Audiência reúne defensores de tombamento da Lapinha da Serra
Medida já foi iniciada em âmbito municipal; deputada tem projeto que reconhece, em nível estadual, relevância do complexo.
Membros da comunidade e autoridades de Lapinha da Serra defenderam de forma unânime o tombamento integral do Complexo da Serra e Lagoa da Lapinha, no Município de Santana do Riacho (Central). Em audiência pública nesta quarta-feira (3/9/25), a Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) debateu a importância da medida, não apenas em caráter municipal, mas também estadual.
Segundo o prefeito local, Fernando Ribeiro Burgarelli, já está em andamento o processo de tombamento municipal, com previsão de término dos estudos em março de 2026. Mas ele julgou essencial a aprovação da medida também em âmbito estadual, a qual está contida no Projeto de Lei (PL) 2.478/24, da deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a reunião dessa quarta (3).
Segundo Burgarelli, o tombamento provisório foi feito ano passado, agora falta concluir o dossiê para o lago e a serra. Antes, serão realizadas audiências públicas na comunidade para elaboração de inventário e levantamentos que incluirão aspectos ambientais, sociais, culturais e econômicos envolvidos. Todos esses documentos vão embasar o tombamento da região. “Tombamento é uma novidade pra nós, mas já conseguimos tombar a Estátua do Juquinha, o que também foi reconhecido pelo Iepha, e a Trilha dos Escravos, na Serra do Cipó”, disse o prefeito.
Ele lembrou que Lapinha era um local paradisíaco, quando foi criada a hidrelétrica com o reservatório, há cerca de 50 anos. “A atividade econômica da usina era importante até então, mas hoje, não”, ressalvou. Justificou que hoje os aspectos ambientais e turísticos se sobrepuseram ao interesse da usina. Afirmou também que a empresa não tem diálogo com a comunidade local: “Ela deveria cumprir dez condicionantes, pelo uso das águas da Lapinha, mas não cumpre nenhum”, criticou.
Acrescentou que, até 2018, a usina operava com uma turbina, mas, com uma nova outorga, passou a ter duas, o que provocou a redução da quantidade de água do lago. “Temos que rever essa concessão; chamar para o diálogo os envolvidos - empresa, autoridades competentes e comunidade”, concluiu o prefeito.
Extensão do prazo
Flávio José dos Santos, secretário de Cultura de Santana do Riacho, disse que serão realizadas visitas de escuta a moradores da Lapinha. “Como é uma construção coletiva, o prazo até março de 2026 pode se estender um pouco mais”, advertiu.
Preocupada com a efetivação do tombamento no tempo anunciado, Beatriz Cerqueira lembrou-se de processo semelhante relativo à Serra do Curral. “O processo demorou muito por causa de uma decisão do Governo do Estado, que pautou a autorização para a mineração funcionar antes do tombamento; hoje, a mineradora é parte legítima para questionar o tombamento”, lamentou.
Eliane Pires, da Associação Comunitária da Lapinha da Serra (Ascom), tem o mesmo receio que a deputada e pediu atenção do poder público no sentido de acelerar o processo de tombamento, para que se cumpra o prazo de março de 2026. “Não podemos deixar que esse tombamento se estenda por anos, pois além dele tem o tombamento estadual e outras medidas”, alertou ela, completando que o lugarejo tem cerca de 700 moradores e várias empresas que dependem exclusivamente do turismo.
Empresas e profissionais dependem do lago para o turismo
Vários profissionais que atuam na localidade confirmaram a perda d’água progressiva no lago e seus impactos no turismo. O comerciante Cristiano Reis, da Brigada Florestal Guardiões da Serra, destacou que a Lapinha se localiza na única cordilheira do Brasil, a do Espinhaço, que tem o título de Reserva da Biosfera pela Unesco.
Segundo ele, até 2017, com o lago cheio, cresceu muito o turismo, com esportes náuticos e banhistas, e os moradores passaram a atuar nessas atividades, conduzindo os turistas; mas quando a usina começou a funcionar, houve queda no turismo. Outro impacto teria sido a perda de flora e fauna, principalmente de peixes, que, na época seca, agonizam pela falta d’água no lago.
