Órfãos de feminicídio pedem apoio do Estado
Minas Gerais é recordista em violência contra a mulher e não tem políticas públicas de assistência aos filhos abandonados.
29/11/2022 - 14:36“Perdi o direito de ter minha mãe e de ter o meu pai também, por decisão dele. A justiça brasileira não nos ajudou em nada. Muitas crianças não têm apoio psicológico nem da família. Precisam de algum tipo de suporte do Estado. Nós também somos vítimas”.
Com essa fala a jovem Gabriela Campos, filha de Lílian, que foi vítima de feminicídio, explicou, a partir de sua própria experiência, a importância da criação de políticas de apoio aos órfãos de feminicídio. Sua vivência foi compartilhada durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (29/11/22).
De acordo com a promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Patrícia Habkouk, cada feminicídio gera, em média, dois órfãos, e Minas Gerais é o estado brasileiro que teve o maior número de feminicídios em 2021. Apesar disso, não dispõe de políticas públicas específicas que ofereçam apoio a crianças e adolescentes órfãs desses feminicídios.
“A taxa de feminicídio mineira é acima da média nacional. São 145 mil boletins de ocorrência por ano por violência doméstica. E só medimos os feminicídios decorrentes disso, sequer medimos os decorrentes de ódio e menosprezo a mulheres e aqueles que foram tentados, que são muito preocupantes, porque muitas vezes o autor continua a assediar a vítima. Além disso, a subnotificação é enorme. Então, se o cenário já é esse pelo que sabemos, imagine o que não sabemos”, afirmou.
Irmã de Lílian, Rosemary Hermogenes da Silva lamentou que o tema seja de tão pouco interesse da sociedade, tendo em vista que “a gente nunca pensa que vai acontecer na nossa casa um feminicídio”.
Gabriela Campos relata que ela e o irmão têm de enfrentar impactos na saúde mental, por causa dos traumas vividos. “Se o meu genitor teve coragem de, morando com a gente, fazer isso, que dirá alguém estranho? Eu e meu irmão temos muita desconfiança das pessoas. Ninguém tem ideia do que passamos entre quatro paredes”, afirmou.
Prevenção poderia quebrar o ciclo de violência
Patrícia Habkouk destacou a necessidade de estratégias específicas de prevenção e proteção das mulheres inseridas no ciclo de violência. “É muito importante o preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco pelos policiais civis, para aprimorar as intervenções do Estado nessa questão. Além disso, precisamos aplicar com maior efetividade a medida protetiva para crianças e adolescentes em risco. Os sobreviventes precisam de medidas eficazes para se reconstruírem”.
O Formulário Nacional de Avaliação de Risco é uma ferramenta criada para a prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.
O questionário é composto de duas partes: a primeira é objetiva e refere-se às informações sobre a vítima, o autor de violência doméstica e o histórico de violência; a segunda é subjetiva, devendo ser preenchida exclusivamente por profissional capacitado, e diz respeito à avaliação quanto aos riscos identificados e sugestões de encaminhamentos.
Esse formulário deveria ser aplicado preferencialmente pela Polícia Civil no momento do registro da ocorrência policial ou em qualquer outra situação que seja configurada como o primeiro atendimento da vítima de violência doméstica, para que possa ser anexado aos inquéritos policiais e aos procedimentos do Ministério Público e do Judiciário.
Tema pauta projetos que estão em tramitação
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) ressaltou que a comissão presidida por ela tem feito debates propositivos dentro da temática. Ela ainda ressaltou que estão na pauta da ALMG algumas matérias de sua autoria que buscam atuar na prevenção à violência e no cuidado às famílias.
“Estão aguardando pareceres na Comissão de Constituição e Justiça os projetos de lei de minha autoria: 3.632/22, que institui a Política Estadual de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs do Feminicídio; o 3.704/22, que dispõe sobre a criação do Observatório Estadual da Violência contra a Mulher; e o 2.526/21, que cria o Fundo Estadual para Enfrentamento à Violência contra as Mulheres”, explicou.
A respeito dessas matérias, a superintendente de Participação e Diálogos Sociais da Subsecretaria de Direitos Humanos, Ana Carolina Gusmão da Costa, manifestou que a criação de um Fundo seria relevante, já que ele traria a previsão de uma fonte de recursos para o enfrentamento à violência, contribuindo para a efetivação dessa medida.
“Além disso, seria importante que os projetos levassem em consideração o protocolo de atendimento humanizado, com escuta especializada. Isso traria outra perspectiva para esses projetos”, ressaltou.