Frear mineração predatória está no topo dos pedidos ao governo eleito
Em audiência da Comissão de Participação Popular, ambientalistas apresentaram sugestões a serem repassadas à equipe de transição do novo governo Lula.
06/12/2022 - 21:12Entre as dezenas de propostas de proteção do meio ambiente e dos recursos hídricos apresentadas à Comissão de Participação Popular para serem repassadas à equipe de transição do governo federal eleito, uma delas parece estar no topo das prioridades: frear o avanço da mineração predatória e destrutiva, que contaria com a suposta conivência do Executivo estadual ao se alinhar e ceder sempre às pressões empresariais.
Esse foi o balanço do debate que aconteceu, nesta terça-feira (6/12/22), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Autora do requerimento que motivou a audiência, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) defendeu inclusive, ao final das discussões, a instalação na próxima legislatura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os licenciamentos ambientais concedidos para mineração na Serra do Curral e em outras áreas sensíveis que, na prática, deveriam ser até mais protegidas sob risco de ameaçar o futuro dos cidadãos mineiros.
“O jogo não é equilibrado, a ponto de presenciarmos recentemente um manobra do governo estadual com as entidades empresariais para deturpar uma audiência pública aqui na Assembleia”, criticou Beatriz Cerqueira.
“Temos informações inclusive de que a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) tem representantes dentro da Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) organizando estudos para uma nova legislação de licenciamento. Isso tudo precisa ser investigado”, completou a parlamentar.
Beatriz Cerqueira lembrou ainda a existência de uma agenda de prioridades da entidade a serem impostas ao Legislativo que teria um salvo-conduto para a mineração no topo das prioridades. “Nesse caderninho azul está a liberação total da mineração em locais como Serra do Curral, Serra da Moeda e Serra do Brigadeiro”, denuncia.
Copam teve renúncia coletiva em protesto
O alinhamento de interesses entre governo estadual e empresários iria além do controle das decisões da Semad e, na avaliação de Beatriz Cerqueira, é visto também nas deliberações tomadas por órgãos como o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Lá, segundo a deputada e os demais participantes da audiência, a composição paritária entre sociedade civil e poder público não existiria na prática, o que levou, por exemplo, a renúncia coletiva em protesto de representantes de organizações não governamentais (ONGs) no último dia 17.
Esclarecer o episódio era justamente o objetivo da audiência desta mesma comissão realizada na semana passada, mas abandonada por deputadas da oposição e dos convidados originais em reação à presença na mesa de representantes da Fiemg.
Relatório será enviado à equipe de transição
Após a realização de uma nova audiência nesta terça (6) sem incidentes semelhantes, a deputada garantiu aos ambientalistas presentes que todas as sugestões apresentadas vão constar em um relatório que será apresentado à equipe de transição do presidente eleito Lula.
“Afinal, já está claro que não conseguiremos resolver a proteção efetiva do meio ambiente somente no âmbito do Estado”, pontuou, ao lembrar os crimes cometidos nos rompimentos de barragens de mineração em Mariana (2015), Região Central, e Brumadinho (2019), na RMBH.
Nessa linha, uma das prioridades é justamente assegurar o direito constitucional à participação popular nas decisões dos governos que afetem o meio ambiente.
Órgãos ambientais precisam funcionar
E o relatório com sugestões, a ser finalizado pela equipe técnica da ALMG, promete ser robusto. Para o representante do Fórum Permanente São Francisco e ex-conselheiro da Câmara de Atividades Minerárias do Copam, professor Júlio César Dutra Grillo, nele devem constar ações como o fim da autodeclaração na fiscalização de empreendimentos e da fragmentação de projetos durante o processo de licenciamento.
Ele também defende a revisão profunda da formação e atuação dos atuais conselhos ambientais estaduais e federais e a implementação de fato de corredores ecológicos, que na prática, na avaliação dele, nunca saíram do papel. Contudo, servem à pratica de greenwashing, que é quando virtudes ambientalistas são apropriadas para efeito de propaganda.
Desmonte no Ibama e ICMBio
Já para Jeanine Renata Souza Oliveira, mobilizadora do Projeto Manuelzão e representante do Movimento “Mexeu com a Serra do Curral Mexeu Comigo”, é necessário, por exemplo, a revisão do papel de órgãos como a Agência Nacional das Águas (ANA) e Agência Nacional de Mineração (ANM).
Em sentido oposto, instituições como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) precisam ser recuperadas do desmonte sofrido nos últimos quatro anos.
Ela também defende o fortalecimento da Politica e do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, de forma a blindá-lo da privatização que ameaça expurgar milhões de agentes ambientais que são os catadores, parte mais frágil do sistema.
Barragens a montante resistem
Guilherme Camponês, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), cobrou ainda o descomissionamento imediato de barragens erguidas no método a montante em Minas Gerais, as mesmas presentes em Mariana e Brumadinho. “O prazo concedido pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) já estourou e na prática as mineradoras terão o prazo que quiserem, perpetuando a impunidade”, afirma.
O idealizador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa, cobrou do futuro Governo Lula maior protagonismo nas discussões ambientais em nível mundial que fuja ao paradigma atual entre antigos colonizadores e colonizados.
E o representante do Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, Euler de Carvalho Cruz, apresentou estudos alertando para o risco do aquecimento global e da desertificação em várias regiões do País, inclusive boa parte de Minas Gerais.
Saneamento, efeito estufa e Rodoanel
A deputada estadual eleita Bella Gonçalves (Psol) lembrou a necessidade de cobrança da promessa de desmatamento zero feita por Lula na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (Cop 27), no Egito. "Nunca um estadista propôs algo tão radical e ambicioso e ele está certo", disse.
Na audiência da Comissão de Participação Popular, ela também reforçou outras medidas urgentes como a revisão do novo Marco Legal do Saneamento Básico, que permite a privatização do setor com efeitos nocivos à sociedade.
Em nível estadual, o jornalista, ambientalista e integrante do Gabinete de Crise da Sociedade Civil, Gustavo Tostes Gazzinelli, sugeriu medidas no setor de transporte que reduzam a emissão de gases de efeito estufa, como a revitalização do transporte ferroviário de passageiros.
Nessa linha, Cristina Maria de Oliveira, ativista do Movimento SOS Vargem das Flores alertou para a necessidade de intervenção federal para barrar o projeto do Rodoanel na forma como projetado pelo Executivo estadual, ameaçando o manancial representado pela represa de mesmo nome em Contagem (RMBH).