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Uso terapêutico do canabidiol já estaria pacificado na legislação brasileira

Opinião é de operadores do direito que participaram da discussão sobre o avanço das políticas para acesso ao tratamento com cannabis.

26/04/2024 - 20:28 - Atualizado em 29/04/2024 - 13:39
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A legalidade da produção e do uso terapêutico do canabidiol (CBD) já está pacificada na legislação vigente no Brasil, apesar do uso político-ideológico dessa discussão. A opinião foi compartilhada por operadores do direito, no debate público “Cannabis e ciência: evidências sobre o uso terapêutico e seus meios de acesso”, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta sexta-feira (26/4/24).

Eles participaram da Mesa 3, que focou em “Políticas Públicas, Experiências e Avanços para o acesso ao tratamento com Cannabis para a população”. Walter Moraes Júnior, promotor de justiça do Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, afirmou que mesmo a Lei de Drogas, bastante conservadora, prevê a não criminalização da produção, para fins medicinais, de substâncias derivadas do CBD. Citou também portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a qual prevê a prescrição por médicos de medicamentos com essas substâncias.

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O promotor acrescentou que leis estaduais podem complementar a lei federal sobre o uso medicinal do canabidiol, como ocorreu no estado de São Paulo, onde falta a regulamentação da norma. “A aprovação de uma política estadual de distribuição de remédio à base dessa planta é importante para universalizar o uso”, avaliou. Isso ajudaria a resolver um problema comum, apontou, que é a exclusão das famílias de baixa renda na luta por esses medicamentos, a maioria importados, já que o custo deles e da judicialização são altos. 

Regulamentações da Anvisa

Também Henrique Abi-Ackel Torres, desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, destacou que a legislação previa a necessidade de regulamentar o uso de derivados da cannabis sativa, o que se deu com regulações da Anvisa. Nelas, a agência aprovou, até agora, 14 produtos medicinais à base dessa substância. “Para mim, está resolvido, pois essas regulamentações já tornam legal o uso da cannabis, o que poderia valer inclusive para outras drogas”, disse.

Segundo ele, há alguns pedidos no Judiciário de habeas corpus preventivos para produção do óleo medicinal do canabidiol, o que é legítimo. Mas o desembargador se mostrou incomodado com o acionamento da Justiça para resolver situações individuais, tudo por causa da omissão do poder público, que abre mão de regular essa conduta

Resistência ao debate foi criticada

Davi Cardoso, juiz da Vara de Fazenda Pública de Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte), faz parte do coletivo Repensando a guerra contra as drogas. Ele considerou que a discussão de drogas no Judiciário, apesar de ainda ser um tabu, já evoluiu consideravelmente.

Segundo ele, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça estão discutindo o tema, sob diferentes enfoques, especialmente quanto ao uso medicinal do cannabidiol. O magistrado avaliou que a resistência a tal debate revelaria uma estupidez enorme.

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Também membro do coletivo, Luís Arêas Pinheiro, da Coordenadoria da Pessoa Idosa e com Deficiência da Defensoria Pública de Minas Gerais, disse que tem um filho de 11 anos com autismo e que faz uso do CBD. Na visão dele, as instituições de Justiça devem ter coragem de fazer a regulamentação necessária nesse campo. 

E precisam também discutir alternativas à judicialização, como a criação de leis estaduais e a fiscalização de seu cumprimento. “Precisamos atentar para a fase de implementação da lei; muitas vezes, na hora do cidadão obter a medicação, o estado bloqueia isso ou fornece de forma descontínua”, alertou.

Por fim, Luís Pinheiro disse que é preciso avançar na conscientização social. “Temos que ocupar os espaços para defender tecnicamente o uso do cannabidiol. Se é pra ser chamado de maconheiro, então eu sou um maconheiro em favor de meu filho”, concluiu.

