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Convocadas, secretárias de Estado defendem projeto do Rodoanel

Mas comunidades atingidas pelo empreendimento não se satisfazem com explicações trazidas pelas titulares das pastas de Meio Ambiente e Desenvolvimento Social. 

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Apesar das explicações de duas secretárias de Estado em relação ao Rodoanel Metropolitano, nesta quarta-feira (1º/10/25), representantes de comunidades tradicionais atingidas pelo empreendimento manifestaram sua insatisfação com esse projeto do governo do estado. Marília Carvalho de Melo, da pasta de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Alê Portela, de Desenvolvimento Social (Sedese), foram convocadas pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para participar de reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Na audiência solicitada pelas deputadas Bella Gonçalves (PSOL), presidente da comissão, e Beatriz Cerqueira (PT) e pelo deputado Lucas Lasmar (Rede), o questionamento maior foi quanto à ausência da consulta livre, prévia e informada (CLPI) das populações atingidas. Essa consulta é prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual o Brasil é signatário.

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Bella Gonçalves (PSOL) lembrou que, há 3 meses, realizou audiência pública logo quando soube que o governo tinha obtido licença prévia para dar sequência ao Rodoanel. E que várias casas no traçado do projeto já estariam sendo marcadas pelas empresas contratadas pelo governo, Tracterbel e HIP. Ela questionou o fato de o governo ter emitido decreto definindo o Rodoanel como empreendimento estratégico, antes mesmo de o Projeto federal 2159/2021, o chamado “PL da Devastação” ser regulamentado.

“Há uma tentativa sistemática de descumprimento da convenção da OIT no estado e um tensionamento legal o tempo todo, para que os projetos avancem em cima das comunidades; queremos que o processo seja reto, consistente, coerente e que não viole direitos”, afirmou.

Rodoanel vai desafogar Anel Rodoviária na Capital

A secretária Marília Carvalho defendeu o Rodoanel como forma de desafogar o trânsito na Capital, aliviando o tráfego no Anel Rodoviário. Ela historiou o processo de licenciamento, afirmando que o pedido de licença prévia foi protocolada em março de 2024 e em fevereiro de 2025 foi autorizado na forma de licença prévia sem efeitos.

Ela explicou que como é um processo complexo, vários órgãos estaduais e federais tem que ser ouvidos. No caso presente, já houve manifestações favoráveis da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Falta ainda a anuência dos Institutos Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para que se dê sequência ao processo.

Em relação a CLPI, disse que o Supremo Tribunal Federal se posicionou defendendo que essa consulta pode ser feita em qualquer etapa do processo de licenciamento, não necessariamente na licença prévia (LP). 

Sobre a preocupação com possíveis impactos do Rodoanel, a secretária abordou alguns deles, como a proximidade da rodovia em relação à represa de Vargem das Flores. Ela informou que o novo traçado ficará a 3 km da área de abastecimento da Copasa, que foram analisados impactos diretos e indiretos e estabelecidas todas as medidas de controle. “Foram tomadas medidas de segurança para evitar vazamentos, como sistemas de contenção, de modo a garantir que nenhum impacto atinja a represa”, afirmou. 

Quanto ao decreto que declara o Rodoanel como empreendimento estratégico, Marília frisou que o PL federal foi vetado, mas que sei editou a Medida Provisória 1308/25, que trata do licenciamento ambiental especial para empreendimentos estratégicos. Ela avaliou que, no caso dessas obras prioritárias, é preciso maior agilidade na tramitação dos licenciamentos.

A parlamentar questionou a secretária quanto à falta de anuência ao Rodoanel por parte dos municípios de Contagem e Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “A obra deve respeitar os planos diretores dessas cidades, onde se situa Vargem das Flores, importante para o abastecimento de água da RMBH”, disse.

Marília Carvalho respondeu que a Advocacia Geral do Estado emitiu um parecer defendendo que o Rodoanel é uma obra de interesse metropolitano e, por isso, a anuência deve ser dada pela Agência RMBH, e não pelos dois municípios.

Estado tem se reunido com 14 comunidades

Bella Gonçalves questionou a secretária Alê Portela com relação à CLPI, que não estaria sendo conduzida corretamente pelo estado. Deputada licenciada da ALMG, a secretária disse que o governo e as empresas contratadas têm feito convites desde 2023, por meio de carta registrada, rádio, carro de som e outros meios, às comunidades para que estas sejam ouvidas.

