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População de Congonhas apoia criação do Monumento Natural Serras do Pires

Impactadas pela mineração, comunidades e autoridades veem unidade de conservação como forma de proteger patrimônio ambiental e histórico local. 

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Em reunião na noite desta segunda-feira (13/10/25), autoridades, representantes de comunidades e de entidades de Congonhas (Central) apoiaram a criação do Monumento Natural Serras do Pires. Cerca de cem pessoas participaram, em escola municipal da cidade, de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT).

Ela é autora do Projeto de Lei (PL) 1.367/23, que cria o Monumento Natural da Serra do Pires, e explicou que a matéria já recebeu parecer pela legalidade na Comissão de Constituição e Justiça da ALMG. A parlamentar já realizou visita técnica à comunidade e audiências na Assembleia, com o objetivo de verificar os impactos causados pela mineração na comunidade e coletar subsídios para o projeto de lei.

“Não é um projeto de fácil tramitação, porque há interesses econômicos de quem quer continuar minerando nas Serras do Pires, sem limites”, alertou Beatriz Cerqueira. 

Também enfatizou que, via de regra, a criação de unidades de conservação (UCs) é feita por meio de projetos de lei do Poder Executivo. “Como o atual Governo de Minas não propôs criar nenhuma área de proteção - pelo contrário, vem fazendo tudo para facilitar a exploração mineral -, resolvemos nós do Legislativo fazer isso”, frisou.

Estudos técnicos podem ajudar criação de unidade de conservação

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Hugo Castelani Cordeiro, do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas, apresentou dados que poderão compor os estudos técnicos necessários para a criação da nova UC. Arquiteto e urbanista, ele apresentou documentos, mapas e fotografias antigas que mostram a Serra do Pires em diferentes momentos. Em uma das imagens apresentadas, vê-se o Santuário dos profetas, tendo ao fundo o Conjunto Paisagístico Serra Casa de Pedra, as regiões de Engenho, Santo Antônio e, à direita, as Serras do Pires.

Já num registro fotográfico de 2019, observa-se a aparição da atividade minerária em Congonhas. “Por isso protocolamos no Ministério Público um requerimento pedindo explicações da responsável por aquela mineração”, disse. O MP cobrou da empresa, que promoveu a revegetação em 2022, mas, segundo Cordeiro, no fim de 2024, já se via a serra descoberta novamente (conforme foto apresentada).

O estudioso enfatizou a importância dos patrimônios cultural (promovido pela comunidade local), histórico e ambiental. “Temos também ali um rico patrimônio geológico, com formações unidas da Serra do Pires, como a Pedra do Caminhão; histórico, com galerias de exploração aurífera do ciclo do ouro”, afirmou ele, mostrando as fotos. 

Ele também valorizou a variedade botânica, que inclui os campos rupestres, com várias espécies endêmicas (só encontradas na região), a riqueza da fauna, com espécimes de lobo guará e onça, além da riqueza hídrica, na forma de várias nascentes, importantes para o abastecimento de Congonhas. 

Por fim, denunciou que a atividade minerária tem provocado imensas nuvens de poeira, causando males à saúde das pessoas. Mostrou um mapa de Congonhas, no qual evidencia-se que a mineração ocupa quase a mesma área que a zona urbana da cidade – cerca de 40% do território municipal. Ainda sugeriu que a comissão buscasse junto ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) subsídios para elaborar as chamadas Declarações da Paisagem Cultural de Minas Gerais, instrumentos importantes na preservação.

Cartografia social do bairro Pires

A diretora de áreas protegidas da Secretaria de Meio Ambiente de Congonhas, Isabela Freitas Cioni, apresentou mapa elaborado por integrantes da pasta e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em conjunto com membros da comunidade do Pires. O mapeamento foi realizado após oficina de cartografia social promovida em 29 de junho deste ano. “A comunidade do Pires mapeou a si mesma, e mostrou aspectos sociais, ambientais, de infraestrutura e outros pontos importantes para a comunidade”, elogiou. 

Na avaliação da gestora, “o mapa mostra que a comunidade conhece muito bem o seu território”. Ela acrescentou que no encontro conversaram sobre os muitos problemas que atingem a comunidade, inclusive a dificuldade de acessar programas sociais. “Os benefícios não chegam a todos, e o Pires é um termômetro do que acontece em toda Congonhas. Por isso, a comunidade tem que lutar e o tombamento é a ferramenta adequada para conseguir seus objetivos”, observou. 

Maria Márcia Magela Machado, professora do Instituto de Geociências da UFMG, registrou que, em 1799, o naturalista August de Saint-Hilaire foi a Congonhas, numa fase em que a mineração do ouro já havia sido bastante reduzida. Segundo Machado, o naturalista observou uma mineração predatória, com extração do ouro de aluvião, na beira do rio. Já naquela época, chegou-se à conclusão de que era necessário fazer uma legislação para preservar a natureza no entorno da mineração. “Mais de 200 anos depois, estamos nós aqui com a mesma pauta”, disse.

