Nas cidades, fome bate mais forte em quem mora na rua
Etapa de Betim realizada nesta sexta (7) foi o último de cinco encontros regionais do Fórum Minas sem Miséria, realizado pela Assembleia de Minas em todo o Estado.
- Atualizado em 07/11/2025 - 17:18Se no interior do Estado, a miséria atinge mais a população na zona rural, nas grandes cidades, como Betim, um dos segmentos mais afetados é a população em situação de rua. O município sediou ao longo desta sexta-feira (7/11/25), no campus da PUC Minas, o encontro regional da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e Central do Fórum Técnico Minas Sem Miséria. Outras 14 cidades enviaram representantes.
O evento, promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e entidades parceiras, foi o último de cinco encontros regionais para reunir propostas nas diferentes regiões do Estado. Os resultados dos encontros serão discutidos na etapa final do fórum, a ser realizada em 2026.
O objetivo é envolver a sociedade na elaboração do Plano Mineiro de Combate à Miséria, previsto na Lei 19.990, aprovada na ALMG em 2011, que criou o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM). A lei foi resultado direto do Seminário Legislativo Pobreza e Desigualdade, também promovido pelo Parlamento Mineiro no mesmo ano.
A melhor aplicação do FEM, aliás, foi bastante cobrada pelos participantes desta etapa do fórum. Com R$ 1 bilhão por ano, o recurso deveria estar custeando programas e ações de erradicação da pobreza e da extrema pobreza, mas metade dele estaria sendo aplicado pelo governo estadual em outras finalidades, conforme reiterou a deputada Bella Gonçalves (Psol), que comandou a abertura e o início dos debates até o início da tarde em Betim.
Na avaliação da parlamentar, o combate à miséria não é prioridade para o Executivo. “Aprovamos essa lei em 2011. Ela prevê a existência de um plano de enfrentamento com políticas públicas permanentes, um conselho gestor para monitorar os indicadores e construir estratégias e, o principal, o FEM. Nada disso está sendo feito e o pior é que o FEM vem sendo picotado para suprir problemas de outras áreas”, criticou Bella Gonçalves.
Bella Gonçalves também leu pronunciamento do presidente da ALMG, Tadeu Leite (MDB). Nele, é ressaltado que 3,6 milhões de mineiros estão em situação de pobreza e, a maior parte deles, 2,3 milhões, estão em pobreza extrema.
“Desejamos que, a partir da semente que este fórum técnico está plantando, possamos fazer escolhas políticas que promovam, de modo decisivo, a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual”, afirmou Tadeu Leite.
Só a fome não abandona quem mora na rua
Belo Horizonte tem seis pessoas em situação de rua para cada mil habitantes, ou 30.355 segundo dados de março último do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal. O dado a coloca em quarto lugar entre as capitais do Brasil.
A fome, segundo o pesquisador da UFMG para o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, Cristiano Silva, é uma companheira inseparável de quem mora na rua.
Em Betim, segundo ele, seriam cerca de 700 pessoas nessa situação, segundo levantamento de 2023, embora os dados mais recentes do CadÚnico apontem para um terço disso. Ou seja, a fome, além de cruel, também pode ser invisível. Mas, segundo ele, o perfil da população de rua no Brasil dá pistas que, em teoria, tornariam mais fácil combater a fome por meio de políticas públicas.
Raça e educação são dois dos indicativos. Ela é majoritariamente negra (69%) e 52% não terminaram o ensino fundamental ou encontram-se em situação de analfabetismo. Vale lembrar que, ainda segundo o CadÚnico, são 358.553 pessoas em situação de rua em todo o Brasil, a maior parte delas no Sudeste (218.922).
“A fome nas cidades tem uma relação direta com a população de rua e os direitos usurpados. Uma situação que vem desde 1988, com a população negra escravizada despejada nas ruas em situação de abandono que se reflete até hoje na cor da pele da maioria dessa população”, analisou Cristiano Silva.
O coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua em Minas Gerais, Rafael Roberto Fonseca da Silva, viveu 13 anos nessa situação e, por tabela, passou fome. Na avaliação dele, ainda falta seriedade no Brasil ao lidar com a questão.
“Para combater a fome no Brasil não bastam doações ou mais restaurantes populares. Precisamos sim de políticas públicas consistentes e integradas, que entreguem autonomia ao indivíduo para a superação definitiva da situação de rua. Não projetos, como o que tramitam na Câmara de BH para internação compulsória, confisco de bens ou controle da natalidade”, critica.
Segundo Rafael Silva, para as autoridades é muito mais fácil romper vínculos do que pôr em prática uma política de promoção de direitos. E para isso não adianta arrumar casa para uma pessoa sem renda, conforme exemplifica.
Nessa linha, o uso racional dos recursos do FEM, conforme consenso entre os participantes do fórum, é essencial. Para a secretaria municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de BH, Darklane Rodrigues Dias, o cenário é desafiador até mesmo para as políticas públicas já consolidadas.
“Nas políticas de segurança alimentar e nutricional não existe modelo de cofinanciamento em conjunto com municípios e entidades que já atuam no setor. Embora apareça às vezes alguma boa iniciativa, essa luta não pode ficar só nas costas do município de forma continuada”, destacou.
Para a vereador de Contagem (RMBH), Moara Sabóia, vivemos em um estado rico que exporta riquezas, mas insiste em manter a pobreza.
“Darcy Ribeiro disse que a crise da educação não é crise, é política. Na pobreza e a miséria é a mesma coisa. E denunciar isso é fundamental. Precisamos que o FEM seja utilizado para o que foi pensado, com participação popular e de forma auditável”, cobrou.
“O Estado dá R$ 25 bilhões de isenções fiscais que não sabemos para onde vai. Enquanto isso, o FEM segue sendo esvaziado ano após ano”, completou.
Não à toa, o uso do fundo, diretamente ou indiretamente, baseou boa parte das propostas elaboradas e priorizadas ao longo de toda a tarde pelos mais de 100 inscritos para debates em grupos de trabalho nos cinco eixos fundamentais do fórum: soberania e segurança alimentar e nutricional, trabalho digno e educação, diversidade, assistência social e saúde, moradia, território e meio ambiente, e, por fim, controle social e governança do FEM.
