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Assassinato de morador de rua evidencia violência contra essa população

Audiência nesta quinta (27) mostra que, mesmo com STF atuando em favor desse segmento, violação de direitos dessas pessoas é constante no País. 

- Atualizado em 28/03/2025 - 10:58
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O assassinato do morador de rua Cristóvão Miranda, conhecido como Primão ou Primo, com seis tiros, por um policial militar, em fevereiro deste ano, em Belo Horizonte, exemplificou com crueza a situação de violência a que está submetida constantemente a população em situação de rua.

O crime fez com que a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Bella Gonçalves (PSOL), pedisse um minuto de silêncio em memória do sr. Cristóvão na audiência pública da comissão, realizada na quinta-feira (27/3/24).

A reunião na Assembleia tratou da violação de direitos desse segmento e também abordou o descumprimento de decisão do Supremo Tribunal Federal, que determina aos estados e municípios a execução imediata da Política Nacional para a População em Situação de Rua.

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Para o promotor de justiça Luciano Sotero Santiago, do Tribunal do Júri, o caso evidencia claramente como a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976 vem sendo negligenciada por estados e municípios. Citando trechos do relatório da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) sobre o caso, o promotor criticou a invisibilização da vítima, que é qualificada por um número e não com seu nome de registro.

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O responsável pelos disparos, o policial Pedro Tiago de França e Silva, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, foi identificado corretamente, segundo Luciano Santiago. Este lembrou ainda que na investigação da PCMG, foi feita a opção por investigar a vida pregressa da vítima, procedimento que ele não considerou adequado.

Por outro lado, segudo o promotor frisou, o relatório destaca que foram ouvidas duas testemunhas do bairro Itapoã, onde transitava Cristóvão Miranda, as quais declararam que o morador de rua era uma pessoa querida e que não portava armas.

“Seu Cristóvão era alimentado pela população da região; ele tinha sofrimento psíquico e, quando entrava em surto, gesticulava, falava muito, mas não era agressivo; a Polícia Civil não conseguiu levantar qualquer problema de violência por parte dele”, afirmou.

Por fim, o promotor elogiou a atuação do Superior Tribunal de Justiça, que vem emitindo “decisões de vanguarda em que repudia a prática do baculejo, da dura, do enquadramento contra a população de rua; porque é sabido que essas práticas não acontecem nos bairros nobres. E propôs que sejam efetivados protocolos das Polícias Militar e Civil e das Guardas Municipais que mostrem como deve ser o trato dessas corporações com a população em situação de rua.

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"Seu Cristóvão faz falta na comunidade"

A advogada e estudante Poliane Alves de Oliveira reforçou a defesa de Cristóvão Miranda, afirmando que o morador da Mata do Planalto está fazendo falta na comunidade. “Seu Cristóvão era muito tranquilo e respeitoso e moradores e comerciantes nunca tiveram problema com ele; não poderia ter sido descartado, como se fosse um nada”, lamentou.

Ela lembrou que, logo depois do assassinato, a população local fez uma manifestação e um abaixo assinado pedindo justiça. “Seu Cristóvão era a paz em pessoa; tinha dois cachorrinhos, a Babi e o Bob, e estamos cuidando deles; ficamos incrédulos com o que aconteceu e pedimos justiça”, disse Poliane, emocionada.

Falhas no governo estadual

Lembrando também do assassinato do sr. Cristóvão, André Freitas Dias, coordenador do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG, lamentou que esse fato infelizmente não é exceção no País. Ele enfatizou que o problema se agrava em Minas, onde seriam insuficientes os esforços do Governo do Estado para cumprir a ADCT e a Lei 20846, de 2013, que institui a Política Estadual para a População em Situação de Rua.

“O governo é ausente em várias políticas, especialmente na coordenação das ações voltadas para a população em situação de rua”, criticou. Ele afirmou que há 30.355 pessoas no estado em tal situação registrados no CadÚnico. “Apenas 10 municípios concentram 69% da população de rua; 56% dela está em Belo Horizonte; o governo deveria concentrar esforços nesses locais, mas não o faz porque está mais interessado na precarização e privatização da educação e da saúde”, concluiu, divulgando que comunicou ao STF essa omissão do Estado.

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Decisão do STF garante direitos da população em situação de rua TV Assembleia

A coordenadora do Movimento Libertação Popular, Alessandra Cordeiro, afirmou que muitas vezes os procedimentos e o treinamento da polícia para garantir os direitos das pessoas em situação de rua não se confirmam na prática. “A teoria é muito bonita, mas muitas vezes a abordagem é violenta; é preciso colocar essa humanização da polícia em prática no dia a dia.”, declarou.

Ela criticou especialmente a prática da polícia de fotografar pessoas em situação de rua, considerando-a “uma violação de privacidade”.

