Mudanças na gestão do solo preocupam municípios
Audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais debate PL 3.078/12, que traz proposta de macrozoneamento na RMBH.
18/11/2013 - 19:28O Projeto de Lei (PL) 3.078/12, do governador do Estado, que trata da gestão unificada do solo metropolitano, não fere a autonomia dos municípios, pois será fruto de uma construção participativa e compartilhada. A garantia foi dada pelo diretor de Regulação Metropolitana da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Agência RMBH), Sandro Veríssimo Oliveira de Miranda, um dos debatedores na audiência pública realizada nesta segunda-feira (18/11/13) pela Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião atendeu a requerimento dos deputados Paulo Lamac (PT), Luzia Ferreira (PPS), Durval Ângelo (PT), Antônio Carlos Arantes (PSDB) e Pompílio Canavez (PT).
A tramitação do PL 3.078/12 tem preocupado os municípios, que temem perder a capacidade de decidir seus destinos. Por isso, os debates foram acalorados na Comissão de Constituição e Justiça, situação que deve se repetir agora na Comissão de Assuntos Municipais.
Para tranquilizar os presentes na audiência pública, o deputado Paulo Lamac, presidente da comissão, adiantou que deve ser apresentado um substitutivo à proposição reunindo todas as sugestões recebidas de fontes diversas como, por exemplo, o Colegiado Metropolitano, a Prefeitura de Belo Horizonte ou mesmo de cidadãos, que se manifestaram individualmente.
“Os instrumentos metropolitanos têm que harmonizar as relações entre os municípios, não são para impor aos municípios uma proposta de macrozoneamento. Ela deve existir sim, estamos fazendo algo importante e inédito entre os Estados brasileiros, mas essa iniciativa deve ser fruto de uma construção coletiva, sem imposições”, destacou Paulo Lamac. "A Região Metropolitana do Vale do Aço, por exemplo, não tem sequer um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) e não está preparada para entrar nesse debate. Por isso, deve ser deixada de fora desse projeto”, complementou o parlamentar.
Já a deputada Luzia Ferreira (PPS), vice-presidente da comissão, lembrou a importância da discussão na Assembleia para se chegar a soluções de consenso. “Nós somos cidadãos metropolitanos. Há uma profunda integração e tudo o que acontece em uma cidade impacta na outra. O desafio é conciliar a gestão metropolitana respeitando a autonomia de cada um. Por isso este debate é produtivo, pois ainda podemos fazer ajustes no projeto”, avaliou.
A opinião dos deputados foi embasada por Sandro Miranda, da Agência RMBH. Ele citou a Constituição Federal e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a legitimidade do PL 3.078/12. “O Estado não quer entrar em uma disputa jurídica, mas quer, sim, uma construção participativa e compartilhada. O que é função pública de interesse comum é compartilhado. O projeto de lei está aberto às contribuições de todos os cidadãos, pois está na hora de implementarmos o plano metropolitano. Não dá mais para fugirmos disso e estamos trabalhando para construir juntos um zoneamento que atenda a todo mundo”, apontou o especialista.
Histórico - Em sua exposição, Sandro Miranda traçou um panorama histórico das discussões do planejamento metropolitano, lembrando o papel destacado nesse processo das ações desenvolvidas no âmbito da ALMG. O Parlamento mineiro, ainda em 2003, realizou um seminário legislativo nas dez regiões de planejamento do Estado que representou um marco histórico do início das discussões.
Na sequência, segundo o especialista, foram aprovadas uma proposta de emenda constitucional e três leis complementares que criaram instrumentos que permitiram avançar na gestão metropolitana. Ao detalhar o PDDI da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Sandro Miranda destacou ainda a questão da mobilidade, lembrando o chamado “movimento pendular” que caracteriza os deslocamentos na RMBH.
“O tráfego ora congestiona em um sentido, ora do outro. Com isso usamos 50% do sistema viário, com previsão de 10% anual de crescimento da frota. Alargar as vias não é mais a solução. Precisamos reduzir a necessidade de deslocamento e pensar nisso em função da ocupação do solo. Não podemos concentrar cada vez mais serviços e empregos dentro do hipercentro da Capital, só para citar um exemplo”, apontou. Ele pontuou ainda outros temas importantes para a discussão, como a questão da habitação, problemas ambientais e conflitos de zoneamento. “Um município não pode ser responsável sozinho pela preservação da água que abastece outros dois ou três municípios”, exemplificou.
Nesse sentido, o PDDI atua em duas frentes principais: na criação e fortalecimento de novos centros urbanos e na política de regulação do solo por meio do zoneamento metropolitano, com controle da expansão imobiliária e regularização fundiária. “Para tudo isso é preciso um ordenamento jurídico e a revisão dos planos diretores municipais, com o envolvimento de todos os atores, sobretudo os municípios”, disse.
