Notícias

Atingidos pela duplicação da BR-381 questionam formas de assentamento

Em reunião nessa quarta (29), DNIT e Justiça Federal afirmam estar dialogando com a comunidade na busca de uma solução possível.

- Atualizado em 29/10/2025 - 21:43
Imagem

Atingidos pelas obras de duplicação da BR-381, no trecho que corta Belo Horizonte, entre a Avenida Cristiano Machado e o Rio das Velhas, defenderam o reassentamento humanizado das famílias. Representantes dos moradores, juntamente com autoridades federais, participaram de reunião da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na quarta-feira (29/10/25). 

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que requereu a audiência pública, disse que o objetivo era organizar o diálogo entre todos os grupos e poderes envolvidos na discussão, de modo a garantir que o reassentamento seja realizado de forma transparente, segura e digna. “Defendo que essa rodovia seja duplicada o quanto antes, mas devemos fazer esta expansão garantindo às famílias moradoras dali há décadas um remanejamento feito com dignidade”, propôs.

Botão

Proposta de reassentamento foi apresentada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e pela Justiça Federal. Agora, ela deve ser homologada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no próximo dia 7 de novembro.

Uma das áreas mais afetadas pela obra seria a Vila da Luz, na região Nordeste de Belo Horizonte, que abriga cerca de 1,1 mil moradores.

Núbia Ribeiro, presidente da Comunidade dos Moradores em Área de Risco (CMAR), reforçou que a realocação de todos os moradores deve ser realizada de forma humanizada. Participante do movimento dos atingidos desde o início em 2006, Núbia disse que em 2016 buscou intervenção da ALMG, mas não conseguiu marcar a audiência. Somente agora, com apoio da deputada, foi possível agendar o encontro. 

Vídeo

Ednéia Aparecida de Souza, dirigente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, apresentou um relatório da Prefeitura de Belo Horizonte de 2012. No documento, indicavam um empreendimento no Bairro Capitão Eduardo (região Nordeste da Capital), de construção de 4 mil moradias para pessoas carentes. Ela questionou que agora os responsáveis pelo reassentamento da BR-381 do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) estão oferecendo o mesmo terreno para as famílias atingidas.

Áudio

Nem todos querem viver em apartamentos

Edneia de Souza criticou ainda a proposta do órgão para os moradores das margens da rodovia, que prevê apartamentos, em vez de casas. Lembrou do reassentamento de famílias do Jardim Vitória, há dez anos, quando construíram 2 mil apartamentos. Atualmente, a maioria das famílias está sendo despejada, porque não consegue fazer frente às despesas das moradias, o que inclui o pagamento de água, luz, condomínio e outros.

“A Lei é clara: se você não paga condomínio, eles têm o direito de penhorar sua casa e leiloá-la; e muitas pessoas que ocuparam os apartamentos ganham salário-mínimo e estão sendo despejadas”, afirmou. Para Edneia, no debate sobre o reassentamento da 381, é importante considerar o modo de vida das pessoas, para evitar que se repita a situação do Jardim Vitória.

Imagem

A moradora Maria Teresa dos Santos trouxe a demanda de um outro morador que não quis se identificar, porque atualmente está encarcerado. Outra pessoa ocupou a casa, e ele tem medo de perder a moradia. “Peço que nos ajudem a resolver essa questão para garantir a moradia das pessoas encarceradas e de outras que foram obrigadas a sair de suas casas”, solicitou Maria Teresa.

Muitos outros foram ao microfone e relataram dificuldades para morar em apartamentos. Alguns têm animais e plantas ou pessoas com deficiência ou dificuldades pessoais. É o caso de Delfina Rodrigues, que mora há 29 anos na vila. Além de possuir dois cachorros e três gatos, ela ainda sofre de artrose na lombar e nos joelhos o que a impede de subir e descer escadas.

De forma resumida, membros da comunidade defenderam as seguintes propostas, para além da realocação em prédios:

  • compra assistida
  • atualização dos valores pagos pelas casas atingidas
  • oferta de casas, além de apartamentos

DNIT diz que sua meta é garantir moradia digna

“A nossa proposta é garantir moradia digna, com reassentamento humanizado, tanto na Vila da Luz quanto em outras comunidades atingidas pela obra da BR-381”, afirmou Leandro Tito Muniz. Chefe de desapropriação, reassentamento e meio ambiente da Superintendência Regional do DNIT em Minas Gerais, ele disse que realizou há dois meses reunião na Vila da Luz e que já está sendo promovida a selagem das moradias, além das pesquisas com a população local e recebimento da documentação.

