Despejos coletivos terão de passar por comissão do Judiciário
Em audiência sobre a campanha Despejo Zero, comunidades cobraram política habitacional. Desembargador diz que reintegrações de posse só ocorrerão com garantia de moradia.
11/07/2023 - 16:35Num auditório lotado, moradores de ocupações e militantes da campanha Despejo Zero, lançada durante a pandemia de Covid-19, cobraram nesta terça-feira (11/7/23) ações contra remoções forçadas e garantia do direito à moradia. Eles participaram de audiência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Os líderes comunitários reivindicaram, entre outras coisas, o cumprimento de regras de transição determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que possam ocorrer despejos no período pós-pandemia.
Uma das condicionantes é que os tribunais de justiça dos estados criem comissões de conflitos fundiários para analisar previamente possíveis remoções de famílias e desocupações coletivas.
Após uma série de relatos de famílias ameaçadas de despejo, o desembargador Marcelo Rodrigues frisou que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) já instalou a comissão há três semanas. A instância deverá ser consultada antes de qualquer cumprimento de ação de desocupação ou de reintegração de posse.
Da mesma forma, nenhum despejo coletivo poderá ser cumprido com o uso da força policial e sem que haja garantia de um novo local para moradia das famílias afetadas, afirmou Marcelo Rodrigues.
A notícia foi bem recebida pela deputada Bella Gonçalves (Psol), que é vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos e autora do requerimento de audiência.
A deputada, que ressaltou a ausência de uma política efetiva de moradia popular no País, considerou um avanço a criação da comissão do TJMG, que, segundo ela, atende os requisitos da decisão do STF. Porém, pediu que haja um trabalho interno de sensibilização no tribunal quanto à atuação necessária da comissão junto aos juízes.
A deputada Andréia de Jesus (PT), que preside a comissão, disse esperar que a Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, criada em 2015 para mediar conflitos fundiários em Minas, seja ampliada, para soluções menos danosas do que aquelas conduzidas somente pela polícia.
O deputado Leleco Pimentel (PT) também cobrou uma política mais efetiva de moradias, que contemple as necessidades da população mais pobre.
Despejo Zero
A campanha Despejo Zero foi criada por organizações sociais em junho de 2020, no auge da pandemia, para auxiliar milhares de famílias vulneráveis pelo País. Na ocasião, o ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu desocupações coletivas e despejos na crise sanitária, ao se pronunciar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental movida pelo Psol.
Com o fim dessa proibição, em 31 de outubro do ano passado, o Supremo definiu então novas regras de transição e condicionantes para que remoções possam ocorrer.
Uma delas é que os tribunais de justiça instalem as comissões para mediar conflitos.
Desocupações só com planejamento prévio
O desembargador Marcelo Rodrigues afirmou à Comissão de Direitos Humanos que a comissão do TJMG ganhou o nome de Comissão de Soluções Fundiárias. Ela foi criada há três semanas por meio de portaria do tribunal (de nº 1.474), para atuar do ponto de vista administrativo, já que os juízes têm autonomia e liberdade em seus julgamentos.
"Mas, daqui para frente, o juiz que tiver que decidir em um caso de reintegração de posse coletiva ou despejo não pode mais tomar sua decisão sem antes ouvir a comissão", frisou o desembargador.
Ele ainda destacou que a Comissão de Soluções Fundiárias atuará para uma solução pacífica dos conflitos e que possíveis mandados de reintegração não poderão ser cumpridos com força policial, só podendo ser concretizados se o Estado ou o município tiver outro local para o assentamento das famílias.
Nesse sentido, por meio de visitas técnicas, a comissão deverá identificar áreas para receber famílias ameaçadas de despejo coletivo, que deverão passar por um cadastramento com o auxílio do município.
Essa atuação ainda prevê audiências de mediação e conciliação para tentar acordo entre as partes antes de uma sentença judicial.
"Somente após esses passos poderá haver desocupação e reintegração de posse, com um plano prévio de ação, cronograma de desocupação e se houver outro local para acolher essas famílias", reforçou.
Imóveis são desconhecidos
Segundo o desembargador, estimativas mais recentes indicam que metade dos imóveis do Brasil são de propriedade do governo federal e dos estados, mas a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) não saberia onde estão esses imóveis e nem em que situação se encontram.
"O problema começa aí, é de organização, de mediação, não se sabe administrar aquilo que não se conhece, o governo precisa se preparar para essa questão", frisou.
Fantasma da moradia ameaça milhares
Com 20 ocupações e sete movimentos populares se revezando na audiência, Jairo Pereira, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, resumiu que todas as comunidades presentes estariam ameaçadas de despejo, e que só pensam numa coisa todas as noites: será que vou morar aqui amanhã?
"Não aceitamos despejo sem previsão de reassentamento, se o despejo for a última saída, que seja mediado, porque a gente não negocia o nosso sonho, o sonho da casa própria", disse ele.
Advogado das Brigadas Populares, Luiz Fernando Vasconcelos disse que os despejos no pós-pandemia já teriam crescido mais de 400%.
Ele defendeu a criação de um banco de terrenos públicos para permutas ou desapropriações, como uma das formas possíveis para aprimorar a mediação dos conflitos e chegar a políticas efetivas de moradia popular.
"Há mais de 11 milhões de imóveis ociosos no Brasil segundo o IBGE, para um deficit de moradias de 7 milhões", dimensionou ele.
Mediação
Bianca Dutra, assessora da Secretaria de Estado da Casa Civil, disse que a Mesa Estadual de Diálogo e Negociação está em momento de transição, passando da alçada da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) para a Casa Civil.
Segundo ela, isso não significa descontinuidade de ações, tendo a diretora de Políticas de Promoção e Educação em Direitos Humanos do Estado, Ariane Lopes, acrescentado que, no momento, 85 conflitos estão em acompanhamento pela mesa estadual, envolvendo quase 6 mil famílias.
Já Eronides de Oliveira Neto, da Coordenação-geral da Diretoria de Articulação de Políticas Públicas da Secretaria da Presidência da República, disse que uma comissão de mediação de conflitos está sendo implementada no Ministério da Justiça, e a expectativa é que a iniciativa avance também para o Ministério das Cidades.