Debate sobre a saúde da mulher é destaque do Sempre Vivas 2023
Aspectos biológicos e sociais relacionados ao tema estão no centro das discussões do evento, no dia 6 de março, na ALMG.
27/02/2023 - 12:05“Além dos aspectos biológicos das diferenças entre os gêneros, temos várias condicionantes sociais da saúde e da doença: as evidências são claras no sentido de que questões como gênero, raça, estrato social, grau de instrução e orientação sexual determinam o processo do adoecer”, explica a médica sanitarista Maria do Carmo. Ela é uma das palestrantes confirmadas no Ciclo de Debates Saúde para Todas, que será realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na próxima segunda-feira (6/3/23), a partir de 9 horas.
O Ciclo de Debates é o principal evento da programação de 2023 do Sempre Vivas, iniciativa da ALMG realizada anualmente para celebrar o Dia Internacional da Mulher. As inscrições para participar do evento estão abertas e podem ser feitas por meio de formulário no Portal da Assembleia.
As discussões vão abordar todos esses fatores citados pela médica sanitarista e seu impacto no acesso a serviços de saúde. Além disso, questões como as múltiplas jornadas de trabalho e suas consequências para o adoecimento feminino estão na pauta. Também estão previstas discussões sobre situações vivenciadas especificamente pelas mulheres ao longo da vida, como violência obstétrica e menopausa.
A equidade no acesso à saúde será o centro dos debates. Isso significa, como explica Maria do Carmo, reconhecer as singularidades de quem busca o serviço. Para ela, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem contemplado esse aspecto nos últimos anos. A médica sanitarista será a primeira palestrante do evento, que começa às 9 horas com a Mesa de Abertura. Às 10 horas, ocorre o primeiro painel, com o tema “Por que nós adoecemos?”.
Nesse painel inicial, Maria do Carmo vai proferir a palestra sobre as “Dificuldades no acesso à saúde de diferentes grupos de mulheres: jovens, idosas, negras, vivendo com o HIV, trabalhadoras sexuais, LGBTQIAP+, do interior do Estado, da zona rural, indígenas, quilombolas”.
Uma das debatedoras será Lorena Maria de Paiva, conselheira municipal dos direitos das mulheres em Belo Horizonte e representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Ela concorda com a colega sobre os avanços do SUS nos últimos anos, mas também indica gargalos.
Para as mulheres que ela representa, travestis e transsexuais, Lorena indica como um dos grandes avanços a inauguração de ambulatórios especializados em diversas cidades. Nesses espaços, é possível ter acesso, por exemplo, ao acompanhamento do processo de hormonização (intervenção de saúde utilizada por muitas pessoas transexuais e travestis como estratégia para se expressarem de acordo com o gênero no qual se reconhecem).
O primeiro ambulatório desse tipo em Minas Gerais foi inaugurado em Uberlândia, em 2016. Belo Horizonte conta com o equipamento desde 2018.
Lorena explica, porém, que é preciso avançar nessa política. Um dos problemas é que nem todos os ambulatórios oferecem a medicação necessária para a hormonização – em Uberlândia, os remédios são entregues; em Belo Horizonte, não. Na Capital, é feito o acompanhamento com as devidas orientações médicas, mas os medicamentos precisam ser comprados. Em cidades grandes, ainda há o problema de que os ambulatórios às vezes são distantes das áreas centrais, o que dificulta o acesso.
Além disso, a debatedora indica que ainda é difícil que o nome social seja respeitado nos equipamentos de saúde, que não os ambulatórios especializados. Isso causa, segundo Lorena, constrangimentos e algumas mulheres transexuais acabam não se tratando para evitar essas situações.
A convidada relata que a situação piorou na pandemia, quando alguns dos ambulatórios, inclusive o da Capital mineira, foram fechados e nenhum serviço de referência foi oferecido.
Acúmulo de papéis pode levar ao adoecimento mental das mulheres
O Painel 1 tem ainda a palestra sobre as múltiplas jornadas, relações de trabalho, violência e o adoecimento físico e mental das mulheres, da socióloga e pesquisadora da Fundação João Pinheiro Nícia Raes. Segundo ela, o foco da palestra deverá ser como as mulheres têm conquistado mais espaço no mercado de trabalho, mas isso sem serem aliviadas dos papéis tradicionais a elas conferidos, como o cuidado com os filhos e os idosos da família, o que leva a múltiplas jornadas.