Michele Fragoso, coordenadora nacional de desapropriação e reassentamento do DNIT, acrescentou que a identificação das famílias na faixa de domínio é fundamental: “Precisamos do número correto de pessoas atingidas para fazermos um estudo mais consistente e apresentarmos a proposta; sei que não é tranquilo, porque vocês vão sair de suas casas, mas vamos fazer da melhor forma possível”, prometeu.

Acordeão

 

Escaneie o QR Code com o celular para conferir este video
Comunidade às margens do Anel Rodoviário quer ser ouvida sobre reassentamento TV Assembleia
Áudio
Escaneie o QR Code com o celular para conferir este audio

Cláudio Fonseca de Pina, juiz federal da 2ª Vara Judiciária de Sete Lagoas do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, rememorou que a luta da comunidade começou em 2006: “Chegou uma carta de despejo do DNIT, propondo a retirada de todas pessoas do local, sem nenhuma contrapartida”.

Disse que a discussão sobre moradia é nova no Judiciário brasileiro, pois se trata de uma questão social. “O problema da habitação nos acompanha desde a formação do Estado brasileiro e nunca tivemos uma solução estrutural”, avaliou. Em Minas, um avanço se deu em 2017, quando a justiça obteve o reassentamento de cerca de 300 famílias da Vila da Paz e da Vila Pica-pau.

Já em 2021, relatou o juiz, foi editada pelo Supremo Tribunal Federal a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que suspendeu despejos e remoções forçadas de famílias vulneráveis durante a pandemia de covid-19. A medida também estabeleceu a criação de comissões de soluções fundiárias no Judiciário, o que foi feito em Minas Gerais.

“Nosso papel hoje é intermediar a relação entre a comunidade e os responsáveis pela obra da BR; buscando soluções dentro do que temos”, afirmou. “Já nos reunimos com os moradores e o DNIT e vamos fazer outras reuniões, para buscar a solução possível, real e que dê dignidade de moradia a todos os envolvidos”, declarou.

Respondendo a questionamentos do público, Cláudio Pina explicou que, para o assentamento atual, a prefeitura ofereceu Capitão Eduardo porque é a única área disponível na Capital capaz de abrigar as 2 mil famílias que serão realocadas. Disse que está sendo usado a linha do Minha Casa Minha Vida destinada a populações impactadas por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O juiz defende o reassentamento coletivo previsto nas regras do financiamento, até para preservar laços econômicos, afetivos e sociais da comunidade. Também afirmou que a opção por apartamentos decorre da inexistência de área disponível para construir a quantidade sugerida de casas.

Leandro Muniz completou a fala do juiz, afirmando que os estudos do Dnit vão ajudar a resolver demandas possíveis, como, por exemplo, unidades no térreo com acessibilidade para quem tem dificuldade de locomoção.

O advogado Henrique Castro, que atua em causas de pessoas atingidas por barragens e outros grandes empreendimentos, defendeu a simetria técnica entre DNIT e representação da comunidade: “O DNIT chega com laudos completos e as pessoas não têm condições de responder a altura; foi constituída a CMAR, mas sem condições técnicas, sem estrutura”.

Para ele, é necessário que as pessoas sejam ouvidas e que tenham representação real, e não apenas formal. “Elas devem ser colocadas no centro de tudo, para que possamos chamar esse reassentamento de humanizado”, concluiu.

Também advogado de movimentos populares, o vereador de Uberlândia Igino Oliveira defendeu que moradores de casas devem ser assentadas em casas, e não em prédios.

O defensor público federal Eduardo Paredes de Carvalho lamentou que no Brasil a maior parte da população ainda seja invisibilizada. “Que a chamada ‘rodovia da morte’ seja transformada em rodovia da vida e de visibilização das pessoas”, propôs.

Ao final da reunião, a deputada Ana Paula Siqueira anunciou que vai solicitar uma visita à comunidade para apurar as condições das famílias. Ela também sugeriu a criação de um grupo de trabalho formado por moradores, parlamentares e órgãos envolvidos, para acompanhar o processo de reassentamentoe buscar soluções para as demandas individuais e específicas apresentadas durante a reunião.

Receba as notícias da ALMG

Cadastre-se no Boletim de Notícias para receber, por e-mail, as informações sobre os temas de seu interesse.

Assine