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Trabalhadores do sistema prisional denunciam condições precárias e adoecimento

Durante debate público, participantes também apresentaram sugestões para serem incluídas nos planos estadual e nacional de políticas penais.

07/07/2025 - 17:43 - Atualizado em 07/07/2025 - 19:57
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Casos de trabalhadores adoecidos pelas condições precárias do sistema prisional foram as principais denúncias apresentadas durante uma das mesas do debate público sobre o Plano Pena Justa. No encontro promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na segunda-feira (7/7/25), participantes sugeriram alternativas para a elaboração de políticas penais.

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O presidente do Sindicato dos Auxiliares, Assistentes e Analistas do Sistema Prisional e Socioeducativo do Estado de Minas Gerais (Sindaesp-MG), José Lino Esteves dos Santos, apresentou dados de pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo o relatório, 39% dos trabalhadores do sistema prisional, participantes da enquete, apresentam transtornos mentais e comportamentais.

Mais de 60% relataram esgotamentos físicos e mentais e 70% manifestaram estado de estresse durante a jornada de trabalho. Dos 48% que admitiram utilizar medicação controlada, 85% começaram fazer esse uso após o ingresso no sistema prisional.

Conforme Santos, há casos de desvio de função, falta de autonomia, subutilização e assédio moral. Para exemplificar a situação de sobrecarga, apresentou informações do Relatório de Informações Penitenciárias (Relipen): em dezembro de 2024, existiam mais de 66 mil Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) em Minas Gerais. Com base nisso, até fim do ano passado, havia:

  • 267 PPL para cada enfermeiro
  • 287 PPL para cada psicólogo
  • 466 PPL para cada dentista
  • 251 PPL e suas respectivas famílias para cada assistente social
  • 385 PPL para cada médico
  • 1.410 PPL para cada médico psiquiatra

Para amenizar esses problemas, Santos propôs a criação de cargos efetivos e a valorização profissional. Também sugere investir em ressocialização e acompanhamento de egressos por meio da destinação de verbas de leilões e apreensões.

Além da criação de brinquedotecas e humanização das visitas familiares, o presidente do Sindaesp-MG demandou a consolidação de Unidades Básicas de Saúde com equipes de plantão. Defendeu ainda a importância de unificar dados sobre o sistema.

“Cadê o Estado que só aparece na hora da punição?”, questiona pesquisadora

Já a mestre em Direito e Criminologia, Deise Benedito, mencionou a falta de escola e moradias dignas para exemplificar que, muitas vezes, as pessoas não têm acesso a direitos, mas devem responder criminalmente. “Cadê o Estado que só aparece na hora da punição?”, questionou.

Autora do requerimento para a realização do debate público e presidenta da Comissão, a deputada Bella Gonçalves (Psol) afirmou que as péssimas condições de quem trabalha precisam ser denunciadas e transformadas em alternativas.

Além do desencarceramento, a parlamentar defende investimento nas unidades que já existem. Ela observou que o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) permite que cada real investido na segurança pública possa ser abatido da dívida com a União.

“O sistema prisional compensa muito para alguns. Alguns enriquecem com o encarceramento em massa. Mas eu acredito no Estado, na institucionalidade”, enfatizou a deputada Andréia de Jesus (PT). De acordo com ela, a discussão precisa ser ampla, abrangendo quem trabalha nas ruas, julga nos tribunais e atua nos presídios.

A fim de diminuir casos de violações de direitos, defendeu, por exemplo, a instalação de câmeras no interior dos prédios. “Existe um colapso no sistema e a gente precisa tomar decisões políticas com base em dados técnicos”, apontou.

Participantes cobram programas de ressocialização

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A construção de programas efetivos de ressocialização dentro dos presídios foi a principal medida apontada como necessária pelos participantes do debate público, para reverter alguns dos mais graves problemas do sistema prisional, como o abuso aos direitos humanos e a superpopulação.

“Não se ressocializa só com policial penal”, afirmou a juíza da Vara de Execuções Penais de Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH), Bárbara Santos Nardy. Ela afirmou que o Estado deve realizar concursos não apenas para policiais, mas também para técnicos que trabalham na ressocialização. “Não adianta ter 17 mil policiais penais e menos de mil técnicos em Minas Gerais”, ponderou a juíza.

Cobrança parecida fez a coordenadora do Núcleo de Assistentes Sociais do Prisional, Luiza Cattoni Pinto. Ela esclareceu que os técnicos que atuam na ressocialização incluem assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, e ressaltou que, sem o seu trabalho, a recuperação é mais difícil.

Egresso do sistema prisional, onde permaneceu por seis anos, Guilherme Morais defendeu a mesma ideia. “Se não tiver ressocialização dentro do presídio, vai ter reincidência. Essa é a causa da superlotação”, afirmou ele. Guilherme também criticou a permanência de presos condenados pela primeira vez com criminosos reincidentes.

Sobre a ressocialização, a superintendente de Prevenção Social à Criminalidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança (Sejusp), Flávia Cristina Mendes, afirmou que o Estado já possui um programa de apoio aos egressos do sistema prisional, em que se procura oferecer uma rede de proteção social para evitar a reincidência. No entanto, segundo ela, esse programa só está implantado em 15 municípios.

Familiares de presos que participaram do debate também denunciaram a permanência da tortura nos presídios mineiros. “Tenho medo de chegar um dia lá e ouvir que ele faleceu”, afirmou a esposa de um detento.

Ampliação do uso de penas alternativas gera polêmica

Um ponto de divergência durante o debate foi a ideia de ampliar o uso de penas alternativas. Essa foi uma das sugestões do defensor público Leonardo de Abreu para reduzir a superlotação nos presídios. Para ele, há um número excessivo de prisões provisórias no Brasil, que deveriam ser casos excepcionais.

Para o promotor de Justiça Marcelo Albuquerque, no entanto, o Brasil é apenas o centésimo país na determinação de prisões provisórias. “Pena justa não é sinônimo de impunidade. A pena tem que ser justa para o indivíduo privado de liberdade, mas também para a sociedade e para as vítimas”, argumentou.

Segundo ele, o Brasil é um dos campeões em número de homicídios, com 14% do total mundial, mas é apenas o 26° na aplicação das penas de reclusão. “Não há superpopulação carcerária, há superlotação”, afirmou, defendendo a ampliação do número de vagas.

Em contraponto, a deputada Andréia de Jesus afirmou que o uso de penas alternativas foi uma das recomendações do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) ao propor o plano Pena Justa. Ela defendeu que as prioridades do plano devem enfrentar a superlotação, a tortura, contratos que fornecem alimentação inadequada, além de prover acesso à saúde e reforma dos estabelecimentos penais.

CNJ vai reunir sugestões dos estados

As três mesas do debate público cumpriram determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Minas Gerais, assim como outras 25 unidades brasileiras, deve, até o fim deste mês, reunir sugestões para enfrentar a situação de calamidade e inconstitucionalidade identificada no sistema prisional.

Além de aprimorar o plano estadual, essas propostas ajudarão a compor o Pena Justa, conjunto de políticas a serem implementadas no âmbito federal. Os relatórios dessa elaboração serão reunidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Debate Público: Plano Estadual Pena Justa - Mesa 2
Debate Público: Plano Estadual Pena Justa - Mesa 3

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