Desafio da Funed é vencer descaso do passado e retomar trajetória de sucesso
Visita da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia à Fundação Ezequiel Dias constata problemas no complexo que quer voltar a ser referência para saúde pública no Estado.
15/09/2023 - 20:49Participar do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), protegendo e promovendo a saúde. A frase numa placa que dá as boas-vindas aos visitantes logo na entrada do complexo da Fundação Ezequiel Dias (Funed), situado no Bairro Gameleira, em Belo Horizonte, parece que ficou perdida no passado da instituição e agora, para os próximos anos, ganhou ares de desafio. E o desafio é voltar a ser referência na pesquisa, no desenvolvimento e na produção de fármacos em Minas.
Essa é a conclusão da visita da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) às fábricas, laboratórios e demais dependências da instituição, realizada na tarde desta sexta-feira (15/9/23).
Entre os problemas encontrados pelo deputado Lucas Lasmar (Rede), autor do requerimento que possibilitou a atividade, estão linhas de produção obsoletas ou paralisadas, obras inacabadas, equipamentos danificados, falta de insumos, insumos vencidos ou inadequados, servidores desvalorizados e desmotivados e até laboratórios sob o risco de desabar.
A visita ao complexo aconteceu na sequência de duas audiências públicas realizadas na ALMG tendo a crise da Funed como tema central. A primeira delas aconteceu no último dia 9 de agosto, atendendo também a requerimento de Lucas Lasmar, e debateu o temor expresso por servidores que a fundação possa ser privatizada pelo governo estadual, intenção novamente refutada por seu presidente, Felipe Attiê, que acompanhou a visita.
Já a segunda reunião aconteceu no último dia 18 Funed, desta vez com a presença maciça de servidores, e que serviu como ato em defesa da instituição como potencial indutora do desenvolvimento econômico no Estado. Na ocasião foi novamente expresso o temor que a fundação possa ser alvo de um processo de sucateamento para justificar sua privatização.
“A visita mostrou que a situação da Funed é pior do imaginávamos, não somente por problemas desta gestão, mas que vieram também de gestões anteriores. Precisamos buscar alternativas para literalmente salvar a Funed, atendendo demandas como modernização da gestão, valorização dos servidores, melhorias na infraestrutura, tudo para que ela volte a atender plenamente os interesses da população mineira”, resumiu Lucas Lasmar.
O parlamentar lembrou que a instituição precisa retomar sua trajetória de sucesso e voltar a ter a plena capacidade de uma produção atualizada que atenda às demandas do SUS. Lucas Lasmar lembrou ainda que a instituição é superavitária, dá lucro aos cofres públicos, mas precisa reinvestir esse capital na melhoria de seu funcionamento.
Durante a visita, o parlamentar recebeu um documento da direção da Associação dos Trabalhadores da Fundação Ezequiel Dias (Asstraf) relatando os principais problemas estruturais da Funed e cobrando mais transparência da gestão atual e valorização dos servidores. A atividade também foi acompanhada pelo diretor executivo do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde), Érico de Moraes Colen, que é servidor da Funed.
De 2019 a agosto de 2023, a Funed teria arrecadado R$ 4,7 bilhões, segundo informações do Portal da Transparência. Somente de contratos com o Ministério da Saúde seriam R$ 420 milhões de 2022 a junho de 2023, mas o dinheiro cai no caixa único do Estado. E o lucro líquido da fundação foi de R$ 966 milhões, em 2019, para R$ 300 milhões, em 2022.
Tramita na ALMG o Projeto de Lei (PL) 890/23, do deputado Doutor Jean Freire (PT), que autoriza o Estado a ceder a titularidade da Funed ao governo federal, como forma de pagamento antecipado de parcelas de sua dívida com a União. A proposição tramita anexada a outro projeto do mesmo autor, o PL 3082/21, que dispõe sobre a autonomia financeira da fundação e aguarda a análise das comissões.
