Região com potencialidades, Norte de Minas sofre com desigualdade social
No segundo encontro do Fórum Técnico Minas Sem Miséria, lideranças apontaram fome, falta de reconhecimento de quilombos e de acesso à terra e à água como pontos a serem enfrentados.
Insegurança alimentar, fome, ausência de reconhecimento de comunidades tradicionais, falta de acesso à água e à terra e trabalho análogo à escravidão são alguns dos problemas que precisam ser enfrentados para o combate à pobreza no Norte de Minas, segundo integrantes de movimentos sociais e lideranças da região.
Eles participaram, nesta segunda-feira (8/9/25), do segundo encontro regional do Fórum Técnico Minas Sem Miséria, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Montes Claros. A atividade na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) reuniu 220 participantes de 33 cidades da região.
O objetivo foi colher subsídios para a elaboração do Plano Mineiro de Combate à Miséria. O plano é previsto na Lei 19.990, de 2011, que criou o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM). O fundo deve custear programas e ações de erradicação da pobreza e da extrema pobreza.
Conforme participantes do encontro regional, embora tenha potencialidades, o Norte de Minas conta historicamente com desigualdades sociais. A região abriga municípios com alguns dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) do Estado, a exemplo de São João das Missões.
Arlete Alves, integrante do Movimento do Graal no Brasil, defendeu justiça social ampla. “Do contrário, alguém fica na periferia. E, normalmente, é quem mais precisa de políticas públicas. Nesse caso, mulheres pretas e suas crianças”, constatou a educadora.
Cozinhas solidárias combatem fome
Coordenadora estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Maíra Carvalho, abordou a insegurança alimentar.
“Durante a pandemia, houve fome geral nas periferias de Montes Claros. Nesse contexto, surgiu a primeira cozinha solidária no Bairro Itatiaia. Hoje temos cinco delas”, contou. Como disse, elas ofertam 1.800 refeições diárias.
Segundo Maíra Carvalho, as cozinhas recebem R$ 2,40 de subsídio governamental por refeição, valor insuficiente para a manutenção do serviço. Nesse sentido, pediu apoio da sociedade e do poder público.
“Temos muito trabalho nas cozinhas. Mas compensa. É gratificante ver uma criança sair da situação de insegurança alimentar e poder se desenvolver”, afirmou.
Além da fome, outros problemas assolam o Norte de Minas. De acordo com o professor da Unimontes, Gustavo Cepolini, um deles é a falta de reconhecimento de territórios quilombolas.
O professor ainda destacou que conflitos por terra e água também ocorrem na região.
Integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Maíra Cândido, defendeu o acesso à terra e o reconhecimento de comunidades tradicionais como políticas para a superação da pobreza no Norte de Minas.
“Também é preciso olhar para o problema do acesso à água por parte dessas comunidades, onde ela inexiste até para o básico”, contou.
A presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unimontes, Carolina Caldeira, citou como outro problema a ocorrência de trabalho análogo à escravidão no Norte de Minas, sobretudo, ligado à monocultura do eucalipto. “Minas segue liderando lista de trabalho análogo à escravidão no País”, citou.
Parlamentares enfatizam carências da região
Em entrevista, a 1º vice-presidente da ALMG, deputada Leninha (PT), nascida em Montes Claros, destacou que o Norte de Minas sofre atualmente com carências decorrentes de medidas do passado.
De acordo com ela, soma-se a isso o fato de empresas terem utilizado a terra de modo exaustivo e deixado o solo arrasado.
“Além do processo desigual de desenvolvimento, há uma presença desigual do Estado nessa região. Aliado a tudo isso, temos os fatores climáticos. Estamos no semiárido”, completou.
Leninha leu mensagem do presidente da ALMG, Tadeu Leite (MDB), também de Montes Claros, em que ele diz ser inaceitável a persistência da pobreza no Estado. Na mensagem, ele defendeu políticas públicas assertivas e integradas.
O deputado Ricardo Campos (PT), também do Norte de Minas, abordou a relevância da elaboração do plano no âmbito do Estado e de construí-lo também em cada município posteriormente. Já o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG), com origem no Norte de Minas, salientou a importância da ALMG para cobrar a aplicação de recursos do FEM no combate à pobreza.
Para a deputada Bella Gonçalves (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos, que está à frente do fórum técnico, Minas já deveria ter um plano para enfrentar a fome. “Percebendo a falta de planejamento para lidar com a pobreza e usar recursos do Fundo de Erradicação da Miséria, damos agora esse passo de construir o plano”, explicou.
Ela completou: “A pobreza não é fruto do acaso. A pobreza é ativamente produzida por quem retém recursos, poder econômico e político e não os distribui a todos”.
Desigualdade educacional
O reitor na Unimontes, Wagner Santiago, falou da relevância do fórum ao discutir medidas contra a pobreza. “O Norte de Minas é um território rico em cultura, meio ambiente e diversidade social. Apesar disso, enfrenta desigualdades históricas”, afirmou.
Exemplo disso, como comentou, é que, embora a Unimontes esteja inserida em uma região que ocupa mais de 30% do território mineiro, foi a única universidade pública da localidade por muito tempo. Hoje há também a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Ainda segundo o reitor, a Unimontes tem executado diversas medidas para a permanência estudantil na instituição, como refeições no restaurante da universidade a R$ 2,50, incluindo sobremesa e suco natural, além da gratuidade dessas refeições a 180 estudantes em vulnerabilidade e auxílio-alimentação no campus fora de Montes Claros.
Grupos de trabalho definem propostas
Ao longo da tarde, participantes da atividade se reuniram em cinco grupos de trabalho para discutir e priorizar propostas sobre os eixos temáticos:
- Soberania e segurança alimentar e nutricional
- Trabalho digno e educação
- Diversidade, assistência social e saúde
- Moradia, território e meio ambiente
- Controle social e governança do FEM
Algumas das propostas priorizadas foram:
- Criar uma secretaria de regularização fundiária para garantir a regularização de territórios urbanos e rurais de povos tradicionais
- Financiar estratégias para acesso à água, desde a perfuração até a distribuição, respeitando as características de cada município
- Disponibilizar cestas básicas para alunos em vulnerabilidade e com boa frequência escolar
- Complementar transferência de renda para famílias com renda per capta de até 1/4 do salário mínimo que tenham como características do grupo familiar: mães solo de crianças atípicas ou com crianças em idade escolar, povos tradicionais, grupos prioritários do CadÚnicoe ou pessoas LGBTQIAPN+
- Elaborar projeto de lei para criar o Conselho Estadual de Gestão do FEM de forma a ampliar a participação social
No fim, houve a eleição de seis representantes para participar da etapa estadual no próximo ano.
Fórum técnico
Para entender as necessidades dos territórios, a ALMG continua a realizar outros encontros regionais em Uberlândia (Triângulo), Araçuaí (Jequitinhonha/Mucuri) e Betim (RMBH). O primeiro ocorreu em Juiz de Fora (Zona da Mata) em agosto. O evento é uma parceria da ALMG com mais de 70 entidades da sociedade civil e poder público.