A sobrecarga tem efeitos nas trajetórias pessoais e profissionais das mulheres, bem como sobre sua saúde, em especial a saúde mental. Esses efeitos se dão de formas diferentes a depender, por exemplo, da classe social de cada uma.
Um dos destaques da abordagem que a convidada deverá trazer para o evento é que as políticas de trabalho, de segurança social, de educação e tantas outras também impactam a saúde. Um exemplo é a política de creches: de acordo com Nícia, menos de 30% das crianças brasileiras têm acesso a esse serviço, o que reduz as oportunidades profissionais das mulheres, afeta sua renda e interfere em sua saúde.
Mulheres precisam de atenção especial em saúde em várias fases da vida
À tarde, o segundo painel, marcado para as 14 horas, terá como tema “Saúde em todas as fases da vida”. Como no primeiro painel, cada palestra será feita por uma convidada, que depois passará a palavra para as debatedoras. Em seguida, haverá a possibilidade de responder perguntas do público, que poderão ser feitas pessoalmente ou pelos canais virtuais da ALMG.
A primeira palestra, a ser proferida pela psicóloga e professora da UFMG Paula Rita Bacellar, abordará a saúde sexual e reprodutiva, a educação sexual nas escolas, a gravidez na adolescência e o planejamento reprodutivo. O tema tem sido alvo de debates na Assembleia desde a legislatura passada, quando foi aprovado o Projeto de Lei (PL) 376/ 19, que trata da saúde reprodutiva da mulher. O texto foi sancionado na forma da Lei 23.531, de 2020.
Em seguida, Danúbia Mariane de Carvalho, enfermeira e professora de programas de pós-graduação em enfermagem obstétrica e neonatologia, será a responsável pela palestra sobre acompanhamento pré-natal, prevenção da mortalidade materna, violência obstétrica e promoção do parto humanizado.
A saúde da mulher na fase da gestação foi alvo de disputas políticas nos últimos anos, como lembra a médica sanitarista Maria do Carmo. O governo federal, quando Jair Bolsonaro era presidente, chegou a revogar a portaria que instituía a Rede Cegonha, que previa tratamento integral para a mãe e a criança a partir dos seus territórios. No início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a portaria voltou a ser válida e a iniciativa foi retomada.
As discussões em torno do tema são importantes para evitar retrocessos e se conseguir avanços. Maria do Carmo afirma que esses debates ajudam na conscientização das mulheres, que acabam pressionando os serviços de saúde, públicos e privados, por mudanças.
É assim que o que a médica chama de “tecnologias do parto humanizado”, como não separar mãe e filho imediatamente depois do parto, têm se espalhado.
O dia será encerrado com a palestra sobre o envelhecimento e qualidade de vida, climatério, menopausa, saúde menstrual e prevenção dos cânceres de mama e de colo de útero, a ser proferida pela médica Ana Lúcia Valadares, professora da pós-graduação da Unicamp. Uma das demandas das mulheres nessa fase da vida é por tratamentos para o climatério no SUS, como foi expressado por especialistas em debate sobre o tema realizado na ALMG.
Sempre Vivas
Desde 2019, os eventos realizados pela ALMG em celebração ao dia 8 de março têm a marca Sempre Vivas, em referência à resiliência das mulheres. As ações são construídas coletivamente pela Assembleia, representada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, e diversos coletivos feministas.
"Uma das coisas mais fantásticas e que está no DNA do Sempre Vivas é a sua construção coletiva, que traduz a diversidade das mulheres de Minas, não só pela característica regional de cada canto, mas também pelas pautas e demandas diversas. Cada tema, palestrante ou atividade é definida a partir da escuta e da votação coletiva, participativa”, avalia a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que foi a presidenta da Comissão dos Direitos da Mulher na 19ª Legislatura e esteve à frente da organização do evento nos últimos anos.
Em 2023, o lema é “Viver é muito mais que sobreviver”. De acordo com Ana Paula Siqueira, nas edições anteriores diversos tipos de violências contra as mulheres estiveram no centro do debate, mas neste ano a mensagem é de luta por uma “vida plena”.