O agente de turismo Renan Minardi informou que sua empresa oferece passeios que conectam esporte e natureza de modo seguro, por meio de passeios com caiagues, standup paddle. “Dependemos exclusivamente da lagoa para fazermos nossa atividade e, na época da seca, encerramos as atividades até que a água volte”, declarou.
Thaís Oliveira, presidente da Associação Comunitária Lapinha da Serra (Ascom), conclamou a comunidade: “Estamos todos unidos para defender o território, nossa história e nosso futuro”. De acordo com ela, são milhares de pessoas com um só objetivo: a preservação do espelho d’água de Lapinha da Serra.
O presidente da Câmara Municipal de Santana do Riacho, vereador Uilson Oliveira, elogiou o PL 2.478/24, que seria o reconhecimento legal para garantir a proteção ambiental e abrir portas para o crescimento e o desenvolvimento sustentável. “Esse patrimônio pertence a todos nós e queremos garanti-lo para as próximas gerações”, reforçou.
Dúvidas
Bernardo Nacif Lopes, presidente da Associação Comercial da Lapinha da Serra (ACL), registrou que vem respondendo a dúvidas de proprietários na Lapinha, os quais manifestam receio quanto aos efeitos do tombamento. Conforme disse, alguns deles mostraram temor de perder suas propriedades, ao que ele respondeu: “O tombamento não se reflete na perda, mas somente na exploração legal de alguma atividade; então, quem já tem casa, não perde uso de sua propriedade”. Ele frisou que o maior efeito do tombamento é a mudança de comportamento e de mentalidade que deve se mostrar à medida que o processo avança.
Empresa diz que obedece a decisões federais
O representante jurídico da Gênesis Energia, Leandro Ribeiro, esclareceu que a empresa é obrigada a obedecer a regulamentação federal sobre a geração de energia elétrica. Portanto, segundo ele, não é a empresa que toma as decisões sobre o funcionamento das turbinas da usina hidrelétrica, o que causa impacto direto na Lagoa da Lapinha.
O advogado garantiu que a Gênesis Energia está aberta ao diálogo com a prefeitura de Santana do Riacho e com a comunidade da Lapinha da Serra. Ao final da reunião, foi anunciada uma reunião no dia 24 de setembro, para discutir o processo de tombamento municipal.
Providências
Ao fim da reunião, Beatriz Cerqueira propôs como encaminhamentos: a realização de visita à Lapinha da Serra, para verificar as condições da outorga de uso da água; nova audiência em abril, para avaliar o processo de tombamento municipal, que deve ser concluído em março; e envio das notas taquigráficas da audiência desta quarta (3) para o Conselho, a Prefeitura e a Câmara Municipais de Santana do Paraíso; e o pedido à Comissão de Constituição e Justiça da ALMG para que acelere a apreciação do parecer sobre o PL 2.478/24.
Furnas e Peixoto
O deputado Professor Cleiton (PV) se manifestou favoravelmente à aprovação do PL 2.478/24 e também buscou desmistificar o tombamento: “Muita gente pensa que não vai poder fazer mais nada, mas no caso de um bem natural, como a Lapinha, é no sentido de preservação”.
Ele é autor da Emenda 106/20 à Constituição do Estado, a qual determina o tombamento dos reservatórios de Furnas e Peixoto para fins de conservação, prevendo níveis mínimos de água nos dois lagos. Lembrou que, à época, lidou com o lobby do setor elétrico e das agências reguladoras, que viam o tombamento como meio de impedir a geração de energia. “Mostrou-se que não era verdade: ao preservar o lago, contribuiu-se para maior geração de água e seu uso múltiplo”, comemorou ele, destacando que foram gerados cerca de 44 mil empregos no Sul de Minas.
A deputada Nayara Rocha (PP) defendeu a preservação do espelho d’água e da Lapinha da Serra e assegurou o seu apoio à aprovação do PL 2.478/24. Ela defendeu que é preciso cobrar da Gênesis Energia o fornecimento de documentos que comprovem as medidas de preservação da Lagoa da Lapinha.

