Minas Gerais descumpre lei federal que prevê cadeia de custódia
Diagnóstico foi apresentado em audiência por servidores da segurança, segundo os quais a falta dessa estrutura facilita desvio de armas, como o ocorrido em BH.
O recente desvio de 220 armas de fogo apreendidas em Belo Horizonte pela Polícia Civil de Minas Gerais para facções criminosas é apenas a ponta de um iceberg. Conforme representantes de sindicatos da área da segurança pública do Estado, o problema do acautelamento de armas, munições, drogas e outras provas apreendidas é bem mais complexo.
Em audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia de Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (27/11/25), eles enfatizaram que Minas não tem cumprido a Lei Federal 13.964, de 2019, conhecida como Pacote Anticrime. A reunião foi requerida pelo presidente da comissão, deputado Sargento Rodrigues (PL).
Além de modificar dispositivos de diversas normas (Códigos Penal e de Processo Penal e leis especiais) para endurecer o combate à criminalidade, a Lei Federal 13.964 trata da cadeia de custódia, ou seja, do conjunto de todos os procedimentos para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear a posse e o manuseio a partir do reconhecimento até o descarte.
A lei prevê ainda a implantação das centrais de custódia, ou seja, locais adequados para armazenar provas apreendidas. Atualmente, essas provas seriam guardadas de modo improvisado.
Falta de investimento
O presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de Minas Gerais, Wilton Ribeiro, comentou que, no passado, o Tribunal de Justiça era responsável pela custódia dessas provas, contando com muitos servidores para a tarefa. “Depois, o fardo caiu nas nossas costas, mas não houve nenhum investimento para garantir a execução do trabalho e manter as provas em segurança”, afirmou.
Ele acrescentou que, embora existam unidades regionais de custódia no Estado, não há estrutura adequada na prática. Na opinião dele, uma repartição de perícia não pode ser considerada uma central de custódia.
Wilton Ribeiro mostrou ainda fotos de unidades de custódia onde materiais são amontoados até mesmo em banheiros.
“Se formos considerar os dispositivos da lei federal, em nenhum momento a cumprimos. É um entra e sai das unidades, sem nenhuma identificação das pessoas”, disse.
Segundo o vice-presidente do Sindicato dos Servidores Administrativos da Polícia Civil de Minas Gerais (Siapol), Gleisson Mauro de Souza Costa, o auxiliar de perícia colabora com o perito, estando previsto em várias etapas da cadeia de custódia, sem contudo ter formação para tal.
Para ele, também é necessário regulamentar a atuação dos servidores administrativos nas cadeias de custódia, para dar segurança jurídica.
Demanda por centrais de custódia
Segundo o presidente do Sindicato dos Escrivães de Polícia do Estado de Minas Gerais (Sindep), Marcelo Gleidison Dias Horta, o sindicato cobra a implementação das centrais de custódia desde 2020.
Segundo o presidente do Sindep, ter uma estrutura organizada e protegida inibe desvios de conduta como o ocorrido na Capital recentemente. “Ter armas voltando para a criminalidade gera retrabalho para as forças policiais”, destacou.
Marcelo Dias ainda alertou para a necessidade de cuidar também do fluxo de manipulação das provas. Conforme relatou, atualmente esse fluxo é pouco racional, tendo em vista diversos deslocamentos do material até ele ser acautelado.
Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil de Minas Gerais, Wemerson Silva de Oliveira, o problema não é recente.
Concordou com ele o vice-presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado Minas Gerais, Márcio Simões Nabak. “As delegacias de Polícia sempre foram um depósito de materiais apreendidos. E, mesmo com a lei federal, não houve investimento em estrutura e em pessoal para cuidar desses materiais”, afirmou.
Representante da Polícia Civil detalha alguns investimentos
O superintendente da Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil de Minas Gerais, Thales Bittencourt, destacou que a lei federal passou a vigorar de forma repentina, sem amparo para colocá-la em prática. “Em Minas, a questão é ainda mais desafiadora pela extensão territorial e número de habitantes”, ponderou.
Apesar disso, conforme disse, a Polícia Civil desde então criou um grupo de trabalho para implementar as mudanças. Nesse sentido, implantou unidades de custódia, tendo sido as primeiras em Governador Valadares (Rio Doce) e Montes Claros (Norte), além da ficha de acompanhamento de vestígio, para dar rastreabilidade às provas.
Outra frente de atuação foi oferecer treinamento para custódia com mais de 6 mil capacitações. Thales Bittencourt afirmou que vai levar à Polícia Civil a demanda dos servidores administrativos por treinamento.
De acordo com o superintendente, o governo também tem feito investimentos para regularizar a situação da custódia por meio de imóveis cedidos e reformados, a exemplo da unidade de Divinópolis (Centro-Oeste). Em Uberaba (Triângulo), uma unidade está sendo construída.
Na Capital, ele contou que um galpão de 270 m² está totalmente ocupado. Mas novos espaços estão prontos para iniciar o armazenamento, com 900 e 700 m². Outro galpão de 3 mil m² está sendo identificado para receber vestígios do interior. Além disso, segundo o superintendente, R$ 75 milhões serão direcionados ao novo Instituto de Criminalística. O edital está previsto para início de 2026.
“Até hoje, temos 56 mil vestígios acautelados”, disse.
Ele reconheceu como um desafio aumentar o número de servidores para trabalhar na cadeia de custódia.
Deputado pretende cobrar cumprimento da lei
O deputado Sargento Rodrigues afirmou ser grave a situação da cadeia de custódia em Minas Gerais.
Ele anunciou que, por meio de requerimento a ser formulado, vai provocar a Procuradoria-Geral de Justiça a atuar na responsabilização do Poder Executivo pelo descumprimento da lei, uma vez que a criação da central de custódia não é opcional, é uma obrigação legal.
O deputado também mostrou dados da execução orçamentária da área de segurança, segundo os quais a maior parte dos recursos investidos no setor vem de emendas parlamentares ou outras fontes, que não o Tesouro Estadual.
Em 2020, por exemplo, o Tesouro investiu R$ 13,92 milhões, enquanto R$ 46,69 milhões vieram de emendas estaduais e R$ 122,76 milhões de outras fontes. Em 2024, o Tesouro investiu um valor maior, R$ 110,68 milhões, enquanto R$ 61,77 milhões vieram de emendas e R$ 168,81 milhões de outras fontes.
Ele criticou a ausência da chefe da Polícia Civil, Letícia Gamboge, na reunião.