Essa prática da polícia de abordar e identificar pessoas sem motivo real por considerá-las suspeitas também foi criticada pela defensora pública Júnia Carvalho, da Defensoria Especializada em Direitos Humanos. “Quem tem que fazer a busca ativa dessas pessoas é a assistência social e não a polícia; não concordamos com isso”, ponderou.

Na avaliação de Samuel Rodrigues, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, a situação de violência a que está submetido esse grupo é grave: “Tivemos dois momentos do Estado: antes, ele matava, depois, passou a deixar morrer; e hoje, temos os dois modelos juntos”. Prova disso seriam os vários assassinatos de pessoas de rua e de outros grupos vulneráveis cometidos por policiais. “Se não gritássemos, o caso do seu Cristóval seria mais um a ser arquivado”, constatou.

Ele defendeu o cumprimento da Lei 20.846, como uma das medidas que poderia melhorar o atual cenário de violência contra esse público.

Na outra ponta, a promotora de Justiça Cláudia Xavier defendeu a identificação pela polícia, a qual seria derivada da parceria entre a Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos e a Guarnição Pop Rua, da Polícia Militar, para promoção da saúde e da assistência social dessa população.

Por sua vez, o procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Conflitos Agrários do Ministério Público, Afonso Henrique Teixeira, criticou a inércia do poder público em cumprir regras que já foram definidas pela ADPF 976, tais como direito da população de rua de ter acesso a banheiros públicos. “Você não precisa propor uma ação civil pública para dizer que as pessoas têm o direito a se hidratar ou à higiene. O STF já definiu isso”, esclareceu. Também ressaltou a necessidade de o MP exercer o controle efetivo da atividade policial.

Representantes da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e das Polícias Civil (PCMG) e Militar (PMMG) de Minas Gerais abordaram as ações do governo em favor da população em situação de rua.

O superintendente de Proteção Social da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Cristiano de Andrade, informou que o Estado tem hoje 302 Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) em 294 municípios e 87 unidades para abrigamento em 45 municípios.

“Temos um grande gargalo no Estado, que é a oferta de serviços especializados em municípios menores, mas o governo busca ampliar o cofinanciamento para permitir uma ampliação”, disse. Afirmou ainda que o governo realiza ações de capacitação a respeito da ADPF 976.

Questionado por Bella Gonçalves sobre a necessidade de reativação do Comitê Estadual da Pop Rua, previsto na ADPF, ele afirmou que o governo está aberto para discutir providências nesse sentido. A deputada considerou  insuficiente a resposta e advertiu sobre a possibilidade de convocar a secretária de Estado caso a questão não seja resolvida.

Diego Alves, delegado da Assessoria de Planejamento Institucional da PCMG, falou das ações institucionais da corporação que visam a mudança no trato com esse segmento. Segundo ele, a Polícia Civil, diante das mudanças na última década, tem tido o cuidado de oferecer formação em direitos humanos nos cursos de treinamento e de educação continuada dos policias e do pessoal administrativo.

Outra ação seria a busca da melhoria das informações criminais sobre a população de rua, já que os registros atuais são deficientes.

Outra preocupação, segundo o delegado, é o esforço da corporação em dar o encaminhamento adequado a todas as denúncias e investigações sobre desvios de conduta de seus profissionais. Por fim, valorizou o serviço prestado pela Polícia Civil de confecção do documento de identidade, básico para garantir direitos do cidadão.

O major Antonio Hot Faria, da seção de Direitos Humanos da Diretoria de Operações da PMMG, afirmou que está em curso um diagnóstico sobre vitimização entre os grupos vulneráveis e minorias. E a corporação atua com dois pilares de atuação: polícia comunitária, procurando soluções na segurança pública junto com a comunidade; e filosofia de direitos humanos.

“Essas são diretrizes que todos os normativos têm que respeitar”, apontou ele, afirmando que a Polícia Militar não é inimiga de grupos vulneráveis. “Criamos um procedimento operacional padrão focados em vulneráveis e minorias, que foi replicado para outras polícias do Brasil”, elogiou.

Bella Gonçalves reforçou que a luta da comissão é para que a população em situação de rua tenha direitos, se torne visível e pare de sofrer violência. “A ADPF foi uma conquista, mas recebemos denúncias de violências contra a população de rua que acontecem dentro de equipamentos públicos que deveriam protegê-la”, lamentou.

A deputada noticiou que o Judiciário mineiro acolheu a denúncia de assassinato de Cristóvão: “Pedro Thiago de França e Silva já virou réu em uma ação, que deve ser julgada no Tribunal do Júri, mas esse julgamento pode demorar; por isso, é preciso que a população acompanhe o caso e cobre”, sugeriu.

Como encaminhamentos, Bella Gonçalves propôs a reativação do Comitê Estadual da Pop Rua, o qual estaria inativo. Informou que requererá informações das Polícias estaduais sobre o protocolo de abordagem dessa população.

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