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Cultura também é pilar da economia, mas informalidade ainda é a regra

Estudo debatido em reunião da Comissão de Cultura aponta participação de 3,11% do PIB brasileiro em 2020, mas especialistas avaliam que percentual ainda é subdimensionado.

31/05/2023 - 19:45
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Embora animadores, os dados revelados pelo estudo “Dez anos de economia da cultura no Brasil e os impactos da Covid-19 – um relatório a partir do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural” podem ser apenas a ponta de um iceberg da verdadeira participação do setor na economia nacional.

Essa foi a principal conclusão dos participantes da audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira (31/5/23) pela Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O debate foi solicitado pelo presidente da comissão, deputado Professor Cleiton (PV), e pelas deputadas Lohanna (PV), vice-presidenta, e Macaé Evaristo (PT).

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O estudo aborda três eixos: financiamento público, trabalhadores e empresas criativas e comércio internacional de produtos e serviços criativos. Mas foi consenso entre os participantes que o nível de informalidade do setor, sobretudo nas suas manifestações mais orgânicas, aponta para a necessidade de pesquisas mais abrangentes e políticas mais capilarizadas e diretas que contemplem, por exemplo, setores como o da música, artesanato regional e manifestações folclóricas.

Ainda assim, segundo o relatório publicado em abril, a economia da cultura e das indústrias criativas movimentou, em 2020, R$ 230,1 bilhões, o que representou 3,11% do PIB nacional naquele ano.

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O maior mérito dele, na avaliação dos participantes da audiência, é contrariar o senso comum e assim ajudar a superar preconceitos, pois por ele o setor já teria ultrapassado segmentos importantes da economia brasileira, como a indústria automobilística, que respondeu por 2,1% do PIB no mesmo ano.

De acordo com o estudo do Observatório Itaú Cultural, em 2020 o setor empregou 7,4 milhões de trabalhadores e abrigou 130 mil empresas. Mas a percepção de subdimensionamento é embasada sobretudo na metodologia do estudo, que focou tanto na economia da cultura quanto nas indústrias criativas, incluindo segmentos tão diversos como moda, artesanato, rádio e TV, música, desenvolvimento de games, arquitetura, publicidade, design, teatro e artes visuais.

O contraste entre o vínculo empregatício formal ou ao menos mensurável e a histórica informalidade entre os setores pesquisados foi destacado pela pesquisadora em Ciências Sociais e Humanas, Paula Ziviani, e pelo músico e produtor cultural Makely Oliveira Soares Gomes.

“Apesar de ser um indicador interessante, o estudo não dá conta de todo o universo cultural, a grande maioria na informalidade. Todas as cidades mineiras têm atividade musical de natureza diversa. E todo mundo conhece um músico que trabalha na noite e não tem contrato. Quanto o Congado e o Reisado movimenta pelo interior? E o Carnaval ou as Festas de São João?”, apontou o primeiro.

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Makely Gomes lembrou que o poder público deve investir em cultura porque isso é uma obrigação prevista na Constituição Federal. E da mesma forma mapear devidamente o setor, como por meio do Censo, para formular políticas públicas mais efetivas. “E o PIB não mede qualidade de vida, saúde mental ou satisfação pessoal. Foi a cultura que segurou a onda das pessoas na pandemia”, lembrou.

Como pesquisadora na área cultural, Paula Ziviani lembrou os diversos desafios metodológicos com as bases de dados existentes. “O mercado da cultura e o mercado criativo têm lógicas diferentes. Nem todo mercado criativo é cultural e a gente sabe bem que a maior parte deste último é informal”, aponta.

Segundo ela, enquanto a economia criativa tem como base a tecnologia, na cultura poucas organizações garantem trabalho assalariado permanente e o setor vive, quando mais organizados, de projetos com vínculos temporários, o que não chega a ser uma precarização. “São dinâmicas de trabalho muito diferentes. Apesar disso precisamos melhorar o sistema de proteção a esse trabalhador, pensando no caso de doenças, invalidez ou mesmo aposentadoria”, analisou.

