Audiência escancara agressões rotineiras em escolas
Episódio de autista agredido em Belo Horizonte foi mote para discussão. Participantes relataram que casos são regra, e não exceção.
22/11/2022 - 19:50 - Atualizado em 24/11/2022 - 11:15Convocada para debater suposta agressão sofrida por aluno com transtorno do espectro do autismo (TEA) na Escola Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte, audiência realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) acabou por revelar que casos são muito frequentes. Pais e especialistas mencionam várias denúncias e apontam um aumento da agressividade dos alunos após a quarentena da pandemia de Covid-19.
A reunião foi realizada nesta terça-feira (22/11/22) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a requerimento dos deputados Professor Wendel Mesquita (Solidariedade) e Zé Guilherme (PP). “Precisamos refletir sobre o que estamos vivendo nas escolas e, a partir de um episódio como esse, construir soluções para que cenas assim não se repitam”, propôs Professor Wendel Mesquita, que preside a comissão.
Em um longo e emocionado relato, Diva Pimenta Magalhães contou como o filho D., de 13 anos, foi agredido no último dia 1º de novembro e as crises severas diárias que passou a ter desde então.
Segundo ela, D. foi derrubado e imobilizado por um golpe conhecido por mata-leão, aplicado duas vezes pelo colega de sala L., também adolescente. Era o momento da troca de professores e, por isso, não havia adultos na sala. Ao chegar, a professora teria mandado cada um para sua carteira e prosseguido normalmente com a aula.
Segundo a mãe, D. passou por várias outras humilhações na escola desde o início do ano, muitas vezes praticadas por L. Os casos envolvem desde estrangulamento até chute na canela, passando pela destruição de seu fone para conter barulho.
Também teria sofrido agressões coletivas em jogo de queimada e numa viagem da escola, quando colegas teriam iniciado o “costume de cuspir nele”. “Nesse caso não foi L.”, enfatizou.
Colegio é acusado de negligência
Diva conta que tentou vários contatos com a Escola Santo Tomás de Aquino, mas que a atenção só veio após a repercussão do caso na mídia. Ainda assim, ela teme que as promessas da instituição não sejam cumpridas, em que pese o afastamento de um dos diretores na última semana. Por isso ela foi à Polícia.
A mãe também acusou o colégio de omissão. “Eles sabiam do diagnóstico de TEA. Meu filho não tinha professor auxiliar, como prevê a lei, e ainda foi deixado sozinho”, enfatizou.
A advogada do colégio, Renata Mendes Rocha, não comentou o fato específico por entender que houve um relato unilateral, mas enfatizou o respeito da escola pelas famílias envolvidas e o dever de preservar os adolescentes.
Segundo ela, tudo o que é possível está sendo feito e não houve fechamento ao diálogo. Ela ainda negou que a escola tenha sido omissa e que as dezenas de alunos neurodiversos são atendidos em ambiente adequado.
Representantes da Polícia Civil confirmaram que o caso segue em apuração, mas em sigilo, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O episódio também está sendo averiguado pelo Serviço de Inspeção Escolar, conforme afirmou o representante da Secretaria de Estado da Educação, Valdeir Clementino Barboza dos Santos, que é analista educacional da Assessoria Central de Inspeção Escolar, e ainda pela Defensoria Pública.
Relatos chegam de todo País
De acordo com Diva Magalhães, com a repercussão do caso, ela passou a receber inúmeros relatos vindo de todo o País, mas principalmente de Belo Horizonte, com situações graves envolvendo agressões e negligência em escolas.
Mãe de autista e fundadora do Grupo Unidas, Catiane Ferreira Gomes reiterou que, no grupo de mais de 600 mães da Região Metropolitana de BH, essas denúncias são diárias. “O meu filho chegou a urinar na roupa depois da agressão de seu monitor”, citou.
“O ocorrido aqui é uma regra”, definiu Adriana Borges, coordenadora do Laboratório de Políticas e Práticas em Educação Especial e Inclusão Faculdade de Educação da UFMG.
Ela citou dados dos Estados Unidos que apontam a presença de uma pessoa com TEA em cada grupo de 30 crianças e adolescentes. O número anterior era de um para cada grupo de 44. “Há um aumento do diagnóstico e dos casos, e o poder público não está atento aos impactos nas políticas públicas”, advertiu.
Suzana Faleiro Barroso, professora da Faculdade de Psicologia da PUC Minas e especialista na temática do autismo, salientou que o retorno às escolas após a quarentena imposta pela pandemia revelou o aprofundamento da agressividade dos alunos. “É um fenômeno generalizado, da infância à universidade”, afirmou.
Ela defendeu a formação e preparação de professores e monitores e pregou a “docilidade para acolher a indocilidade”. Essa capacitação foi preconizada também por outros participantes.
Já Ana Carolina Gusmão, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, defendeu a formação de toda a comunidade escolar em direitos humanos, para garantir a acessibilidade plena das pessoas com deficiência.
Mãe envia carta e defende filho
Ausente da reunião, Fabiana Ribeiro de Pinho, mãe de L., enviou uma carta na qual se queixa que o filho de 12 anos, carinhoso e inteligente, vem sendo apontado como criminoso e torturador desde o ocorrido em 1º de novembro.
Segundo Fabiana, L. foi diagnosticado com transtorno do deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) aos nove anos. Depois disso sofreu um grave acidente de carro e, na sequência, perdeu o pai vítima de outro acidente.
Toda essa situação, segundo Fabiana, teria levado o adolescente a uma depressão severa, com necessidade de acompanhamento especializado. Tudo também foi comunicado ao colégio.
Ainda segundo a mãe, por diversas vezes L. chegou da escola em crise por ter ouvido coisas relacionadas à morte do pai. Para ela, são duas crianças que precisam de atenção e acompanhamento.
O padrasto de L., Cristiano Ziler, reiterou, ao final da reunião, que o adolescente não deve ser crucificado, até mesmo porque ainda não seria possível afirmar, com certeza, o que ocorreu. Ele disse que há a possibilidade de L. ter agido para defender outro colega, agredido por D., hipótese prontamente rejeitada por Diva Magalhães. “Não sejam juízes de uma criança que também está sofrendo, também diagnosticada com um transtorno”, pediu o padrasto.
Diva Magalhães também afirmou não saber, até então, da condição de TDAH de L., o que tornaria a omissão da escola ainda mais grave e evidente.
Encerrando a reunião, o deputado Professor Wendel Mesquita ressaltou a possibilidade de reflexão democrática proporcionada pela audiência, com a palavra aberta a todos os lados, e informou que a comissão fará uma visita técnica à Escola Santo Tomás de Aquino.