Doutora em geologia, ela postulou que a biodiversidade nas Serras do Pires se deve também à geodiversidade: “A estrutura que sustenta a biodiversidade é igualmente importante. Só existem campos rupestres porque a estrutura geológica dá sustentação a eles”. A pesquisadora declarou que o patrimônio geológico do chamado Quadrilátero Ferríferro é muito rico e que é preciso preservar os geosítios. “As rochas contam a história do nosso planeta; quem sabe não podemos pensar num geoparque em Congonhas, onde convivem pessoas, natureza e atividade de exploração”, sugeriu.

Lívia Andrade, professora de Botânica da Universidade Federal de Ouro Preto, lembrou que o nome da cidade provém de uma planta, a congonha bate-caixa. Segundo ela, a região é das mais ricas em espécies de plantas do mundo. Seriam mais de 500 espécies vegetais, com cerca de 20 ameaçadas de extinção.

Mineração não pode se sobrepor ao interesse das comunidades

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João Luiz Lobo Monteiro, secretário de Meio Ambiente de Congonhas, questionou por que os interesses da mineração têm sempre ficado acima dos anseios das comunidades atingidas. Nesse sentido, defendeu que essas comunidades se coloquem como empecilho ao avanço da mineração, especialmente no caso de Congonhas, onde a atividade extrapolou todos os limites.

Com mestrado sobre a flora das Serras do Pires, o gestor avaliou que os campos rupestres, com espécies endêmicas de sempre-vivas, é responsável pelas grandes reservas de água além de contribuir para a rica diversidade do Estado. Apesar disso, a mineração fica num raio menor que 8 km desse patrimônio. “Preocupamo-nos muito com o avanço na paisagem dos 12 profetas, tombado como patrimônio da humanidade pela Unesco”, alertou.

Moradores do bairro Pires também apoiaram o projeto de lei que cria o Monumento Natural da Serra do Pires e se animaram com a possibilidade de protegeram a serra. Marlene de Souza Alves desejou que a audiência se tornasse um marco na preservação do local: “É a nossa riqueza, um patrimônio natural e cultural , que guarda viva a história dessa comunidade”.

Silvânia Alves Souza, moradora do Pires há 50 anos, disse que é preciso defender a serra, parte da história de Congonhas: “Tem que reconhecer o valor das tradições, nosso modo de vida. Que todos se juntem nesta causa, para que nossa serra continue sendo fonte de vida para todos”.

O vereador Averaldo Picapau, presidente da Câmara Municipal, lembrou que o mesmo cuidado que se teve com a Serra Casa de Pedra, transformada em UC, deve ser mantido com as Serras do Pires e a do Esmeril. “Vemos o avanço descontrolado da mineração e o governo municipal tem que estar de corpo e alma nesta discussão; senão, a comunidade não vai vencer”, opinou.

Averaldo Picapau também se lembrou do relatório que diagnosticou a qualidade do ar no município, com quantidade de poeira 20 vezes acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Acordeão

Gerente de UC do IEF apoia criação do monumento

Edmar Moreira Silva, gerente de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do Instituto Estadual de Florestas (IEF), declarou ver com “bons olhos” a criação do Monumento Natural Serras do Pires. “Estudei o projeto antes de vir para a audiência e concluí que, sem dúvida, é uma área de transição, com espécies endêmicas; isso por si só garante nosso total apoio à criação desta unidade de conservação, que vai compor um mosaico importantíssimo para Congonhas”, disse. 

Ele explicou que o IEF busca a preservação ambiental principalmente por meio da criação de unidades de conservação. Em Minas Gerais, conforme relatou, há 95 UCs estaduais, nos três biomas do Estado – Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga – compondo o maior sistema de UCs do Brasil. Informou ainda que há duas categorias principais dessas unidades: de proteção integral e de uso sustentável. “No Pires, seria uma unidade de proteção integral, mais restritiva, onde não se pode fazer supressão de vegetação nem explorar a mineração”, detalhou. 

Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - debate sobre projeto de lei que cria o Monumento Natural da Serra dos Pires
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - debate sobre projeto de lei que cria o  Monumento Natural da Serra dos Pires
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - debate sobre projeto de lei que cria o Monumento Natural da Serra dos Pires

Sandoval de Souza Pinto, diretor das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon), alertou que várias fontes de água importantes para o abastecimento e o lazer do Pires foram degradados pela mineração, como Água Santa (conforme mostrou estudo da UFRJ) e Mãe D’água. Se nada for feito, avalia, a mesma destruição atingirá o poço João Batista, de águas azuis.

“Não passamos um ano sem um evento de poluição hídrica ou ambiental em Congonhas. A situação só piora e a mineração está expandindo seus limites, onde vai parar?”, questionou. 

Rafael Ribeiro de Ávila, secretário do sindicato dos trabalhadores da mineração de Congonhas e região, o Metabase, afirmou que a mineração só traz riqueza para seus acionistas: “Cerca de 70% dos lucros vão para os investidores, 20% para o Estado e apenas 10% ficam com os trabalhadores”.

Ele criticou que a exploração mineral deixa problemas como falta de água e excesso de poeira e barulho para as comunidades do entorno, além de salários de fome para seus trabalhadores. “Não fica nada de bom para a cidade; essa é a lógica da mineração neste País”, condenou. Para se contrapor a esse sistema, o sindicalista propôs a pressão popular e a busca do controle social da mineração. 

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