Proposição tramita em 1º turno e ainda será avaliada pela FFO
A gestão unificada da função pública de interesse comum de uso do solo metropolitano é a linha-mestra do PL 3.078/12, do governador, que tramita em 1º turno no ALMG. Após a análise da CCJ e da Comissão de Assuntos Municipais, ele ainda será avaliado pela Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) antes que possa ser votado em Plenário.
O projeto pretende organizar, planejar e executar uma das funções públicas de interesse comum, que é a utilização do solo metropolitano. O objetivo é o desenvolvimento econômico e social sustentável das regiões metropolitanas, a partilha equilibrada dos seus benefícios e a minimização dos efeitos adversos da metropolização, a definição de políticas compensatórias dos efeitos de sua polarização e o estabelecimento de planejamento de médio e longo prazo de seu crescimento.
A audiência pública realizada nesta segunda (18) foi, na verdade, a segunda reunião para tratar da unificação da gestão pública do uso do solo. A Comissão de Assuntos Municipais já esteve no Vale do Aço em junho deste ano para debater o assunto. Na ocasião, um dos principais questionamentos da população foi justamente sobre uma possível redução da autonomia dos municípios.
Além dessa preocupação, outras críticas recebidas pela proposição dizem respeito à sobreposição dos interesses econômicos aos interesses urbanísticos. Essa crítica foi feita, por exemplo, pelo coordenador da Pastoral Metropolitana dos Sem-Casa, Padre Pierluigi Bernareque, da Paróquia de Todos os Santos da Arquidiocese de Belo Horizonte. Ele entregou uma lista de sugestões de emendas ao PL 3.078/12, desejando que o projeto não tenha o mesmo destino do Plano Diretor de Belo Horizonte.
“Os movimentos populares tentaram de tudo para que a Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte espelhasse o Plano Diretor, que é belíssimo. Mas na hora de definir, por exemplo, áreas para moradias de interesse popular, virou uma tragédia. Não havia um centímetro quadrado para habitação de baixa renda, e até hoje não tem. Em todos os municípios metropolitanos que se inspiraram nessa lei forjada, foi a mesma coisa. Os planos diretores são sempre muito bons, mas, na prática, o que sempre prevalece são os interesses econômicos, os interesses da especulação imobiliária”, afirmou.
A vereadora de Vespasiano Adriana Alves, integrante da Frente Pela Cidadania Metropolitana, ressaltou que a implementação do PDDI é positiva, mas ele foi traçado paralelamente a um projeto de desenvolvimento econômico do Estado do qual pouco se sabe. “Uma alternativa seria a criação de cotas para moradia social como contrapartida a empreendimentos como aqueles do Vetor Norte porque, sozinhos, não temos força para resistir às pressões. Isso não é a prioridade do mercado imobiliário. As vias de acesso ao Vetor Norte, por exemplo, estão sendo reformadas sem a previsão de uma marginal. O shopping construído no final da Avenida Cristiano Machado criou um garlalo, só para citar dois exemplos”, disse.
Toronto – O professor da UFMG, Geraldo Magela Costa, lembrou o exemplo de Toronto, no Canadá, que acabou com todos os municípios da região metropolitana para melhor ordenar o crescimento. “As propostas são muitas, como uma coleção de consórcios para a gestão metropolitana. Estamos diante da necessidade de um novo arranjo metropolitano que contemple a autonomia dos municípios. Não tenho dúvidas da necessidade de aprovação desse projeto para a retomada da gestão metropolitana. Não é o caso aqui de eliminarmos os conflitos, pois eles são importantes para conseguirmos soluções mais criativas para os nossos problemas”, apontou.
A coordenadora estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo, promotora Marta Alves Larcher, também elogiou o PL 3.078/12, que vai suprir uma lacuna na gestão do solo urbano onde os municípios não conseguem convergir por interesses políticos diversos. “Os municípios correram para formular seus planos diretores, mas não foram pensadas soluções para zoneamentos divergentes em áreas limítrofes, como a divisa de Belo Horizonte e Nova Lima. De um lado, a Serra do Curral é tombada e, do outro, a ocupação é incentivada”, lamentou.
Por fim, o membro do Colegiado Metropolitano da Sociedade Civil, José Abílio Belo Pereira, revelou a expectativa de que as sugestões apresentadas pelo órgão, que congrega 30 entidades em cinco segmentos, estejam no substitutivo ao projeto. Já o chefe da Consultoria Legislativa da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Maurício Leite de Moura e Silva, lembrou que na discussão do planejamento metropolitano muitas vezes há interesses e pressões que fogem da capacidade institucional dos municípios.