é normatizada por protocolos clínicos publicados pelo Ministério da Saúde. O paciente deve formalizar sua solicitação, que é analisada antes da efetiva liberação do medicamento.
Na oncologia, é o ministério que adquire as drogas que serão repassadas, via secretarias estaduais, aos hospitais habilitados. De acordo com Nivaldo, não há problemas de abastecimento, apenas de fluxo de informação em relação a medicamentos que passaram a ser fornecidas recentemente: os hospitais afirmam ter enviado a documentação necessária, mas a equipe do ministério responsável por aprová-la não confirma o recebimento.
Quanto à fibrose cística, Minas elaborou um protocolo clínico complementar, incluindo antimicrobianos e suplementos nutricionais. Quatro medicamentos estão em falta ou por estarem em processo de compra ou por pregões que não atraíram fornecedores interessados.
O cenário dos remédios para a esclerose múltipla é de quase pleno abastecimento, segundo o gestor da SES, com exceção de um medicamento que enfrenta problemas com a prescrição: o ministério não aprovaria administrações prolongadas dele.
“Minas é referência na assistência farmacêutica”, concluiu Mayla Souza, superintendente da SES. Ela defendeu o diálogo aberto com os usuários do sistema para que os gargalos sejam identificados.
Jornada do paciente
As explicações da equipe técnica da SES evidenciaram para os demais participantes da audiência que um problema maior do que o abastecimento, a burocracia, precisa ser contornado.
Rodrigo Kleinpaul, responsável pelo tratamento da esclerose múltipla no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, apontou a ineficiência do que chamou jornada do paciente.
As dificuldades começam na marcação de consultas, as quais devem ser referenciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O laudo para solicitação, avaliação e autorização de medicamentos às vezes é contestado e pacientes do interior precisam remarcar seu atendimento. Nesse processo, exames prescrevem.
Ele citou o exemplo de um remédio específico, a cladribina, incorporada ao SUS em abril de 2023. O laudo que deve ser preenchido por profissionais da saúde só foi atualizado com o nome da droga em dezembro de 2024, o que significa que não era possível prescrevê-la durante todo esse período. O resultado é que, até agosto de 2025, seis pacientes mineiros tiveram acesso à cladribina, distribuída para 750 pacientes no País.
Conforme Antônio Gomes Neto, coordenador do atendimento à pessoa com esclerose múltipla na Santa Casa de Belo Horizonte, os medicamentos contemplados não chegam em quantidade suficiente no Estado porque a SES não os requisita em tempo hábil e da forma adequada.
O ministério estabelece datas específicas, trimestrais, para a solicitação. Segundo o médico, em vez de planejar a necessidade futura das drogas, o Estado trabalha com números já ultrapassados, com a demanda represada.
Também para a diretora jurídica da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, Sumaya Afif, Minas não conta com um estoque estratégico. “O discurso é muito alinhado com a técnica e pouco com as pessoas”, criticou.
Entre o requerimento do último medicamento incluído no sistema público e a sua análise, seriam cerca de 90 dias. Ou seja, o sistema do governo não apontaria defasagem no abastecimento porque parte da demanda ainda estaria em compasso de espera.
