Notícias

Construção de estrada que passa em território quilombola do Serro é criticada

Lideranças comunitárias denunciam que obra beneficia mineradoras e não comunidades tradicionais e que já há impactos socioambientais.

25/04/2023 - 13:55
Imagem

A construção de uma estrada de cerca de cinco quilômetros no município do Serro (Região Central do Estado), que liga a MG-010 a comunidades tradicionais quilombolas, foi duramente criticada em audiência pública nesta terça-feira (25/4/23).

Botão

A reunião foi realizada pela Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) por solicitação da deputada Beatriz Cerqueira (PT) que, recentemente, visitou a obra e, em seguida, oficiou o Ministério Público Estadual (MPMG), o Ministério Público Federal e a Câmara Municipal do Serro, solicitando providências e investigações.

O representante da Comunidade Quilombola de Queimadas, Valderes Quintino Silva, contou que a comunidade não escolheu aquela obra e que a mesma não vai trazer benefícios para a comunidade que integra e nem para a de Floriano e Córrego da Gameleira. Os grandes beneficiados, em sua opinião, são as mineradoras.

Citação

Expectativa de tráfego de caminhões

Endossou a fala de Valderes Quintino a coordenadora Estadual do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Juliana Deprá Stelzer. Ela informou que essa estrada consta nos planos de ação das mineradoras Herculano e Onix.

De acordo com ela, mais de 400 caminhões/dia devem trafegar pela via para escoar a produção. “E a estrada está sendo construída antes mesmo de a operação estar licenciada”, acrescentou.

A coordenadora relatou ainda que moradores de comunidades quilombolas já sentem uma grande quantidade de poeira em suas casas. Também há relatos de assédios a jovens da comunidade cometidos por trabalhadores da obra.

Juliana Deprá também comentou que, dados os impactos, deveria ter havido consulta prévia, livre, informada e de boa-fé sobre a obra às comunidades quilombolas, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

As duas lideranças relataram que têm sofrido intimidação por conta da atuação contra a mineração no local.

Vídeo

Ministério Público atento à questão

A Promotora de Justiça da Comarca do Serro, Luísa Guimarães, destacou que, tão logo recebeu ofício da deputada Beatriz Cerqueira, o Ministério Público se mobilizou e instaurou um procedimento. Paralelamente, medidas preliminares foram tomadas.

Citação

Ela explicou ainda que, depois de obter as informações necessárias da empresa, um técnico do MPMG foi destacado para fiscalizar a adequação administrativa e ambiental das obras e que esse trabalho ainda não foi concluído.

Apesar disso, como comentou, tudo leva a crer que o procedimento administrativo adotado não é adequado para minimizar os impactos ambientais e socioeconômicos da localidade.

Luísa Guimarães explicou que foi expedido um documento autorizativo para que fosse feita a supressão vegetal na área para a construção da estrada. Mas, conforme disse, a obra tem grande proporção.

Violações de direitos

Segundo o procurador da República Helder Magno da Silva, a situação do Serro é comum em Minas Gerais. Ele comparou com o que ocorreu na instalação da Anglo American em Conceição do Mato Dentro, dizendo que as mineradoras têm a mesma forma de proceder.

“Quando o município faz esse tipo de parceria, ele fala para a comunidade que não está a serviço dela e sim da empresa”, enfatizou, acrescentando que a comunidade de Queimadas tem sofrido diversas violações, inclusive, tendo questionado seu território, uma vez que o mesmo ainda não foi demarcado.

Antropólogo e assessor da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais do Ministério Público Estadual, Marcelo de Andrade Vilarino, disse que, no Serro, há dois movimentos impactantes com a disseminação da desinformação de que o Estado tomará terra das pessoas e o estímulo para que pessoas não se autoidentifiquem como quilombolas, o que é um direito.

Estrada em questão não requer licenciamento ambiental

O diretor de Controle, Monitoramento e Geotecnologia do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Flavio Augusto Aquino, esclareceu que a construção de estradas com menos de dez quilômetros não demanda licenciamento ambiental.

“Mas não fica dispensada a necessidade de outros mecanismos como a autorização para suprimir vegetação”, disse, acrescentando que a mesma foi concedida após ser analisada de acordo com o arcabouço normativo pelo IEF.

O professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais – N´Golo, Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, defendeu que o IEF embargue a obra e que o Ministério Público atue para frear o que vem ocorrendo no Serro.

Áudio

Deputada questiona parceria entre prefeitura e mineradora

A deputada Beatriz Cerqueira relatou que os termos de compromisso e de cooperação entre a prefeitura e a Herculano garantem repasses de cerca de R$ 5 milhões para a prefeitura, independente de haver licença ambiental para a empresa operar, e de R$ 35 milhões, caso a empresa obtenha essa autorização.

Citação

A deputada Bella Gonçalves (Psol) classificou como grave a situação pela qual passam os integrantes de comunidades tradicionais do Serro. Ela acrescentou que, além das violações já citadas, o clima de intimidação impede a participação efetiva da população local.

Também reforçou a questão e demonstrou solidariedade às comunidades tradicionais o líder da Minoria, deputado Doutor Jean Freire (PT).

A vereadora da Câmara Municipal de Serro, Karine Roza de Oliveira Santos, corroborou as falas das parlamentares que a antecederam e falou que a construção de uma rodovia em comunidade quilombola mostra que o poder público local não se preocupa com a população e sim com o capital.

Comissão de Administração Pública - debate sobre ameaças da mineração à atividade quilombola
A construção de uma estrada na zona rural do Serro, na região Central do Estado, foi debatida na Comissão de Administração Pública TV Assembleia
Áudio
“Sempre tivemos relação com a área onde querem colocar o empreendimento porque lá funcionava a escola da comunidade. Quando passo naquele lugar sou acompanhado pelo fato de que não tenho mais direito de ir para aquele lugar. Quando lutamos pelo território de Queimadas, não queremos terra de ninguém, queremos ter esse pertencimento.”
Valderes Quintino Silva
Representante da Comunidade Quilombola de Queimadas
“Chamou atenção que a prefeitura solicita a obra (pede a supressão da vegetação), mas quem executa é a empresa Herculano.”
Luísa Guimarães
Promotora de Justiça da Comarca do Serro
"Como garantimos isenção municipal para cuidar da população a partir de termos como esses?”
Beatriz Cerqueira
Dep. Beatriz Cerqueira

Receba as notícias da ALMG

Cadastre-se no Boletim de Notícias para receber, por e-mail, as informações sobre os temas de seu interesse.

Assine