DEPUTADA ANA PAULA SIQUEIRA (REDE)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 19/09/2025
Página 178, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas PL 2129 de 2020
58ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 17/9/2025
Palavras da deputada Ana Paula Siqueira
A deputada Ana Paula Siqueira – Boa tarde, presidenta; boa tarde, Sras. Deputadas, Srs. Deputados e toda a população que nos acompanha. Eu venho aqui, presidenta, com profunda indignação, trazer minhas manifestações e reflexões sobre a situação da PEC da Blindagem e também sobre todos os impactos e os riscos que o Brasil corre a partir da aprovação dessa PEC.
O Brasil viveu ontem um dos momentos mais vergonhosos da história legislativa. A aprovação da PEC, chamada PEC da Blindagem, é um verdadeiro tapa na cara da nossa sociedade. Em vez de representar o povo, a Câmara dos Deputados mostrou que muitos ali representam apenas a si mesmos, aos seus próprios interesses e aos dos seus pares. Com mais de trezentos e quarenta votos favoráveis, a PEC cria barreiras para que deputados e senadores respondam na Justiça, exigindo autorização das próprias casas legislativas para serem processados ou para que seus colegas parlamentares sejam processados. Isso não é uma prerrogativa, isso é uma superimunidade, é uma carta-branca para que parlamentares e senadores cometam crime. O Congresso, que deveria ser guardião da Constituição, escolhe se blindar, mais uma vez, diante do povo. É o mesmo Congresso que diz por aí que não tem tempo para discutir políticas sociais, mas tem pressa quando se trata de salvar a própria vida e a de cada um desses parlamentares.
Eu vou explicar um pouquinho sobre a PEC para que não restem dúvidas dos impactos e do risco que ela acarreta. A PEC da Blindagem faz com que qualquer processo contra deputado federal ou senador dependa da autorização da respectiva casa; cria um prazo de 90 dias para se autorizar ou não a continuidade de um processo no Supremo Tribunal Federal; mantém a possibilidade de se revogarem prisões em até 24 horas, mesmo em crimes graves, e ainda amplia o foro privilegiado para presidentes de partidos com representação no Congresso. Ou seja, é a institucionalização da impunidade. Não foi por acaso que essa PEC ganhou um apelido: PEC da Blindagem. Essa é a PEC que blinda os políticos contra a Justiça. É um ataque frontal à igualdade de todos perante a lei.
Por que essa PEC me preocupa tanto, gente, e deveria preocupar todos? Porque o Brasil não aguenta mais esquemas de corrupção, propina e destruição do meio ambiente, como foi revelado, nesta semana, pela Polícia Federal aqui, em Minas Gerais. A operação da Polícia Federal revelou um esquema bilionário de fraude em licenciamentos ambientais para a mineração. Foram 22 mandados de prisão e 79 mandados de busca e apreensão. Segundo a Polícia Federal, um grupo criminoso movimentou, pelo menos, R$1.500.000.000,00 e tinha um projeto com potencial superior a R$18.000.000.000,00. Dentre os presos, estão empresários poderosos, agentes políticos, um diretor da Agência Nacional de Mineração e até um ex-superintendente da Polícia Federal de Minas Gerais, ou seja, gente que deveria proteger o Estado, mas que estava vendida para o crime. E sabem qual é o alvo desse esquema? O alvo desse esquema é a nossa Serra do Curral, símbolo de Minas Gerais, tombada pelo patrimônio, mas cobiçada pela mineração predatória. É esse o risco em um país em que a lei não vale para todos, em que políticos e empresários se unem para fraudar licenças, atropelar regras e lucrar em cima da morte da natureza e dos sofrimentos das pessoas.
Imaginem, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, se esse esquema estivesse sendo investigado e políticos envolvidos pudessem dizer: “Não, eu não autorizo que esse processo continue”. Essa é a lógica da PEC da Blindagem: o criminoso escolhendo se ele vai ou não ser julgado. É por isso que essa PEC é extremamente perigosa. Ela não é apenas uma mudança técnica; é uma licença para a prática de crimes como os que a Polícia Federal desmantelou nesta semana, aqui, em Minas Gerais. Deputados e senadores não podem ser uma casta intocável e não podem se blindar com a Justiça enquanto o povo enfrenta a violência, a fome, o desemprego e ainda vê o nosso meio ambiente sendo destruído por negacionistas. Se hoje conhecemos a extensão desse esquema bilionário, é porque a Polícia Federal pôde atuar com independência. Se hoje nós temos julgamento de quem tentou um golpe contra a democracia, é porque o Supremo Tribunal Federal manteve a sua autonomia.