Maioria no público que participou da reunião da Comissão de Cultura, os representantes da moda, setor mais ligado à indústria criativa, ainda sentem dificuldade de se associarem com a cultura, conforme reconheceu a articuladora da Frente da Moda Mineira, Giovanna Penido, que ocupa a cadeira de Moda da Conselho Cultural de Política Cultural (Consec).

“Essa dicotomia é real. Ainda temos que nos reconhecer como agentes culturais. Estamos alegres com a importância da moda no estudo, mas, por exemplo, ainda não temos facilidade para lidar com os editais do setor”, disse.

Financiamento ainda tem gargalos a superar

Professor Cleiton concordou com as avaliações de subdimensionamento do setor, mas apontou que o estudo trouxe alertas importantes como a vulnerabilidade da mulher nos segmentos pesquisados, já que 69% dos homens ganham a mais do elas. Da mesma forma, a questão racial também é urgente, já que brancos são 64% mais bem remunerados do que pretos e pardos.

Outro aspecto destacado por ele diz respeito aos gargalos do financiamento da cultura, que está entre os tópicos levantados pelo estudo do Observatório Itaú Cultural, que pesquisou, por exemplo, a execução orçamentária por parte das secretarias estaduais de cultura em 2020. Nessa tópico entram, por exemplo, instrumentos como a Lei Aldir Blanc e, agora, a Lei Paulo Gustavo, além, claro, da tradicional Lei Rouanet.

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“A cultura significa desenvolvimento sustentável e faz muita diferença na vida das pessoas, inclusive para nossa saúde mental, pois nos torna mais potentes na nossa humanidade”, acrescentou Macaé Evaristo. Já Leleco Pimentel (PT) lembrou a importância do poder público no fomento à cultura, papel que segundo ele foi relegado nos últimos anos em nível estadual e federal.

Nessa linha, o presidente da Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia, Mauro Tramonte (Republicanos), lembrou que somente em 2021, após aprovação de projeto de sua autoria, caiu a proibição de que o Executivo pudesse fazer publicidade dos atrativos mineiros, a maioria deles ligados à cultura, em outros estados.

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Fundo Estadual de Cultura também é ferramenta de fomento

Por fim, o subsecretário de Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), Igor Arci Gomes, reforçou a importância do estudo debatido na audiência e avaliou que Minas sempre larga na frente quando o assunto é cultura.

“As manifestações de estados como São Paulo não têm identidade. Já a criatividade mineira é identificável, sabemos notar rapidamente um artesanato do Vale do Jequitinhonha”, afirmou.

“Ainda faltam mais informações. O estudo até trouxe alguns números, mas o desafio agora é definir: o que nós vamos fazer com eles?”, pontuou. Ele destacou a importância do Fundo Estadual de Cultura, cujos recursos chegam em setores sem visibilidade superando até mesmo as leis de incentivo.

E lembrou ainda a articulação em andamento entre secretarias de Cultura de todo o país para fomentar novas ações e melhorar o arcabouço legal, sobretudo voltado para as regiões Sudeste e Sul, que detém juntas 69% do PIB nacional.

Comissão de Cultura - debate sobre a participação da cultura no PIB
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Atividades como cultura e moda têm uma participação maior na economia brasileira do que a indústria automobilística. Os dados são de um relatório nacional debatido numa audiência pública da Comissão de Cultura TV Assembleia
“O engraçado é que pelo estudo a cultura contribui mais para a economia do País do que a indústria automobilística, mas ao contrário desta, os incentivos culturais nunca chegaram nem a 0,5% do PIB. E no governo passado ainda fomos tratados como inimigos e taxados como parasitas mamando nas tetas do governo”.
Makely Gomes
Músico e produtor cultural
“Precisamos desburocratizar esse processo e desconstruir mentiras que foram criadas. Os recursos da Lei Rouanet não chegam na base, como no produtor de artesanato dos vales do Jequitinhonha e Mucuri. Tem muito procurador também aconselhando o prefeito a não captar recursos do setor porque ele vai ter problemas depois com a prestação de contas”.
Professor Cleiton
Dep. Professor Cleiton

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