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Comunidades de Macacos cobram participação no acordo com a Vale

Moradores apontam distorções nos termos pactuados pelo poder público com a mineradora devido à falta de abertura para o diálogo com os atingidos.

04/05/2023 - 16:00
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Em dezembro do ano passado, a mineradora Vale, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado celebraram um acordo para a reparação de danos causados pela evacuação de mais de 100 famílias de Macacos, distrito de Nova Lima (RMBH), devido à elevação do nível de risco das barragens B3 e B4 da Mina Mar Azul, de propriedade da empresa.

Em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (4/5/23), lideranças comunitárias alegaram, no entanto, não terem sido ouvidas nesse processo, ao contrário do que determina a lei que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens.

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Em fevereiro de 2019, a Vale disparou a sirene de emergência no distrito, somente 20 dias após o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho (RMBH). Em meio às ações ajuizadas para providências emergenciais e compensação, foi assinado o referido acordo, com a mediação do Tribunal de Justiça e a assistência do Ministério Público Federal e da Prefeitura de Nova Lima, no valor de R$ 500 milhões – que na verdade passa de R$ 1 bilhão, se levadas em consideração as medidas necessárias para o descomissionamento das barragens.

Todos os atingidos pela mineração no distrito que participaram da audiência desta quinta (4) destacaram serem favoráveis ao acordo, mas, como não puderam participar das instâncias de interlocução com a empresa e as instituições de justiça, aproveitaram a oportunidade para cobrar a revisão de alguns pontos, como a lista de moradores que fazem jus ao pagamento de renda emergencial por parte da Vale.

Esse foi um dos principais temas abordados por Fernanda Tuna, representante do território ZAS (zona de autossalvamento) Macacos. Segundo ela, muitos atingidos, que foram inclusive retirados de suas casas, nunca receberam qualquer valor, enquanto outros tiveram o seu pagamento interrompido de forma injusta.

Carlos Eduardo Rezende, representante da Comissão de Macacos, relatou que a população foi submetida a uma fila de vouchers, sob o sol, para receber o auxílio e que listas confusas e atendentes sem experiência causaram todo tipo de constrangimento aos moradores.

“Pessoas em situação exatamente igual são tratadas de forma desigual”, desabafou Flávia de Souza Cruz, representante do território Pasárgada. Ela também se queixou da falta de assertividade do acordo quanto aos critérios para definição de quem são as pessoas e quais são as comunidades atingidas, assim como qual será o controle dos signatários do acordo sobre a execução das ações previstas.

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Um exemplo do descompasso do acordo com os principais anseios dos moradores do distrito é a previsão de instalação de um funicular (elevador em forma de trem) em uma zona perigosa, que seria impactada por qualquer barragem que se rompesse, de acordo com o presidente da Associação das Pessoas Atingidas pela Mineração, o suíço Beat Willi.

Para a deputada Bella Gonçalves (Psol), que solicitou a audiência, a ausência de representantes da Vale e da Prefeitura de Nova Lima na audiência atesta a falta de compromisso com o diálogo.

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Rotas de fuga

Leonardo Tolentino, morador de Macacos e também atingido pela mineração, reivindicou que a comunidade tenha conhecimento sobre os acessos às rotas de fuga de todas as barragens no distrito, já apresentados pela Vale à Defesa Civil.

Já Maria Fernanda Repolês, professora de Direito da UFMG e membro do Gabinete de Crise da Sociedade Civil, lembrou que a Vale poderá descontar do valor pactuado recursos referentes a ações já executadas desde o incidente de 2019 e, por isso, sugeriu auditoria externa para apurar o que realmente foi gasto nessas intervenções.

Ela ainda denunciou a perseguição a moradores que denunciam abusos e irregularidades cometidos pela empresa.

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MP e Defensoria se dizem abertos ao diálogo

Mesmo diante dos questionamentos dos moradores de Macacos, o procurador da República Carlos Bruno da Silva, a promotora Hosana Regina de Freitas e o defensor público Felipe Augusto Soledade reafirmaram o compromisso das instituições que representam em receber as demandas dos atingidos.

O procurador Carlos Bruno creditou o descontentamento das lideranças comunitárias a um ruído de comunicação. Ele admitiu que a Vale tenta obstruir a participação dos atingidos na mesa de negociação, mas lembrou que foi incluída no acordo essa possibilidade de escuta. A última reunião com moradores foi realizada no último dia 19, em que diversas dúvidas foram respondidas, conforme frisou.

Na mesma linha, a promotora Hosana relatou que foram realizadas cerca de 40 reuniões com a comunidade desde 2019, informação contestada pelo público presente, que advertiu que nem todas as lideranças são convidadas para esses encontros.

Sobre a relação de moradores aptos a receberem a renda emergencial, ela disse que está sendo seguida a lista constante na ação civil pública ajuizada.

O defensor Felipe Augusto garantiu que a Defensoria Pública não trabalha com nenhum filtro de representatividade, mas ponderou as limitações de pessoal e a falta de parâmetros na legislação quanto à participação popular na mediação de acordos coletivos como alguns dificultadores.

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A deputada Bella Gonçalves sugeriu, então, que, além de serem agregados todos os territórios aos encontros promovidos, que essas reuniões sejam publicizadas, para garantir a maior participação possível.

Comissão de Direitos Humanos - debate sobre a não participação das pessoas atingidas do distrito de Macacos no Acordo da Vale
Áudio
Moradores de Macacos questionam acordo com a Vale TV Assembleia
"A participação dos atingidos, além de justa, é lei."
Bella Gonçalves
Dep. Bella Gonçalves
“O acordo não é o ideal, é o possível. Ainda assim, com todas as suas limitações, é muito melhor do que uma demanda judicial de prazo e resultado imprevisíveis.”
Felipe Augusto Soledade
defensor público

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