Mudança em Estação Ecológica de Fechos divide governo e ambientalistas
Gestores dizem que alteração atrairá investimentos, mas nova área sugerida é vista como de interesse da mineração, com riscos à segurança hídrica.
20/12/2022 - 17:27 - Atualizado em 21/12/2022 - 10:58Entidades ambientais e especialistas condenaram, nesta terça-feira (20/12/22), proposta do Executivo que altera a área de expansão da Estação Ecológica de Fechos. Conforme frisaram em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a intenção do governo do Estado comprometeria a segurança hídrica na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e atenderia a interesses da mineração.
A reunião sobre mudanças na área da Estação de Fechos, localizada em Nova Lima (RMBH), foi realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a pedido da deputada Ana Paula Siqueira (Rede).
Ela é autora do Projeto de Lei (PL) 96/19, aprovado em 1º turno pelo Plenário em novembro do ano passado. Como votado o projeto, a área da unidade é ampliada em 222,12 hectares, contra 269,5 hectares propostos originalmente.
Para a votação em 2º turno, o Governo do Estado deseja ampliar a área de Fechos em 250,77 hectares, ao invés dos 221,12 hectares já aprovado. Essa alteração é proposta em texto (substitutivo) da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede) enviado à comissão.
Essa ampliação, contudo, implicaria trocar trechos ambientalmente mais relevantes por outros de menor importância ecológica, conforme apontado por convidados como o engenheiro florestal Paulo Sérgio Ferreira Neto.
Mudança coincidiria com interesse minerário
Em sua apresentação, o engenheiro florestal disse que o novo texto exclui da expansão da área de conservação aprovada até aqui cerca de 48 hectares de área de recarga do córrego Tamanduá, comprometendo o aquífero Cauê, um subsolo próprio para absorver águas da chuva e assim alimentar nascentes.
Por outro lado, haveria o acréscimo de aproximadamente 77 hectares localizados abaixo e ao lado da pilha estéril (material descartado antes do beneficamento do minério) da barragem Capão da Serra, da mineradora Vale, e de outros 18 hectares já ocupados por eucalipto.
A proposta da Sede ainda fragmentaria a expansão da estação, por inserir trechos sem continuidade à area atual, e deixaria sem proteção o córrego Capão da Serra, disse o engenheiro. Além de incluir trechos com subsolo de baixa capacidade de absorção de água e áreas de preservação permanente (APPs), e que portanto já são protegidas por lei.
O engenheiro florestal ainda informou que em outubro de 2020 a Vale entrou com novo pedido de licenciamento de expansão das cavas Tamanduá e Capitão do Mato da Mina Tamanduá.
"A pergunta a ser respondida é por que fazem uma proposta de retirar aproximadamente 48 hectares do projeto de expansão de Fechos exatamente anexa ao projeto de expansão da Mina Tamanduá", questionou o engenheiro, para quem a resposta estaria no interesse futuro da mineração por mais 15 anos de exploração de minério de ferro, reduzindo a recarga de água.
Rompimento em Brumadinho é lembrado
O engenheiro agrônomo José Mário Ferreira contou que reside na região de Nova Lima há 22 anos e também manifestou preocupação com a situação de Capão da Serra ao lembrar de tragédias como a de Brumadinho (RMBH) com o rompimento de barragem da Vale.
Ele afirmou que representantes da mineradora já teriam informado que a Vale considera a vida útil de Capão da Serra até 2077 e questionou em sua apresentação onde a empresa pretende depositar o material sólido excedente do reservatório nesses mais de 40 anos à frente, se em 26 anos já teria ocupado com sedimentos 62% de sua área.
Bomba relógio
Júlio Grilo, membro do Fórum São Francisco, endossou os temores e taxou de absurdas as mudanças desejadas pela Sede na expansão da Estação de Fechos. "Com elas (mudanças), cria-se mais uma bomba relógio que vai atingir comunidades abaixo", advertiu.
Por sua vez, Camila Alterthum, integrante do Movimento Fechos, Eu Cuido!, frisou que há 10 anos a comunidade luta pela expansão de Fechos como prevista no projeto de lei original e num desabafo disse que trazia à audiência um recado poético musical.
"Não cava não, não cava, não cava não. O rio que era doce tá amarelo, é a vida que escorrega como lama pela mão, nascentes já não brotam, porque tanta ganância, meu irmão", cantou ela.
Gestores apontam ganhos
Subsecretário da Sede, Frederico Amaral e Silva defendeu o novo texto sugerido pela pasta, mas disse estar aberto ao diálogo para que se chegue a um ponto de consenso positivo, segundo ele, "conciliando os interesses ambientais e a prosperidade da sociedade".
O gestor disse que a proposta do novo texto vem para viabilizar investimentos na unidade de conservação, por exemplo para possibilitar a construção de uma sede no local, seu cercamento para segurança e atividades de educação ambiental.
Breno Lasmar, diretor de unidades de conservação do Instituto Estadual de Florestas (IEF), discorreu sobre nota técnica trazendo um comparativo entre o projeto aprovado até aqui e a proposta da Sede. Entre outros, disse em sua apresentação que a proposta da Sede traz vantagens quanto à regularização fundiária, uma vez que todas as glebas incluídas na ampliação da estação são de propriedade da Vale e seriam doadas pela mineradora ao IEF, mediante formalização de compromisso.
Quanto ao aumento de áreas de eucalipto na proposta da Sede, o representante do IEF disse que a Vale se compromete a realizar sua conversão em floresta semidecidual.
Em sua apresentação, o diretor do IEF ainda apontou que a área proposta pela Sede abarca seis glebas, sendo apenas duas delas plenamente contínguas à estação atual, contra uma única gleba contíngua contemplada no projeto de lei. Apesar da crítica de que isso fragmentaria a área da estação, ele disse que as glebas mais distantes propiciam a constituição de corredores ecológicos.
Entre várias outras comparações, Breno Lasmar também expôs que a proposta da Sede reduz a proteção de campo rupestre ferruginoso, aquele onde há depósito de minério de ferro, mas apresenta ganhos com a incorporação de glebas localizadas na sub-bacia do Ribeirão Macacos e na sub-bacia do Ribeirão Capitão da Mata.
Diante das restrições apontadas na audiência, ele também disse que a continuidade do debate será importante para a construção de uma proposta mais adequada.
Comissão divulgará análises
A deputada Ana Paula Siqueira reforçou que a mudança desejada pela Sede precisa ser bem debatida, visto se tratar de trocar uma área relevante para a segurança hídrica e ambiental por uma de menor importância. Ela defendeu a rejeição da modificação.
O presidente da comissão, deputado Noraldino Júnior (PSC), disse que as notas taquigráficas da audiência serão encaminhadas aos demais deputados da Casa para conhecimento.
Segundo ele, uma reunião também com o Instituto de Gestão das Águas (Igam) poderá vir a ser agendada para esclarece pontos da proposta da Sede.
O parlamentar registrou que ao longo da audiência foram registradas 54 manifestações pela internet, todas defendendo a rejeição da proposta da Sede.


