Adoção de central única de regulação do SUS é criticada
Para convidados, medidas previstas são incompatíveis com diretrizes de descentralização, transparência e controle social previstas na legislação da saúde.
Com exceção do representante do Governo do Estado, os participantes da reunião sobre impactos da implantação de nova tecnologia para regulação do atendimento do Sistema Único de Saúde criticaram a centralização dessa atividade na Capital. Muitos deles também consideraram que a adoção de uma central única, a Core-Central de Regulação Estadual, seria incompatível com os princípios de descentralização, transparência e controle social, previstos no SUS.
Parlamentares, médicos e outros profissionais que atuam nas centrais macrorregionais de regulação do estado participaram na terça-feira (4/11/25), de audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O evento foi solicitado pelo deputado Lucas Lasmar (Rede) e contou com a presença do subsecretário de Acesso a Serviço de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, Renan Guimarães de Oliveira. Este defendeu a necessidade de modernização do processo, por meio da implantação do SUSfácil 4.0, e de otimização do trabalho das macrorregionais com a implantação da central única.
O deputado avaliou o projeto do estado como um retrocesso, que vai na contramão do que é a diretriz do SUS. Também destacou que a decisão de fechar as centrais não passou pela Comissão Intergestores Bipartite de Minas Gerais (CIB-SUS/MG) e que, por isso, acionou o Ministério Público. Além disso, anunciou que protocolou no Tribunal de Contas do Estado uma representação pedindo a suspensão do fechamento das 13 centrais macrorregionais. A medida, segundo ele, provocaria a demissão de cerca de 300 profissionais, sendo 105 médicos.
Lucas Lasmar questionou ainda o governo por insistir em soluções tecnológicas se esquecendo do problema crucial, que é a falta de leitos. “Quais ações o governo adotou para aumentar leitos? Vários hospitais atendem 40% para o qual são habilitados”, refletiu. Também mostrou recortes de jornal com denúncias contra a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), contratado pelo governo de Minas para implantar o novo sistema.
A deputada Lohanna (PV) considerou a proposta de centralização ruim na forma e no conteúdo. “O governo está demitindo os que não concordam com ele, mesmo que estejam fazendo um bom trabalho - só pode criticar uma área quem o conhece bem”, disse ela, completando que o projeto não foi construído coletivamente. Ela avaliou que o TCE vai dar razão ao pleito de Lucas Lasmar, porque o estado estaria cometendo uma ilegalidade com o projeto, que descumpre a legislação sobre o SUS.
A parlamentar também questionou o fato de o governo não ter chamado nenhuma universidade pública presente no estado para participar da discussão sobre a criação de um novo sistema para regulação do SUS. “O ecossistema de inovação em Minas é um dos que mais cresce, sendo que Belo Horizonte é o terceiro em startups no mundo”, questionou ela, lembrando que não foi realizada licitação para contratar a UFRN.
Leito é do município, não do Estado
Joseli Ramos Pontes, promotora do MP para a defesa da saúde, afirmou que instaurou procedimento para tratar da regulação. De acordo com ela, todos os promotores de justiça das 13 macrorregiões de regulação assinaram o ofício que questiona o fato de o governo não ter consultado a CIB-SUS/MG sobre a medida de centralizar as operações na Capital.
“O leito é do município, não é do Estado; essa postura de senhor feudal dos leitos levou o MP a tomar tal decisão, pois há uma quebra do pacto federativo”, explicou. Ela acrescentou que o grupo de trabalho criado para estudar a criação da central única conta com nove representantes do estado e apenas três do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems). “A proposta não é democrática nem republicana”, condenou.
Sobre os problemas do SUS Fácil, Joseli Pontes disse que a Prodemge afirmou que o sistema só não foi melhorado porque essa empresa do estado não foi procurada. Além disso, ela declarou que o governo tem utilizado a implantação de um novo sistema como forma de atropelar o direito.
Governo defende atualização do sistema, utilizado há 20 anos
O subsecretário Renan Guimarães de Oliveira afirmou que é importante atualizar o sistema para melhorar o trabalho dos reguladores. “A Secretaria de Estado de Saúde vem há algum tempo realizando estudos técnicos para implantação do projeto estratégico Regulação 4.0, contando com a participação de profissionais e trabalhadores da SES”, destacou.
