Cogestão no sistema socioeducativo volta a ser criticada
Governo defende modelo, mas entidades e deputados presentes em reunião questionam terceirização na segurança e critérios para transferências.
23/04/2024 - 16:35 - Atualizado em 23/04/2024 - 16:56A terceirização de funções no sistema socioeducativo do Estado voltou a ser criticada por agentes em audiência nesta terça-feira (13/4/24), realizada pela Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O socioeducativo é responsável pelo atendimento ao adolescente autor de ato infracional. Representantes dos servidores denunciaram que atividades como a escolta desses adolescentes continuam a ser feitas de forma irregular por monitores terceirizados, desde que o Governo do Estado adotou o modelo de cogestão em várias unidades do sistema.
O deputado Sargento Rodrigues (PL), presidente da comissão e autor do requerimento da audiência, avaliou que os relatos mais uma vez demonstraram que o poder de polícia continua sendo transferido do Estado para o setor privado, medida, segundo ele, ilegal.
O deputado voltou a frisar que, legalmente, um monitor não poderia dar busca em menor ou familiar nem fazer contenção quando necessário. E cobrou o cumprimento do artigo 4º da Lei 23.750, de 2020, a qual institui a carreira de agente de segurança socioeducativa do Estado.
Conforme o artigo, não serão objeto de contratação temporária atividades relacionadas diretamente ao exercício do poder de polícia.
Critérios são questionados
Apesar da restrição citada por Sargento Rodrigues e sindicalistas presentes, mensagens de agentes lidas na audiência pelo deputado dão conta de senhas dadas a monitores terceirizados, em detrimento de agentes, para operação do body scanner, equipamento para detectar objetos suspeitos, como celulares, em roupas ou mesmo dentro do corpo, e também permissão para realização de revistas em visitantes.
Em outro caso que teria ocorrido em dezembro passado, a transferência entre estados de um adolescente teve a escolta feita por monitores, no lugar de agentes socioeducativos.
Luzana Moreira, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo do Estado de Minas Gerais, enumerou outra situações, citando por exemplo o Centro Socioeducativo de Passos, inaugurado em 2017 no modelo cogestão sem nunca ter contado com a presença do Estado. Foram registrados na unidade, segundo ela, aumento em fugas, apreensões de drogas e agressões físicas entre adolescentes e contra funcionários.
Ela também questionou critérios adotados pelo Estado para com a categoria. Disse que o vale refeição é dado sem critérios transparentes e à mercê das chefias em várias situações, da mesma forma ocorrendo com remoções e transferências de agentes. "O critério é a amizade com o gestor", disse Luzana Moreira.
Em sua apresentação à comissão, Luzana Moreira exibiu diversas imagens, entre as quais trechos de editais para a contratação de diretor de unidade de socioeducativo e de gestor de monitoria no modelo de cogestão a exemplo de edital de 2024 para diretor da unidade de Tupaciguara.
Conforme trechos de editais mostrados, há erratas sobre cargos mas mantendo atribuições questionáveis ou que extrapolariam funções.
Sobre alguns dos documento mostrados, o presidente da comissão disse que pretende acionar o Ministério Público para uma intervenção imediata na questão pelo fato de a delegação do poder de polícia ter sido colocada a terceiros de forma tão "escancarada, deslavada e sem cabimento", segundo avaliou.
Subsecretária diz que modelo é previsto
Entre respostas dadas a várias das críticas, a subsecretária de Atendimento Socioeducativo da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Giselle da Silva Cyrillo, anunciou o cancelamento de editais abertos pelo cogestor Instituto Elo que segundo ela tragam equívocos como na nomenclatura de cargos e atribuições.
Segundo ela, editais sobre contratação de diretor, como citado pela representante dos agentes, onde já há um diretor atuando, ou publicados sem a autorização do Executivo, não prosseguirão.
Sobre críticas quanto a remoções a gestora disse que os critérios legais seguidos são os da necessidade da administração e o interesse público. E apontou a existência de canais à disposição do servidor para apurar possíveis questionamentos.
A representante do Governo do Estado defendeu a cogestão dizendo que o marco normativo do sistema socioeducativo é federal e dá a possibilidade de que essa política possa ser executada em parceria com o setor privado.
"Mas o Estado continua sendo responsável pela política e pela consolidação de um plano de trabalho", esclareceu ao avaliar que a escolha política do Estado pelo modelo não compromete o sistema.
Em referência à citação da unidade de Passos, a subsecretária disse se tratar de um "momento contingencial" de uma só unidade. Segundo ela, todas as demais unidades socioeducativas permanecem com equipes do Estado.
A representante da Sejusp também disse que o concurso do Estado para agentes está em fase de conclusão da contratação do curso de formação até 15 de maio, para início das aulas no prazo de 60 dias a partir daí. Serão 290 candidatos convocados para a formação, o que a categoria considera insuficiente.
Desembargadora defende diálogo
A desembargadora Valeria Rodrigues, coordenadora executiva do Grupo de Monitoramento de Fiscalização Carcerária e Socioeducativa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais disse que a permanêcia de agentes do Estado no sistema socioeducativo foi negociada até que seja resolvida a extensão da cogestão.
Valéria Rodrigues também comentou críticas feitas na audiência pela representação dos agentes relacionadas às transferências de servidores. Ela defendeu maior transparência nesses critérios.
Nova audiência
O presidente da comissão avaliou que os problemas no socioeducativo discutidos pela comissão em várias audiências continuam. Por isso, uma nova reunião deve ser pedida, com a presença do titular da Sejusp, secretário Rogério Greco, conforme antecipou o deputado.
Sobre a situação exposta, o deputado Cristiano Silveira (PT) disse no debate que "virou mania a terceirização de atividades essenciais" pelo Executivo e afirmou que as áreas de educação e saúde têm enfrentado situação semelhante à do socioeducativo.
As consequências, segundo Cristiano Silveira, têm sido a precarização das condições de trabalho, desvalorização de servidores e confusão entre o que seja atividade fim e atividade meio por parte dos prestadores terceirizados.