Cessão de Memorial dos Direitos Humanos para ocupação é defendida em visita ao ex-Dops
Ativistas estão restaurando o prédio que estava em total abandono e que não tem destinação do governo estadual.
08/05/2025 - 21:20Transferir a posse e a gestão do Memorial de Direitos Humanos Casa da Liberdade para a "Comissão de Reabertura do Memorial", grupo que desde 1º de abril ocupa a sede do museu, no prédio onde funcionou o Departamento de Ordem Social e Política e Social (Dops), é a proposta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para solucionar o impasse entre o governo estadual e os ativistas. O governo ainda resiste em instalar definitivamente a estrutura do memorial, prevista na Lei 13.448, de 2000.
A Comissão esteve no espaço na quinta-feira (8/5/25), averiguando as condições de instalação do equipamento. A deputada Bella Gonçalves (Psol) constatou que, a partir da ocupação, o prédio vem sendo recuperado e cuidado pelos integrantes do movimento. O espaço também estaria sendo usado para resgate da memória “dos anos de horror passados por aqui”.
Nos 38 dias em que os ativistas estão no local, o prédio recebeu a visita de cerca de 3 mil pessoas, interessadas na história ali registrada. O governo, por outro lado, reivindica a reintegração de posse e suspendeu o diálogo com o parlamento mineiro e com a comissão de reabertura.
O prédio é guardado por policiais militares durante 24 horas. Em uma primeira vitória, a comissão conseguiu um habeas corpus, emitido na quarta-feira (7), garantindo o livre acesso da população e a continuação da ocupação.
“Não faz sentido o prédio ser fechado e aguardarmos um processo judicial para sua destinação. O ideal é reconhecermos a posse da comissão e seus representantes, que são autores legítimos para cuidar”, defendeu Bella Gonçalves. Ela lembrou que em audiência pública na Assembleia, realizada em 10 de abril, foi pactuado com representante do governo a criação de uma comissão para acompanhar o processo de instalação do memorial. “Mas o governo rompeu o diálogo e não retornou mais”, lamentou.
Resgate de uma parte sombria da história brasileira
A cessão definitiva do espaço também é a reivindicação da comissão de reabertura. Uma das integrantes, Mariana Fernandes, disse que, quando ocuparam o prédio, se depararam com as estruturas totalmente depredadas e descaracterizadas. Segundo ela, obras teriam sido realizadas para adulterar sinais que marcaram as torturas praticadas lá.
Após entrarem, o grupo limpou o lugar, nomeou salas com nomes de desaparecidos e mortos pela ditadura e organizou o prédio, para realização de visitas guiadas às suas acomodações.
Embora o Memorial tenha sido criado pela lei de 2000, segundo Mariana, a Polícia Civil resistiu a abandonar o prédio, até 2017. No ano seguinte, o local teria inaugurado formalmente. O espaço chegou a ser utilizado pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh) até 2023, mas a partir daí teria sido abandonado pelo governo estadual.
Em 2020, o governo do Estado encomendou à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) um projeto arquitetônico, estrutural e museológico para instalação do memorial. O estudo tem três etapas, mas apenas a primeira foi concluída.
Letícia Julião, coordenadora institucional do projeto, explicou que estão aguardando a liberação de recursos para concluir o trabalho. O grupo está fazendo estimativas para a conclusão, a pedido do Ministério Público Estadual, que pretende estabelecer acordos com empresas envolvidas com a ditadura, para a arrecadação desses recursos.
O objetivo da ocupação, conforme Everson Tardeli, do Conedh, é garantir a implantação do memorial, para preservação desse período obscuro da história brasileira. “Não podemos permitir o apagamento dessa história”.
A pesquisadora Débora Raiza Carolina Rocha Silva reclamou de dificuldades impostas pelo atual governo em relação a essas memórias. Segundo ela, o acervo do Dops, que era liberado facilmente de forma virtual, agora está limitado e burocrático. Também está inoperante o site da Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg).
A deputada Bella Gonçalves adiantou que a Comissão vai solicitar o acesso aos arquivos do Dops, além de requerer a reativação do portal da Covemg.
Marcas da violência ainda são vistas
Mesmo com as alterações promovidas pelo próprio Estado ao longo dos anos, o prédio do memorial ainda preserva muitos sinais da violência que foi cometida ali, antes, durante e após a ditadura militar.
Na visita, a deputada Bella Gonçalves conheceu as salas que eram reservadas para a tortura, entre elas uma revestida de cortiça, para abafar os gritos dos torturados. As celas permanecem com suas instalações escuras e insalubres.
Ao final do corredor da carceragem, a “Igrejinha” relembra as confissões arrancadas pelos métodos mais cruéis de violência, com uso inclusive de equipamentos, como o pau de arara e instrumentos de choque.
Num pátio interno, uma sala abriga uma pequena sauna a seco e um poço para afogamento das vítimas. Nesse espaço, era praticada a técnica “esquenta-esfria”. Os presos eram submetidos a calores extremos na sauna e quando já tombavam pelo sofrimento, eram levados para o poço com água gelada.
Ex-preso político, Gildásio Cosenza acompanhou a visita, 56 anos depois de ter passado por sofrimentos intensos, em duas ocasiões que esteve ali. “Não podemos jogar para debaixo do tapete esse lixo de nossa história, ou podemos repetir”, disse ele ao defender abertura do prédio para a visitação e o conhecimento da sociedade.


