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Servidores denunciam casos de assédio e impactos na saúde mental

Durante audiência pública na segunda (15), participantes abordaram a relação do assédio no ambiente de trabalho com doenças e risco de suicídio.

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Gritos, ameaças de transferências e remoções injustificadas foram alguns episódios relatados em audiência pública na tarde de segunda-feira (15/9/25). A relação entre assédio moral, doenças e risco de suicídio foi o tema principal da reunião promovida pela Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

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Policial penal há nove anos em Juiz de Fora, Leandro Leal dos Santos já frequentou mais de 40 cursos e sempre obteve as maiores notas nas avaliações. Porém, após perder, em um ano, a mãe e o pai, teve um surto e precisou de atendimento psicológico.

Acabou sendo removido para uma cidade localizada a cerca de 300 km de onde residem a esposa e o filho, sem cobertura do plano de saúde. Ele e outros 19 colegas foram acusados de conluio por terem apresentado atestado de forma coordenada. Por esse motivo, estariam sido punidos com a remoção.

Acusações, ameaças de transferência, manipulação de informações e quebra de sigilo estão entre as situações relatadas pela fiscal do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), Mônica Aparecida do Nascimento. Ela registrou denúncia de assédio na Ouvidoria-Geral do Estado (OGE) e aguarda resultado do processo.

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De acordo com a diretora do Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado de Minas Gerais, Aline Risi dos Santos, o drama é agravado pela falta de informações por parte da instituição. Ela afirmou que recebeu, desde 2023, 28 denúncias de assédio.

No entanto, segundo a representante, além de não apresentar quantos relatos foram encaminhados por outros canais, a Polícia não forneceu respostas quanto às medidas tomadas em relação aos casos repassados por meio do Sindicato. “O caso da Rafaela Drummond ajudou a abrir os nossos olhos, mas precisamos avançar na apuração e na punição”, afirmou.

Assédio é comparado a um vírus

Para Michele Flores, coordenadora nacional da Frente de Combate ao Assédio Moral no Trabalho, o assédio moral é um vírus que atinge o trabalhador em todas as categorias. “É importante unificar os trabalhadores para erradicar esse vírus”. Segundo ela, após a pandemia da Covid-19, aumentou a precarização no ambiente de trabalho, ampliando também o número de assédios.

Ela julgou importante criar um disque denúncia para tratar de assédio na iniciativa privada. Também propôs a criação de estruturas de atuação na prevenção, no controle e no acompanhamento dos casos. “Recebemos centenas de denúncias diárias; oferecemos às vítimas acolhimento e assessoria jurídica”, destacou ela, completando que já está sendo elaborada a Lista Suja das empresas que registram maior número de assédios.

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Marcelo Horta, presidente do Sindicato dos Escrivães de Polícia de Minas Gerais, avalia que a grande dificuldade é o medo de fazer as denúncias. “Na Polícia Civil, pratica-se assédio moral contra quem denuncia; por isso, temos no sindicato um canal de denúncias anônimo”, disse.

Na sua opinião, a corregedoria da PCMG virou uma ferramenta de apoio aos assediadores. “Não recebemos sequer um ofício dela para dizer o que fazem com nossas denúncias”, criticou. Ele orientou às vítimas que, na medida do possível, produzam provas das práticas de assédio sofridas.

Instituto Rafaela Drumond

Criador e presidente do Instituto Rafaela Drumond, que luta pela prevenção e combate ao assédio moral, Aldair Divino Drumond é pai de Rafaela Drumond, policial civil que se suicidou em 2022. Ela entrou para a PCMG, onde atuou na Delegacia da Mulher, em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e, depois, pediu transferência para Carandaí (Central), onde moravam seus pais. Na delegacia local, era a única mulher entre 21 homens e começou a sofrer assédio de vários deles, um inclusive assediou-a sexualmente.

A policial o denunciou a seu superior, mas este a colocou numa sala com o assediador para que “resolvessem a situação”. A partir daí, segundo seu pai, ela perdeu toda a autoestima e adoeceu. A partir de 2022, começou a apresentar outros problemas. Aldair disse que começou a buscar informações, mas já era tarde: a filha tirou a própria vida.

O instituto recebe denúncias de servidores públicos assediados em vários órgãos públicos, especialmente da área de segurança. Aldair mostrou áudios de servidores de Minas e de outros estados pedindo ajuda, especialmente mulheres, desesperadas.

Deputado quer averiguar responsabilidade do Estado

“Setembro Amarelo é um mês de reflexão. Estamos enfrentando um problema que precisa ser resolvido. Precisamos conversar sobre os fatores que são provocadores dessa situação”, avaliou o deputado Professor Cleiton (PV), autor do requerimento para a realização da audiência. Ele acrescentou que é necessário averiguar a responsabilidade do Estado nesses casos.

Entre outros problemas, o parlamentar criticou a finalização do atendimento psiquiátrico no Hospital Galba Velloso (HGV). “Não temos espaço para atender esse tipo de vítima de uma sociedade que cada vez mais nos adoece”, apontou.

Professor Cleiton avisou que vai visitar a sede do IMA em Juiz de Fora para averiguar as condições de trabalho. Também vai encaminhar um pedido de informação à Polícia Militar, solicitando dados sobre denúncias de assédio e número de pessoas em tratamento psicológico.

