Mulheres cobram efetivação de políticas contra a violência de gênero
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública apontam quatro feminicídios por dia no País, no primeiro semestre de 2025.
- Atualizado em 27/11/2025 - 15:37Os assassinatos recentes de duas mulheres trans em vias movimentadas de Belo Horizonte e de uma professora, vítima do próprio filho, ilustram a necessidade de políticas estaduais de proteção mais eficazes, segundo autoridades e representantes de movimentos sociais reunidos em audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O encontro desta quinta-feira (27/11/25) se insere nas atividades da campanha mundial “21 Dias de Ativismos pelo Fim da Violência contra a Mulher”, realizada anualmente entre 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) e 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos).
Alice Alves e Christina Oliveira foram espancadas até a morte na rua, nas Regiões da Savassi e de Venda Nova, respectivamente. A professora Soraya Tatiana Bomfim foi enforcada na casa onde vivia com o filho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Esses casos chocantes se somam às expressivas estatísticas de feminicídio em Minas e no País. A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), demandante da audiência, citou dados coletados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em âmbito nacional os quais apontam a ocorrência de 1.459 feminicídios em 2024. O ano de 2025 segue com a mesma tendência, com 718 casos no primeiro semestre, uma média de quatro por dia.
Em Minas, de acordo com a deputada, a taxa de feminicídios consumados permanece acima da média nacional e as tentativas de assassinato de mulheres aumentaram do ano de 2023 para 2024. Para ela, a violência registrada está ligada à falta de estrutura e regulamentação de políticas públicas.
Bárbara Ravenna, presidente do Conselho Estadual da Mulher, ressaltou que, em números absolutos de feminicídios, o Estado perde apenas para São Paulo. Para reverter essa situação, ela cobra orçamento. “O conselho nunca teve um fundo específico. Sem dinheiro, não se faz política pública”, pontuou.
“Infelizmente, não podemos contar com um orçamento robusto para ações de prevenção e combate à violência contra a mulher. Para 2026, o governador Romeu Zema previu cerca de R$ 7 milhões para realizar ações dessa natureza, o que é muito pouco”, complementou o deputado Ricardo Campo (PT).
Juhlia Santos, vereadora de Belo Horizonte, e Amanda Chaves, militante da Rede Afro LGBT, ambas mulheres trans, exemplificaram com as mortes de Alice e Christina o desprezo em especial com essa parcela da população. “Nossa permanência nos espaços não é naturalizada. Nossos corpos são mais 'matáveis', subentende-se que ninguém vai chorar nossa morte. O máximo permitido são as esquinas e, mesmo assim, à noite”, lastimou a vereadora.
Ao lembrar a estimativa de vida de 35 anos das mulheres trans brasileiras, Amanda relatou a dificuldade dessas pessoas conviverem nos mesmos espaços sociais, como a escola e a família, responsável pela atual situação de vulnerabilidade e marginalização. “A sociedade é contra nossos corpos, nossa vivência e nosso gênero. Não temos afeto, nem das famílias nem dos homens”, afirmou.
Isabel Rodrigues, presidente da Comissão de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), censurou o Governo do Estado por não ter aderido ao Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios. No seu entender, é uma sinalização de que o Executivo estadual não quer tratar do assunto, nem mesmo com verbas federais.
Interseccionalidade deve ser considerada
Gestores de diversos órgãos públicos relataram a necessidade de se considerar a interseccionalidade quando o assunto é a violência contra a mulher. Ou seja, as ações de prevenção e enfrentamento precisam considerar questões como raça, gênero e especificidades regionais e socioeconômicas, como explicou Terlúcia Silva, secretária do Ministério das Mulheres.
Conforme informou, o serviço Ligue 180 recebeu, em 2024, 64.484 ligações de chamadas de Minas Gerais. A promotora Nádia Mateus também apresentou dados: “Em 2024, foram 248 feminicídios tentados e 163 consumados. De janeiro a setembro de 2025, já são 143 tentados e 123 consumados”.
O alto número de tentativas de violência de gênero é um ponto de alerta destacado por Luana Borba, defensora pública. Segundo ela, das mulheres que relataram ter sofrido violência em 2024, apenas cerca de 24% buscaram algum órgão para receber ajuda. De janeiro de 2021 a agosto de 2025, foram registrados na Defensoria Pública mais de 100 mil atendimentos relativos à violência contra a mulher no Estado.
Cristiane Brum, representante da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, disse que os seis programas trabalhados pela secretaria atualmente contemplam ações contra a violência à mulher de algum modo. De forma especial, apresentou o programa lançado em janeiro de 2025, o Proteja Minas. O objetivo é trabalhar a prevenção desse tipo de crime, especialmente contra mulheres que ainda não possuem qualquer histórico de violência doméstica.
Entre as ações em curso na Secretaria de Desenvolvimento Social, Lorene Lima ressaltou campanhas de sensibilização durante todo o ano, o protocolo Fale Agora, ferramenta de enfrentamento à violência sexual contra a mulher, e o Centro Risoleta Neves de Atendimento às Mulheres (Cerna), com atendimentos na Capital e no interior.
A Major Bruna Lopes, da Polícia Militar, relatou que diversos órgãos construíram um plano de metas para ser cumprido até 2030 com ações voltadas à violência de gênero. A maior parte desse tipo de violência está ligada a relacionamentos conjugais, ocorrem dentro de casa e com arma branca, informou. A major também defendeu o fortalecimento das ações que trabalham com os agressores, voltadas à educação e reflexão.
Aproveitar as informações sobre o contexto de violência para criar políticas e ações também foi apontado pela delegada e diretora de Gestão das Delegacias de Mulheres da Polícia Civil, Larissa Maia. Ela trouxe dados sobre a solicitação de medidas protetivas. Até outubro deste ano, foram 54.824. “Elas são importantes porque servem para interromper um ciclo de violência. A partir desse ponto, a mulher toma consciência de que está sofrendo violência”, frisou.
