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Garantir a dignidade menstrual ainda é desafio no Brasil

Participantes de audiência na ALMG reconheceram avanços, mas também cobraram medidas mais amplas e inclusivas contra dificuldades para comprar absorventes e outros itens de higiene.

29/05/2023 - 18:30
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Os primeiros passos já foram dados, com a aprovação de leis e a implementação de políticas públicas, mas ainda são necessárias medidas mais amplas e inclusivas para superar todas as dificuldades de acesso a absorventes e outros itens de higiene a todas as pessoas que menstruam, sobretudo aquelas que estão em situação de vulnerabilidade social.

Essa foi a conclusão dos participantes da audiência pública realizada nesta segunda-feira (29/5/23) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O debate, realizado a pedido da deputada Lohanna (PV), que coordenou a reunião, aconteceu na sequência do Dia Internacional da Dignidade Menstrual, lembrado em 28 de maio.

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A parlamentar destacou que, tanto em nível federal quanto estadual já existem legislações em vigor para viabilizar um direito que já deveria ter sido garantido há gerações. Lohanna foi autora de projeto que prevê a garantia de dignidade menstrual em Divinópolis (Centro-Oeste), sua terra natal, onde era vereadora.

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A deputada disse que a entrada recente da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) nessa discussão serviu para dar mais visibilidade à causa, o que é positivo, já que ela tem muitas nuances, como aspectos de saúde, educação e até econômicos. Ela lembrou, por exemplo, que no Brasil, apesar de serem itens essenciais, absorventes ainda são taxados como cosméticos.

O quadro nos últimos quatro anos no País foi de retrocesso, conforme avaliaram os participantes da audiência, a despeito de aprovação de uma lei sobre saúde menstrual em 2021, mesmo com a oposição a ela do próprio governo federal da época.

Trata-se da Lei Federal 14.214, que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, promulgada somente após derrubada de veto presidencial pelo Congresso Nacional. Mas os participantes da audiência na ALMG também cobraram a edição de uma portaria interministerial que dará mais efetividade à norma federal, sobretudo no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na esfera estadual, Lohanna criticou a demora do Poder Executivo em regulamentar a Lei 23.904, de 2021, que dispõe sobre a garantia de acesso das mulheres em situação de vulnerabilidade social a absorventes higiênicos. Isso aconteceu somente no último dia 8 de março deste ano, em razão do Dia Internacional da Mulher. A lei estadual se originou do Projeto de Lei (PL) 1.428/20, da 1ª vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT).

Aproximadamente 4 milhões de mulheres no País não têm renda suficiente para comprar absorventes, conforme aponta o estudo Pobreza Menstrual no Brasil, de 2018, produzido pela ONU. Destas, 713 mil vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em casa.

Entre outros aspectos preocupantes, a falta de acesso a itens de higiene menstrual provoca inclusive evasão escolar, pois ao menos 20% das meninas já faltaram à aula por não terem absorventes.

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Dilema entre comprar comida ou absorvente

Raiz Policarpo, integrante da Rede Feminista de Saúde, é uma pessoa trans masculina não binária e lembrou que o tema tem outras dimensões que também precisam ser contempladas pelas políticas públicas.

“Nem todas as pessoas trans masculinas menstruam dependendo das escolhas que fazem. A saúde da mulher é voltada apenas para as pautas da reprodução, mas precisamos abarcar um grupo maior de pessoas, que são invisibilizadas. O uso de absorvente menstrual externo para quem usa cueca, por exemplo, não é possível. A menstruação é uma condição biológica de corpos, não apenas de mulheres”, afirmou.

“Ainda no início da minha trajetória como ativista, uma mãe me contou ter que escolher entre comprar o absorvente para a filha dela e a comida da família. Isso me tocou muito, mas essa é, infelizmente, a realidade de milhões de mulheres no nosso País”, contou Carolina Baruque.

E a coordenadora do Coletivo Se Lambuza e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sofia Amaral Carneiro Teixeira, avaliou que o advento da menarca (primeira menstruação) ainda é, na prática, um marcador de gênero muito forte.

“Ele dita comportamentos que podemos ou não ter mais. As meninas passam a ser sexualizadas de uma forma tão intensa e, infelizmente, acabamos nos acostumamos com o termo virar mocinha. Isso atravessou diversas gerações, mas não podemos mais reproduzir esses estereótipos”, avaliou.

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Programa estadual já está em andamento

Ao comentar a demora na regulamentação da lei estadual sobre o tema, a coordenadora estadual dos Direitos para as Mulheres da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Maíra Cristina Corrêa Fernandes, argumentou que foi preciso primeiro dimensionar a demanda e garantir o reforço orçamentário para que o programa estadual de dignidade menstrual tivesse efetividade, meta que deve ser alcançada até o final do ano.

A iniciativa mobilizou quatro secretarias de Estado. Além da Sedese, estão envolvidas as de Saúde, de Educação e de Justiça e Segurança Pública, que antes mesmo da medida já executava o Programa Liberdade em Ciclos para produção de absorventes e fraldas descartáveis por pessoas em privação de liberdade. O material produzido já tinha esse mesmo público como prioridade.

Segundo Maíra Fernandes, agora os quatro públicos prioritários do programa de dignidade menstrual são, além das unidades prisionais, as escolas, as unidades básicas de saúde e as unidades de acolhimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas). O único entrave é ainda com relação ao SUS, já que a política estadual precisa estar em sintonia com as ações em nível federal.

Nesse aspecto, ficou acertada na audiência a continuidade da interlocução da representante do Executivo estadual com a representante do governo federal, a coordenadora geral de Combate a Tortura do Ministério de Direitos Humanos, Fernanda Vieira de Oliveira.

Por sua vez, a gestora federal também cobrou mais acesso a dados estaduais das unidades prisionais para garantir mais acesso a absorventes às mulheres em privação de liberdade, no que também recebeu sinalização positiva. “De fato precisamos de um diálogo mais próximo porque o governo anterior sucateou todos as políticas e ministérios que tratam de direitos e garantias fundamentais”, acrescentou.

Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher - debate sobre o Dia Nacional da Dignidade Menstrual
A necessidade de mais avanços no acesso a produtos essenciais para pessoas que menstruam foi defendida por participantes de audiência na ALMG TV Assembleia
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“Essa é uma pauta transversal que diz respeito ao lugar de subgente que nós mulheres ainda ocupamos no cenário politico, pois pautas relativas a gênero ainda não são debatidas com a relevância que deveriam ter sobretudo quando pensamos nos mais pobres”
Lohanna
Dep. Lohanna

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