Também na linha da conscientização, Aletéia Alcântara Silva, do Conselho Estadual de Saúde, declarou que esse assunto precisa ser democratizado de uma forma didática. “Não é fácil acabar com esse mito de que a cannabis só causa malefícios”, analisou. O debate, propôs, tem que ser feito amplamente e levado aos conselhos de políticas públicas, como o da juventude e do idoso. 

Cannabis não pode ser reduzida a um cigarro

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Mais cedo, a Mesa II do debate público abordou a importância das pesquisas acadêmicas sobre a cannabis medicinal. O professor Derly José Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e a pesquisadora Mychelle Monteiro, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentaram trabalhos em curso envolvendo os derivados da maconha.

A pesquisa do professor Derly consiste na criação de um banco ativo de germoplasma da cannabis, ou seja, no acúmulo e caracterização de variabilidades genéticas da planta em Minas Gerais, com produção confiável e estável. Dessa forma, ele acredita que o Estado pode se tornar um hub genético da cannabis no País.

E todo esse esforço para viabilizar o estudo da maconha, destacou o professor, está centrado na concepção de que a cannabis não pode ser reduzida ao consumo de um cigarro alucinógeno, motivo de tanta controvérsia.

Segundo ele, o corpo humano possui dezenas de receptores de canabinoides, ativados por substâncias como o canabidiol. Esse fator aponta para benefícios na saúde do consumo de derivados da maconha.

A semente da planta já é rica em vitaminas e minerais, que vão das vitaminas C e D ao ômega 3, ainda de acordo com o professor Derly.

Além dos seus efeitos terapêuticos, a cannabis é reconhecida como matéria-prima na indústria têxtil e de construção, por meio do cânhamo, uma variedade genética da planta.

Colapso

Grupo de trabalho

A deputada Andréia de Jesus (PT) falou que os negros são tradicionalmente criminalizados por oferecerem à sociedade uma planta milenar cobiçado por todo o mundo. Nesse sentido, refletiu que “pensar na legalização da maconha, garantindo o controle social, é pensar na reparação histórica desse povo negro, que está no sistema prisional”.

Ao fim dos debates, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que presidiu os trabalhos, propôs a criação de um grupo de trabalho com os participantes para continuar a discussão, especialmente sobre contribuições para projeto de lei sobre a temática.

Também sugeriu a elaboração, pelas universidades, de um portfólio para os parlamentares saberem como podem contribuir com as pesquisas sobre o tema. E se comprometeu a continuar dando visibilidade à questão na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, a qual preside.

Lista
“Um dos medicamentos mais usados, a morfina, é feito da papoula, matéria-prima também do ópio e da heroína. E não se fala em proibir a morfina.”
Davi Cardoso
Juiz e membro do coletivo Repensando a guerra contra as drogas
O alto custo de medicamentos a base da cannabis sativa, nome científico da maconha, e as dificuldades legais para a produção de pesquisas acadêmicas foram entraves citados no debate TV Assembleia

A pesquisadora Mychelle Monteiro apresentou o trabalho do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fiocruz, que trabalha em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Nacional (Anvisa) na inspeção e monitoramento de produtos derivados da cannabis no Brasil.

O instituto está desenvolvendo metodologias para o controle de qualidade desses produtos, atualmente concentradas nos dois canabinoides mais conhecidos, o THC e o CBD. Só há um medicamento com esses princípios ativos registrado no País, com um valor de mercado de mais de R$ 4 mil.

O alto preço para aquisição dessas substâncias importadas é justamente um dos maiores desafios para as pesquisas. Um frasco com seis canabinoides encomendado pelo INCQS custou quase R$ 20 mil. Outro dificultador é o tempo de espera para a entrega das substâncias, de meses, o que pode até inviabilizar estudos.

Os produtos importados não são analisados pelo instituto, assim como os produzidos pelas associações voltadas à cannabis medicinal. Estes, no entanto, vão integrar o rol daqueles regulados pelo INCQS em breve.

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