Assim como a secretária de Meio Ambiente, a titular do Desenvolvimento Social disse que a convenção da OIT não fala em que momentos a comunidade deve ser ouvida, se no início ou durante o processo. “Nós nos reunimos com uma comunidade de Santa Luzia, o que levou a mudança do traçado na cidade, para não passar por cima de um cemitério”, destacou.

Em relação ao posicionamento do Incra, Portela disse que num dos processos na justiça, o órgão afirmou não ser de sua competência fazer a CLPI das comunidades. Mas essa informação foi contestada por vários convidados da audiência, que citaram o posicionamento do Incra colocando-se como competente para fazer tal consulta.

Ainda sobre a consulta, a gestora informou que, em 2024 e 2025, foram realizadas reuniões com escuta qualificada de comunidades, para apresentar o projeto do Rodoanel e ouvir as demandas. “Temos 14 comunidades certificadas dentro do traçado, incluindo indígenas, ciganos, quilombolas, congadeiros”, informou. Ela detalhou que, entre mais de 80 comunidades e povos tradicionais, apenas essas 14 têm certificado de reconhecimento e só elas estão sendo ouvidas, por enquanto.

Alê Portela também mostrou números sobre acidentes no Anel Rodoviário que justificariam a construção do Rodoanel como alternativa para desafogar o trânsito: “São 12 acidentes por dia no Anel, que tem um tráfego de 130 mil veículos por dia; de 2015 a 2025, foram 254 mortes”.

Segundo ela, com a nova obra, haverá reduções de mil acidentes ao ano, de 30 a 50 minutos de tempo no trânsito e de 10% de emissões de gases do efeito estufa. Por fim, valorizou o desenvolvimento econômico propiciado pelo empreendimento, com seus 70 km pista duplicada, além de viadutos e passagens.

Apoio às secretárias

Parlamentares da base do governo Zema se pronunciaram para elogiar a atuação das das secretárias e apoiar o projeto do Rodoanel. Fizeram uso da palavras Zé Laviola (Novo), Grego da Fundação (PMN), Gustavo Valadares (PSD), Adriano Alvarenga (PP) e Antonio Carlos Arantes (PL).

Consulta deve ser feita em todas as fases do processo

Matheus Gonçalves, professor de Direito da PUC Minas e advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, questionou a fala das titulares da Semad e da Sedese. Segundo ele, a Convenção 169 é autoaplicável e define que os governos deverão consultar os povos impactados, cada vez que sejam previstas medidas administrativos que podem atingi-los. “É um erro pensar que a consulta tem que ser feito só na fase de licenciamento; num projeto complexo como o do Rodoanel, há fases de engenharia, política tarifária e cada medida exige uma consulta”, ponderou.

Disse ainda que a federação fez uma proposta de acordo ao governo, em 2024, mas este não respondeu até o presente momento. Outra irregularidade seria o descumprimento da Lei estadual 21972, a qual prevê que, no licenciamento com impacto em terras quilombolas, é imprescindível a participação do ente federal. “Vocês não têm direito de dispensar a participação do Incra; e a competência para fazer a consulta é do Incra, não da Sedese”, advertiu. 

Ele apresentou condições para negociar com o estado: anulação da LP concedida ao rodoanel, consulta a todos os povos e comunidades, não só 14, e executada pelo Incra. Na sequência, Makota Cássia Kidoialê, liderança do Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango, da Capital, disse que “o estado tem que modernizar suas ideias e ser mais ético que técnico”.

Mesa de Negociação

Depois de ouvir os convidados e observar que não houve consenso, Bella Gonçalves concluiu que o caminho melhor para se buscar um diálogo seria o Poder Judiciário, o qual poderia criar uma Mesa de Negociação. Nessa instância, estariam sentados os representantes do governo de Minas, dos municípios atingidos pelo empreendimento e das comunidades impactadas.

Por fim, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) considerou a audiência difícil, mas necessária. “Precisamos compreender o lugar dessas pessoas que vivem há anos esta situação de ameaças pelo projeto do Rodoanel”, declarou. Ela lembrou que agora em 2025, protocolou na ALMG projeto de resolução para sustar os efeitos do decreto que coloca o Rodoanel como prioritário. "Esse empreendimento tem vícios insanáveis", concluiu. 

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