Produção de vacinas e soros trazem boas perspectivas
Na companhia de técnicos e gestores da Funed, Lucas Lasmar conheceu as unidades de produção, como a de número 3, onde é produzida a talidomida, único item atualmente manufaturado integralmente pela instituição. O medicamento é usado no tratamento da hanseníase e com alto potencial para o combate de outras doenças, como o câncer. Toda a produção vai direto para o SUS.
Lá também é apenas envasado, rotulado e embalado o entecavir, produzido em parceria com a Farmanguinhos, da Fiocruz, medicamento usado no tratamento de hepatite. Após reforma, a unidade 5 está em processo de habilitação sanitária para produzir o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para vacina ACWY contra meningite, o que deve acontecer até 2024. A fundação já detém a tecnologia de produção da vacina MenC, para a mesma doença, mas a falta de infraestrutura levou a produção para um parceiro privado.
Fundada em 1907, na Funed a esperança de um futuro melhor e a lembrança de um passado de descaso são evidentes, como o esqueleto vertical de concreto do que seria a Unidade 4 de produção, abandonado há quase duas décadas, isso em um País que, segundo dados de 2020, produz apenas 5% da demanda por medicamentos.
Já o Serviço de Produção de Soros, que já foi o carro-chefe da Funed, entrou em obras para modernização há sete anos e a obra foi concluída somente no ano passado. A expectativa é de que comece a operar somente em 2024.
Dali saíam produtos para tratamento de picadas de animais peçonhentos, tétano e raiva. O atraso deveu-se, segundo a diretora industrial Ana Paula Teixeira, a problemas financeiras, trocas de gestão frequentes e, sobretudo, a diversas alterações nos requisitos da legislação sanitária.
A competição com as gigantes farmacêuticas também travou o desenvolvimento da fundação. “Até 2007 a Funed era o principal fornecedor de medicamentos básicos da Secretaria de Estado da Saúde, mas houve uma alteração para compra por meio de pregão eletrônico, o que nos deixou sem condições de competir porque as grandes empresas conseguem ofertar os mesmos medicamentos em valores bem menores”, lamentou a gestora.
O deputado Lucas Lasmar também conheceu os almoxarifados da fundação e o Laboratório Central de Saúde Pública do Estado (Lacen-MG), composto por 44 laboratórios menores, que se destacam na realização de exames como de leishmaniose, malária e sarampo.
Na pandemia, toda a infraestrutura foi decisiva no esforço do Estado para combater a Covid. Com capacidade para realizar 2,5 mil testes por dia, em dezembro de 2021 chegou a receber cerca de 5 mil amostras num único dia.
Mas, bem ao lado, está um prédio anexo do Lacen cujo segundo andar foi interditado e no térreo técnicos ainda trabalham bem ao lado de escoras metálicas que impedem o teto de vir abaixo, a espera de uma intervenção emergencial desde março de 2021.
Presidente da fundação descarta privatização
O presidente da Funed, Felipe Attiê, reconheceu que o desafio é retomar o protagonismo da instituição com uma gestão mais eficiente que a recoloque no mesmo patamar de instituições como o Butantã, de São Paulo, e Fiocruz, do Rio de Janeiro. E isso, segundo ele, não passa pela privatização, e nem mesmo por mais investimentos.
“Aqui sobra dinheiro. O problema é gerenciar uma indústria com as amarras de uma fundação pública, estrutura limitada, lenta, que não consegue atender a demanda”, sentenciou. “E aqui não tem valor de venda, os prédios das fábricas e equipamentos são antigos, quem vai comprar o complexo a não ser pelo valor imobiliário? E como vender uma empresa que só tem um cliente, o Ministério da Saúde?”, completou Felipe Attiê.
O presidente da Funed também garantiu que é interesse do Poder Executivo reerguer a Funed, que reconhece sua função social como detentora de funções da qual o Estado não pode abrir mão. “Para que a Funed volte a ter uma produção moderna e em escala industrial, e que desenvolva produtos que a indústria farmacêutica tenha interesse em fabricar, precisamos contar com a parceria da Assembleia para encontrarmos o melhor caminho”, ponderou.