Ele disse também que o SUS Fácil já tem 20 anos de funcionamento e é necessário atualizá-lo, buscando conferir maior robustez ao sistema. “Fizemos também reuniões com os reguladores, com o projeto básico sendo submetido a críticas, para que o sistema atenda bem os usuários”, declarou.
Sobre a não entrada de universidades de Minas Gerais no processo de escolha, o gestor respondeu que os interessados em participar do projeto se cadastraram no site do governo. E que universidades mineiras não teriam se interessado.
Núbia Roberta Dias, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais, rebateu parte da fala do gestor, dizendo que Minas Gerais já ganhou vários prêmios de regulação. “Somos bons nisso. Santa Catarina e a Unimed copiaram nosso sistema de regulação”, informou ela, apontando para o risco de dados sensíveis do estado caírem nas mãos da iniciativa privada.
A deputada Lohanna questionou Oliveira quanto aos investimentos do governo nos hospitais com melhor resolutividade, citando o caso de hospital de Divinópolis. Como o gestor respondeu de modo evasivo, Lucas Lasmar entendeu que a falta de resposta a questionamentos era também uma resposta. “Toda vez que perguntamos e não somos respondidos é sinal de que acertamos, pois colocamos o dedo na ferida”, disse ele, considerando que o estado está promovendo um desmanche no setor.
Providências
Ao final, Lucas Lasmar anunciou vários requerimentos que serão aprovados na próxima reunião. Entre as providências, a comissão pedirá informações ao governo sobre os critérios utilizados para contratação da UFRN e cópia do instrumento de cooperação utilizado para esse fim. A SES será questionada quanto a consulta à CIB/SUS/MG sobre a implantação do SUS Fácil 4.0. A secretaria também deverá responder sobre os custos previstos com a contratação de profissionais para a nova central e se os profissionais originais serão devolvidos aos setores de origem.
Controle social não é reconhecido
Para Lourdes Aparecida Machado, presidenta do Conselho Estadual de Saúde, o governo atual despreza os mecanismos de controle social. “Esta pauta da Regulação 4.0 não foi apresentada ao CES; uma dificuldade que vemos é o papel do controle social não ser reconhecido pela atual gestão”, criticou. Ela ainda alertou que a SES tem dito que muitas das medidas tomadas são atos discricionários do governo.
Para a conselheira, centralizar tudo em Belo Horizonte é um retrocesso, que vai sacrificar ainda mais o usuário do SUS, comprometer a equidade do acesso à saúde. “A falta de comunicação entre os serviços vai causar mortes, que poderiam ser evitadas; essa inovação pode causar risco social e humanitário”, advertiu.
Samuel Pires Teixeira, do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, questionou o que será feito com os profissionais da regulação demitidos, com toda a experiência e expertise que tem. “É uma agressão aos trabalhadores médicos e não médicos”, concluiu.
Cristiano Túlio, diretor do Sindicato dos Médicos de Minas, antecipou que os profissionais demitidos devem ser substituídos por servidores de recrutamento amplo, o que pode piorar a triagem, que acabará por adotar um viés político.
Bruno Soares de Melo, médico da Central de Regulação de Barbacena, ressaltou que o atual sistema, apesar de ter problemas, funciona bem, por ser humano, territorial e próximo da realidade dos municípios. Ele valorizou a proximidade, como forma de fiscalizar de perto os hospitais: “nós médicos reguladores presentes nos municípios não aceitamos qualquer negativa por parte de hospital, porque não temos rabo preso; se, ainda assim, temos dificuldades, imagina com o novo sistema centralizado?”, observou.
IA não substitui profissional
Viviane Magalhães da Silva, médica do Núcleo Interno de Regulação (NIR) do Complexo de Saúde do São João de Deus, de Divinópolis (Centro-oeste), avaliou que nenhuma ferramenta de inteligência artificial vai substituir o profissional de saúde. “Um operador local vai conseguir me ajudar muito melhor do que uma central em BH, pois ele conhece a realidade local”, exemplificou. Para ela, as centrais regionais colaboram para salvar vidas e precisam continuar.