Instituições fortes são a garantia de que ninguém está acima da lei, mas a PEC da Blindagem vai no caminho contrário: tenta enfraquecer a Justiça e fortalecer a impunidade. Nós precisamos, como sociedade, defender quem defende a democracia; defender uma Polícia Federal que investigue com coragem e compromisso; defender um Supremo que julgue com independência; defender o princípio básico de que todos são iguais perante a lei. A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara Federal foi, gente, um tapa forte na cara da sociedade. Mas cabe ao Senado barrar esse retrocesso. Cabe a nós, parlamentares estaduais e federais, e à sociedade civil organizada denunciar essa vergonha. E cabe também a nós, em Minas Gerais, resistir contra os esquemas que destroem as nossas montanhas, o nosso patrimônio, as nossas águas e o nosso futuro.
Aqui, nesta Casa, eu reafirmo: nós não vamos nos calar. Vamos continuar denunciando, fiscalizando e defendendo a democracia, a Justiça e o meio ambiente, porque blindar criminosos não é prerrogativa; é covardia, e quem tem compromisso com o povo mineiro não pode se curvar à impunidade. O que a gente lamenta e traz para reflexão, nesta tarde, presidenta, é que esses absurdos que vêm acontecendo, sempre na calada da noite, no Congresso Federal, afrontam a sociedade brasileira. Nós já dissemos várias vezes aqui, neste Plenário, que o governo do Estado de Minas Gerais, muitas vezes, é conivente com processos que beiram a situação covarde de ameaça e de crime. Já dissemos aqui, quando defendemos vários projetos ambientais, que o governo de Minas funciona como despachante das mineradoras. E olha só, Professor Cleiton: essa investigação de hoje mostra claramente o envolvimento de vários servidores, inclusive dentro da Cidade Administrativa, que estão trabalhando para o crime. Isso é uma vergonha, mais uma vergonha administrada e “consensuada” pelo governo Zema. Nós não podemos tolerar isso. Assim como a investigação que está em curso certamente vai punir servidores, agentes políticos, empresários e todas as pessoas envolvidas, nós não podemos admitir que a PEC da Blindagem avance no Brasil e que simplesmente favoreça, cada vez mais, os políticos, os parlamentares, os senadores, de modo que consigam escolher se serão ou não julgados neste país. Então, presidenta, é com muita indignação que eu falo sobre isso.
Eu quero também aproveitar esses momentos finais do meu tempo de fala para dizer que aprovamos hoje, aqui na Casa, na sessão extraordinária da parte da manhã, vários projetos. Entre eles, quero destacar um, de autoria coletiva das deputadas pretas da Casa: eu, deputada Ana Paula Siqueira; deputada Leninha; e deputada Andréia de Jesus. Fizemos uma proposta para enfrentar o racismo no nosso estado e no Brasil e para verdadeiramente trabalhar para haver uma ruptura nesse processo instaurado no nosso país, que é o processo do racismo, que nos mata, que nos tira direitos e que não cuida da memória do nosso povo com zelo, com cuidado e com reparo. O projeto aprovado em 1º turno proíbe qualquer uso de imagens e de nomes e também impede fazer homenagem àquelas pessoas que insistem em fortalecer o racismo estrutural ou que insistiram em determinado momento da nossa história. O que nós estamos fazendo e trazendo para o Estado de Minas Gerais é um movimento concreto, uma ação concreta de luta e de respeito pela população preta, pela população negra que foi escravizada neste país. Não houve um processo de justiça e de reparação.
Eu quero agradecer os votos que nós recebemos neste Plenário durante a aprovação, em 1º turno, desse projeto e pedir que possamos trabalhar com a máxima celeridade para aprová-lo ao longo deste ano, para darmos uma resposta concreta à nossa população, marcada por um racismo estrutural, que tenta cada vez mais nos silenciar e que não trabalha sob a perspectiva da reparação. Na mesma linha, nós aprovamos, neste Plenário, também de autoria da bancada das mulheres pretas desta Casa, o Estatuto da Igualdade Racial, que precisa ser regulamentado pelo governo do Estado para trazer as políticas públicas e garantir um atendimento digno e justo para a nossa população.
Eu queria trazer essas reflexões a este Plenário e reafirmar o nosso compromisso intransigente com a luta por um país que seja de fato justo e igualitário para todos e para todas. Obrigada, presidenta.