Dano à saúde é traço comum relatado pelas vítimas

Juliana Marques Resende, assessora do Centro Estadual de Apoio às Vítimas - Casa Lilian, do Ministério Público, informou que a estrutura funciona há dois anos, prioritariamente, para atender vítimas de crimes violentos, como crimes sexuais e racismo. Ela frisou que, dos vários danos identificados (físicos, emocionais, financeiros etc), um é unânime entre as vítimas - o dano à saúde.

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Psícóloga, Resende afirmou que um dos grandes gargalos é o acesso da vítima aos serviços de saúde, especialmente, de saúde mental, muito sucateados. “Temos um psicólogo hoje no SUS para atende 10 mil pessoas”, exemplificou ela, considerando que as instituições dão pouco suporte ou estigmatizam o paciente da saúde mental.

Maria Aparecida Muniz, superintendente de Recursos Humanos da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), afirmou que o órgão atua na prevenção do assédio moral na administração pública e está se estruturando para atuar também no combate à prática. Ela defendeu que as vítimas registrem seus casos na Ouvidoria Geral do Estado. “Só a partir da denúncia, a administração pública pode trabalhar de forma efetiva, identificando os assediadores e aplicando as punições cabíveis”, alertou.

Completou que a Superintendência atua em vários eixos: campanhas permanentes mostrando condutas de assédio moral; cursos de EAD (para servidores, gestores e comissões de conciliação) e cartilhas tratando do assédio moral). Ela registrou que em 2024, houve mais de 1700 casos registrados na Ouvidoria Geral do Estado e em 2025, 1250.

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Saúde mental

Débora Castro Paradela, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Santa Luzia (Região Metropolitana de Belo Horizonte), também considerou que, quando se fala de saúde mental, o assunto é minimizado, sendo que esta é causa de muitas mortes.

Ciente das mazelas no atendimento às vítimas de assédio, a delegada declarou observar avanços, como a criação da Diretoria de Saúde Ocupacional (DSO), que apoia servidores com problemas de saúde mental, com atendimento psicológico virtual. Aconselhou as vítimas de assédio a procurarem apoio em diversas áreas: “Se está difícil ajuda no próprio órgão onde aconteceu o assédio, pode-se pedir ajuda em outros órgãos; se uma porta foi fechada, existem outras”.

Acordeão
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Comissão de Administração Pública - debate sobre a Lei Rafaela Drummond

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Deputados cobram mais rigor no cumprimento da lei Rafaela Drumond TV Assembleia

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Auditora do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Luciana Baruki é doutora em Direito Político e Econômico e pesquisou sobre saúde mental e trabalho. Conforme apontou, estudos das organizações Mundial da Saúde (OMS) e Internacional do Trabalho (OIT) já confirmaram a relação entre assédio e doenças físicas e mentais.

A pesquisadora listou manifestações de assédio como o isolamento institucional (exclusão de reuniões, onde são decididas e repassadas informações necessárias ao desempenho das funções) e desqualificação sistemática (comentários depreciativos sobre capacidade de trabalho e exposição em público, por exemplo).

Também mencionou retaliação a atestados médicos (como pressão para compensar horas perdidas e sugestão para marcação de consultas aos sábados), mudanças arbitrárias de funções e instrumentalização do processo administrativo. Ainda mais grave, conforme ela, é a violência de segunda ordem, quando o trabalhador sofre perseguição por ter denunciado.

No setor público, o assédio moral tem custos como a queda da produtividade, diminuição da prestação de serviço para a comunidade e descrédito da instituição. Por isso, Baruki orientou, entre outras medidas, a criação de canais seguros de denúncia, responsabilização de assediadores e cultura institucional de respeito.

 

Por fim, o controlador-geral do estado, Vanderlei Daniel da Silva, falou da importância de rever algumas normas como meio de aprimorar o atendimento às vítimas de assédio. Entre as legislações, citou o Estatuto do Servidor Público, criado em 1952. Nesse sentido, Professor Cleiton anunciou a realização de audiência pública para debater a reforma do documento.

Tratando do fluxo de atendimento às vítimas de assédio, Silva disse que o modelo é descentralizado desde 2019. A grande porta de recebimento de denúncias é a Ouvidoria Geral do Estado, que distribuiu: processos de alta complexidade para a Controladoria Geral do Estado (CGE); e os mais simples, aos núcleos correicionais dos órgãos. Há ainda cinco corregedorias autônomas – das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros, da Secretaria de Estado de Fazenda e da Advocacia Geral do Estado.

Segundo ele, a CGE tem uma estrutura pequena, com 139 auditores, o que gera dificuldades. Uma das maneiras de agilizar os processos foi a adoção do processo eletrônico. Ele lembrou que, pelas regras atuais, um processo desse tipo pode demorar muitos meses até ser concluído. “Um processo não foi feito para ser rápido, mas para ser justo”, refletiu. E complementou que, de 2015 a 2025, 146 processos de assédios moral e sexual foram julgados, com várias punições, como demissões e suspensões.

Comissão de Administração Pública - debate sobre a Lei Rafaela Drummond
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