Falhas na educação contribuem para invisibilidade de negros e povos tradicionais
Racismo veio com a colonização do País, lembra pedagoga em Montes Claros, durante encontro regional do Seminário Estatuto da Igualdade racial, da ALMG.
01/07/2024 - 16:05“Não éramos pobres. Éramos rainhas e reis, e nos tiraram de nossas terras para nos colocar em senzalas”, afirmou, nesta segunda-feira (1°/7/24), a professora Arlete Alves de Almeida, para ilustrar a discriminação e a violência contra os negros desde a colonização do Brasil. A palestrante fez a abertura do encontro regional do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial em Montes Claros (Norte de Minas), realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A cidade sediou o encontro regional do Norte de Minas, o quinto na programação do seminário, que terá uma etapa estadual, em agosto, na ALMG. Os debates regionais ocorrem durante todo o dia, com os participantes discutindo em grupos de trabalho propostas para aprimorar o Projeto de Lei (PL) 817/23, que institui o Estatuto da Igualdade Racial em Minas Gerais.
O PL tem como autoras as deputadas Macaé Evaristo (PT), Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT) e Leninha (PT). O estatuto é um instrumento legal que pretende garantir em Minas políticas públicas para assegurar à população negra, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais seus direitos individuais, coletivos e difusos, igualdade de oportunidades e combate à discriminação.
Pedagoga e educadora popular negra, associada ao Movimento do Graal no Brasil e componente do Conselho Estadual da Mulher, a professora Arlete Alves de Almeida contextualizou a importância do tema lembrando de como se deu a descoberta e a ocupação do Brasil.
“O tráfico negreiro começou em 1530, mas só a carta de 1988 vai apontar o reconhecimento de nossos direitos”, situou ela sobre a Constituição Federal em vigor desde então. Apesar do reconhecimento constitucional, ela frisou que o povo negro ainda é explorado em sua força de trabalho e tem garantias descumpridas.
Para a professora, por trás do desrespeito, do racismo e da falta de conscientização sobre direitos, estão falhas na educação, a área menos valorizada no País, segundo ela. “É importante para a classe dominante que as pessoas não tenham acesso à informação”, registrou.
Em outro momento, a pedagoga falou sobre a invisibilidade e, num recorte de gênero e raça, ressaltou que a maioria dos feminicídios do País atinge mulheres negras, que também respondem por 70% das pessoas trans assassinadas no Brasil.
Segundo ela, a resposta à permanência do racismo e da discriminação ao longo dos séculos estaria num projeto político de exclusão, no qual políticas públicas e ações para essas populações são pensadas em forma de caridade, quando a luta na verdade é por direitos, conforme cobrou.
Nesse sentido, Arlete Alves de Almeida ressaltou que a discussão do estatuto deve ter clareza sobre a contribuição dos negros e das comunidades tradicionais para a construção do País.
O encontro teve ainda apresentação musical do bloco de Carnaval Youru, fundado em 2018, em Montes Claros, para representar as religiões de matriz africana da cidade e levar para as ruas o debate sobre o racismo e a intolerância religiosa.
Orçamento tem importância destacada
Na mesa de abertura, a deputada Leninha, 1ª vice-presidenta da ALMG, ressaltou que o seminário é uma construção coletiva da Assembleia com o movimento negro, povos tradicionais, governo e sociedade. São cerca de 50 instituições e movimentos parceiros.
Ela leu pronunciamento do presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), em que ele aponta que o racismo exige resistência sistemática para garantir justiça, respeito e igualdade de oportunidades para todos os povos.
O presidente da ALMG também destacou que Minas terá uma legislação de igualdade racial de acordo com a realidade e a diversidade do Estado, onde 59% da população é formada por cidadãos negros, entre pretos e pardos.
A deputada Andréia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos, lembrou da luta do povo negro para ocupar espaços antes restritos às pessoas brancas, como o da própria Unimontes, a Universidade Estadual de Montes Claros, onde foi feito o encontro regional.
Ela afirmou que o direito do povo negro veio com muito sangue e que o seminário é fundamental para descentralizar a discussão sobre o estatuto de igualdade racial.
Andréia de Jesus também defendeu a necessidade de os grupos de trabalho do seminário se debruçarem sobre o orçamento do Estado, para que o estatuto tenha efetividade.
“Somos 59% da população, mas não temos 59% do orçamento do Estado”, frisou na mesma direção a deputada Macaé Evaristo, abordando a necessidade de ações que garantam igualdade em ações de saúde integral da mulher e de educação.
Macaé Evaristo lamentou que Minas não aplique o sistema de cotas em concursos públicos, como já ocorreria na esfera federal, levando a situações como professores oriundos de comunidades quilombolas ficarem de fora de suas próprias localidades para a entrada de outros de fora.
Ministério defende maior engajamento de cidades
Representando o Ministério da Igualdade Racial, Adrian Fiúza frisou que o Estatuto Nacional da Igualdade Racial permeia toda a estrutura de políticas afetas ao tema existentes no País.
Ele disse, contudo, que só 33 cidades mineiras fizeram sua adesão ao Sinapir, o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, e que entre elas somente uma é do Norte de Minas, Januária.
“Essa é uma pauta interfederativa, que precisa ser tratada nos estados e nos municípios", destacou. O Sinapir atua para organizar e articular a implementação de políticas em serviços direcionados para superação do racismo no território nacional.
Também na mesa de abertura, a representante da Federação dos Quilombolas, Edna Gorutuba, apontou que esses povos vivenciam no olhar das pessoas um duplo preconceito, como negro e como quilombola, estando muitas dessas comunidades no Norte de Minas.
O cacique Domingos, indígena xacriabá, disse que as populações tradicionais têm lutas semelhantes a tratar no estatuto, pois todas elas tiveram que resistir para contar suas histórias e lutar por direitos.
Ele contou ter perdido o pai em 1987, na primeira chacina julgada e qualificada no País como genocídio indígena. Seu pai era uma das lideranças indígenas e após a violência, veio a homologação do território xacriabá.
Consulta pública vai até dia 12
Divididos em três grupos de trabalho por tema, os participantes dos encontros regionais debatem propostas agrupadas em três eixos: direito à vida digna, acesso ao meio ambiente saudável, ao trabalho, à justiça e à segurança; combate ao racismo, ações afirmativas e diversidade religiosa; e financiamento de políticas públicas, representatividade e participação social.
Além dos encontros regionais para coleta de propostas, está disponível até 12 de julho, na página do seminário no portal da Assembleia, uma consulta pública, por meio da qual os cidadãos podem dar sugestões ao estatuto.