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Atingidos cobram participação e reconhecimento no Novo Acordo de Mariana

Comunidades questionam medidas indenizatórias e de reassentamento previstas na pactuação entre autoridades e as mineradoras envolvidas.

- Atualizado em 01/10/2025 - 15:25
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Quase uma década após o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (Região Central), a população diretamente atingida pela tragédia segue denunciando violações de direitos e a exclusão nos processos de reparação.

Em audiência pública da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce), realizada nesta quarta-feira (1º/10/25) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), representantes de comunidades, entidades sociais e assessorias técnicas apontaram falhas na condução e execução das medidas indenizatórias e de reassentamento previstas no novo acordo pactuado entre autoridades e as mineradoras envolvidas. A Samarco é controlada pela Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.

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Assinado em outubro de 2024, o Novo Acordo de Repactuação do Rio Doce, ou Novo Acordo de Mariana, modifica o sistema de compensação dos danos causados pelo rompimento da barragem no dia 5 de novembro de 2015. O foco da audiência desta quarta (1º) foram as ações previstas em quatro anexos, sob responsabilidade da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), pertencente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Representando o ministério, Adriana Aranha, gerente da Anater, explicou as ações de reparação sob responsabilidade do governo federal em 49 municípios de Minas e do Espírito Santos, envolvendo 2,5 milhões de pessoas.

A nova pactuação envolve um valor total de R$ 167 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões serão pagos pelas mineradoras ao poder público em 20 anos. A União ficará com R$ 29 bilhões, Minas, R$ 25 bilhões, e o Espírito Santo com R$ 14 bilhões.

Os quatro anexos discutidos tratam da reparação integral a povos e comunidades tradicionais (R$ 8 bilhões), do programa de transferência de renda para agricultores familiares e pescadores (R$ 3,7 bilhões), da retomada econômica dos territórios rurais (R$ 2,5 bilhões) e da contratação de assessorias técnicas independentes (R$ 698 milhões) e participação social.

Entre as comunidades tradicionais, já foram listados garimpeiros e faiscadores, pessoas que catam faíscas de ouro no material sem valor extraído junto com o minério.

A transferência de renda envolve o pagamento de um salário mínimo e meio por três anos e um salário mínimo por mais um ano. A quarta parcela, a ser paga a 13.778 pessoas, será quitada em outubro.

No programa de retomada econômica, R$ 272 milhões serão executados de 2025 a 2026, tendo como públicos prioritários, além dos povos tradicionais e agricultores familiares, mulheres e assentados da reforma agrária.

No que diz respeito ao último anexo, conselheiros de participação social já foram empossados e duas assessorias técnicas foram contratadas, de forma emergencial, para atuar em Mariana e Barra Longa. Até o final de outubro deve ser finalizada a contratação das outras assessorias.

Atingidos apontam lacunas do novo acordo

Em participação por vídeo, Mônica Teixeira, assessora da Associação Mineira das Escolas Família Agrícola, ressaltou que os atingidos não participaram da construção do novo acordo e continuam sendo vítimas de retaliações. Segundo ela, a Samarco não quer fazer o que é de sua responsabilidade e pessoas impactadas pelo rompimento, que moravam de aluguel, vão ficar sem moradia, enquanto os proprietários desses imóveis foram reconhecidos.

Também de forma virtual, Mauro Silva, representante da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, reforçou que a intervenção das empresas tem dificultado a implantação dos programas de repactuação e criticou as indenizações propostas, de R$ 35 mil. “Este valor está muito aquém do que foi tirado das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu e da zona rural de Mariana”, denunciou.

O atingido Marino D'Angelo Júnior questionou os critérios de acesso ao programa indenizatório definitivo (Pidi), como ter o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), o qual exige uma renda anual dos produtores. Isso porque muitos dos atingidos ainda não conseguiram retomar sua produção e não conseguem preencher os requisitos. Para dar uma dimensão do impacto da tragédia, ele citou o próprio exemplo: a sua produção de quase mil litros de leite por dia se reduziu a cerca de 150 litros.

Representantes do Conselho Federal de Participação Social do Rio Doce também manifestaram preocupação. Valeriana Sousa relatou que o Programa de Transferência de Renda (PTR) não alcançou pequenos produtores e trabalhadores informais. Já Lanla Maria Almeida pontuou que os atingidos também não participaram da formulação dos planos de trabalho das assessorias técnicas. “Não existe reparação onde quem sofreu danos está de fora”, advertiu.

Por sua vez, Rodrigo Vieira, da assessoria técnica Cáritas, contratada para auxiliar no território de Mariana, salientou a morosidade para a reparação integral – a tragédia ocorreu há 10 anos e a nova pactuação prevê mais 20 anos para o pagamento dos R$ 167 bilhões acordados como compensação.

Ele foi mais um a questionar a forma de determinar quem são os povos e comunidades atingidos e cobrou um prazo indeterminado para o programa de transferência de renda, que no seu entender deveria durar até a completa reativação econômica das localidades impactadas e o restabelecimento do seu modo de vida.

Parlamentares exigem transparência na aplicação dos recursos

Autor do requerimento para a audiência, o deputado Leleco Pimentel (PT) cobrou do Governo de Minas a apresentação do plano de governança dos R$ 25 bilhões sob sua administração, a exemplo do que fez o Estado do Espírito Santo.

O deputado Celinho Sintrocel (PCdoB) chamou a atenção para a necessidade de acompanhamento e fiscalização dos recursos repassados ao Estado e aos municípios. R$ 562 milhões já caíram na conta das prefeituras e R$ 2,6 bilhões, nos cofres do Executivo estadual.

A deputada Andréia de Jesus (PT) demonstrou preocupação com a contratação de empresas terceirizadas para a construção dos protocolos de consulta das comunidades tradicionais atingidas. De acordo com a parlamentar, os protocolos deveriam ser construídos pelas próprias comunidades.

A 1ª vice-presidente da ALMG, deputada Leninha (PT), lamentou que, após 10 anos, muitas pessoas não conseguiram ainda reestruturar sua atividade produtiva. “Isso é sério. Não podemos deixar ninguém para trás”, concluiu.

Thaís Villas Boas, superintendente da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), explicou que está sendo desenhada uma instância de participação social com os 11 representantes das comunidades atingidas eleitos para o Conselho Federal de Participação Social.

Ela informou, ainda, que está em andamento a criação de um portal único do novo acordo, que aglutinará em um só local todas as informações relevantes sobre o processo de reparação, para consulta da população atingida e toda sociedade civil.

CIPE Rio Doce - debate sobre o novo acordo de Mariana

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