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Artistas protestam contra fim do espetáculo .m.a.n.i.f.e.s.t.a.

Denúncia de censura, de perseguição a servidores e de desmonte geral da cultura no Estado também pautaram a reunião.

12/04/2023 - 20:03
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Audiência da Comissão de Cultura destinada a debater possível censura do Executivo mineiro contra o espetáculo “.m.a.n.i.f.e.s.t.a.”, da Companhia de Dança do Palácio das Artes, tornou-se palco de denúncias mais amplas de desmonte da cultura no Estado. O debate ocorreu nesta quarta-feira (12/4/23), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a requerimento das deputadas Lohanna (PV), Andreia de Jesus (PT) e Macaé Evaristo (PT).

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Criação coletiva inspirada nos manifestos Pau-Brasil e Antropófago, de Oswald de Andrade, “.m.a.n.i.f.e.s.t.a.” estreou em novembro do ano passado, em duas apresentações consideradas de grande sucesso. A companhia comemorou 50 anos com esse espetáculo, que também marcou o centenário da Semana de Arte Moderna, de 1922.

A atração tinha previsão para ser reapresentada em março deste ano, mas houve o cancelamento das datas e a exoneração do diretor da companhia de dança, Cristiano Reis. Tanto à época quanto na audiência, integrantes da companhia apontaram motivação política e possível ato de censura do Governo do Estado.

“Algo na criação e na repercussão do espetáculo incomodou esta gestão. Desde o início nos foi sugerido corte nos cachês e realização da peça sem figurino”, apontou Marise Dinis Sousa, diretora do espetáculo. Segundo ela, a Fundação Clóvis Salgado (FCS), gestora do Palácio das Artes e de seus corpos artísticos, age desconsiderando os percursos dos profissionais, muitos deles lotados há anos no local.

Em entrevista fora da audiência, o agora ex-diretor da companhia, Cristiano Reis, explicou os possíveis motivos para a interrupção do espetáculo. Segundo ele, “.m.a.n.i.f.e.s.t.a.” buscou atualizar o movimento modernista para os dias atuais.

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Governo nega interferência

Ainda em março, a FCS divulgou nota em que afirma que o contrato determinava apenas duas apresentações do espetáculo, em novembro de 2022 e que, havendo disponibilidade de recursos, ela poderia ser remontada.

Também segundo a nota da Fundação, a exoneração de Cristiano Reis foi motivada pela necessidade de reorganização e reestruturação administrativa, com vista à racionalização de recursos. As exonerações, segundo a FCS, ocorreram também em outras pastas.

Na audiência, Kátia Marília Silveira Carneiro, chefe de gabinete da FCS, salientou a limitação de recursos da área, mas enfatizou que o espetáculo “.m.a.n.i.f.e.s.t.a.” recebeu, inclusive, um acréscimo de R$ 50 mil, além dos R$ 150 mil iniciais, para que o trabalho fosse feito com “liberdade e robustez”. Segundo ela, a peça nasceu de convênio com o Ministério Público para obras com o tema do modernismo.

Já Cristiano Reis reiterou que trabalhou por mais de 22 anos na fundação e, por 15 anos, fez audições mensais. “Não sou artista de uma gestão”, ponderou. Ele também denunciou falta de cuidado não só com a Companhia de Dança, mas com o Palácio das Artes e com a cultura de um modo geral. “Conheço cada lâmpada queimada, cada teto caindo daquele lugar. E amo aquele lugar”.

Entre os vários requerimentos aprovados na audiência, um de autoria de Lohanna e Bosco (Cidadania), prevê visita às instalações do Palácio das Artes. A deputada também criticou a ausência do secretário de Cultura, Leônidas Oliveira, que informou que não viria, mas não enviou representante. “Defendo a convocação de secretário que não comparece”, avisou.

Disponível no YouTube

O “.m.a.n.i.f.e.s.t.a.” também foi disponibilizado no YouTube do Palácio das Artes. Mas para Marise Dinis, a decisão da FCS de publicar a peça e também de “cavar” uma nova apresentação em Poços de Caldas (Sul de Minas), no próximo mês de julho, só ocorreu depois da repercussão do caso e foi tomada sem diálogo com as diretoras de espetáculo. “Soubemos pela internet”, reforçou Kenia Dias, a outra diretora.

Segundo Kênia, poucos dias antes da estreia do manifesto, ainda havia dúvida se isso ocorreria, em função da pressão pelo corte de recursos. Ela apontou que uma série de acontecimentos e de falas indicam uma ação em rede.

Em um dos casos citados, a assessora artística da FCS, Cláudia Malta, teria oferecido o cargo de diretor ao artista Tuca Pinheiro desde que ele excluísse de suas redes sociais críticas ao ex-presidente Bolsonaro.

Após ouvir os convidados, a deputada Lohanna também avaliou que houve censura e acontecimentos em rede. Ela anunciou que fará denúncia ao Ministério Público sobre o caso envolvendo Cláudia Malta. A servidora foi convidada para a audiência, mas enviou representante que não tratou desse assunto. Tuca também foi convidado, mas não compareceu.

Desmonte da cultura estaria em curso

Outro participante que apontou desmonte na cultura foi Lourival Reis Júnior, o Munish, diretor de teatro, coordenador de coletivos culturais e membro do Fórum Estadual de Cultura. Segundo ele, Leônidas Oliveira foi secretário de Bolsonaro por um curto tempo e faz uma gestão ideológica.

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Para o diretor, a fusão das Secretarias de Cultura e de Turismo na atual Secult deu início ao desmonte. “Zema nem sabe quem é Adélia Prado, a maior poeta mineira viva. É um vexame para Minas Gerais”, frisou.

O deputado Leleco Pimentel (PT) salientou que está em discussão a entrada da Secretaria de Esporte nesse grupo. “É para arrepiar o resto dos cabelos”, avaliou. Ele ainda criticou demissões que considerou arbitrárias na Rádio Inconfidência, também ligada à pasta da Cultura.

Já o deputado Bosco defendeu o diálogo e o esclarecimento dos fatos, com a escuta a todos os envolvidos. “Não podemos fazer julgamento de forma antecipada. É precoce falar em censura. A secretaria está procurando acertar, valorizar e descentralizar a cultura”, afirmou.

Comissão de Cultura - debate sobre o cancelamento do espetáculo m.a.n.i.f.e.s.t.a da CIA de dança do Palácio das Artes
“O que ele trouxe? O que sugeriu? E o que ficou em off, não apareceu? Então vieram questões sobre os negros, sobre a democracia, sobre a representatividade."
Cristiano Reis
Ex-diretor da companhia
“É uma tragédia o que estamos vivendo, uma destruição da cultura por dentro e por fora. E o Conselho não consegue diálogo com ele.”
Lourival Reis Júnior
Diretor de teatro

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