Água é uma das principais demandas da etapa do Fórum Minas sem Miséria
Encontro realizado em Araçuaí reuniu mais de 200 pessoas para debater estratégias de enfrentamento da fome.
- Atualizado em 10/10/2025 - 18:02A exploração histórica de recursos minerais e humanos, além dos efeitos mais recentes das mudanças climáticas foram mencionados como as principais causas da miséria na região dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Nesta sexta-feira (10/10/25), mais de 200 pessoas estiveram em Araçuaí para participar do encontro regional do Fórum Técnico Minas sem Miséria.
O evento foi realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a partir de uma demanda da presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Bella Gonçalves (Psol). Durante o dia, autoridades do Executivo e Legislativo locais, cientistas e líderes de movimentos sociais apresentaram sugestões para compor o Plano Mineiro de Combate à Miséria.
Embora esteja previsto na Lei 19.990, de 2011, ele ainda não foi elaborado. Além de reunir subsídios para redigir o documento capaz de direcionar a implementação de políticas públicas, o fórum tem sido um momento para cobrar melhor aplicação do Fundo de Erradicação da Miséria (FEM), criado pela mesma norma.
Com R$ 1 bilhão por ano, o recurso deveria estar custeando programas e ações de erradicação da pobreza e da extrema pobreza. Porém, segundo Bella Gonçalves, 50% desse dinheiro tem sido aplicado em outras finalidades.
A parlamentar afirmou que, além de ajudar a fiscalizar o uso da verba, as pessoas têm o direito de contribuir com estratégias para combater a miséria. “O plano de enfrentamento da miséria deveria ser o plano de qualquer governante, o centro da elaboração de políticas públicas”, enfatizou a deputada.
“Para produzir alimento, precisamos de água”, destacou vereadora
Para o auditor do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), Marlúcio Torres, o enfrentamento da miséria exige transparência e eficácia da gestão pública. Também presente no encontro, o deputado Doutor Jean Freire (PT) exaltou a manifestação de interesse dos participantes.
“A erradicação da miséria é a pauta basilar do estado democrático de direito”, pontuou o prefeito de Itinga, Bosquinho (PSD). A secretária de Desenvolvimento Social de Araçuaí, Gilvania Neiva, elogiou a iniciativa da ALMG de realizar encontros regionais. “É bom que vocês venham conhecer essa realidade dura, agravada pelas mudanças climáticas”, afirmou.
Conforme o prefeito de Virgem da Lapa, Dim Passarinho (PT), a miséria é uma questão de escolha política, direcionando investimentos públicos a determinados locais em detrimento de outros. Abastecimento de água e saneamento básico, listou, são as principais carências da região.
“Para produzir alimento, precisamos de água”, destacou a vereadora de Araçuaí, Shyrlei Rodak (PT). Segundo ela, é necessário fomentar a agricultura familiar e, para isso, a principal medida é reduzir a escassez hídrica.
A presidente da Comissão das Comunidades Quilombolas do Vale do Jequitinhonha (Coquivale), Rosaria Costa, lamentou os estragos provocados pela mineração e monocultura do eucalipto. “Parece que o povo indígena e quilombola não existe”, reclamou o representante da etnia Aranã, Osmar Marcelino.
A professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Aline Stocco, mencionou iniciativas desenvolvidas entre academia e movimentos sociais. Por meio do projeto Mulheres camponesas & cadernetas agroecológicas, foi realizado um monitoramento da produção de 21 agricultoras.
Durante um ano, elas geraram mais de R$ 85 mil de renda oriundos do consumo próprio, da troca, da doação e da venda do que cultivaram no período. “Essas mulheres mostram como a gente enfrenta a miséria: com os quintais das nossas casas”, elogiou. No entanto, lastimou que as produções estejam sendo prejudicadas pela falta de água.
Mais de 2 milhões de pessoas sofrem com a pobreza extrema em Minas
Na abertura do fórum, Bella Gonçalves reproduziu um vídeo com o depoimento do presidente da ALMG, deputado Tadeu Leite (MDB). De acordo com os dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), apresentados por ele, em junho de 2024, havia 2,3 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema em Minas.
Desse total, 826 mil estavam convivendo com a insuficiência de renda agravada por precárias condições de habitação, saneamento básico, educação e trabalho. “Os números da Sedese expõem o desafio de erradicar a extrema pobreza”, reconheceu.
Porém, ele lembrou que a criação do FEM foi aprovada no contexto do Seminário Legislativo Pobreza e Desigualdade, promovido pela Assembleia em 2011. Por isso, acredita nas iniciativas para dar visibilidade a grupos que sofrem mais com a pobreza, como povos de comunidades tradicionais e juventudes periféricas, e regiões mineiras, a exemplo de Norte e Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Abastecimento e gestão comunitária estão entre as propostas
Ao longo da tarde, participantes do fórum se reuniram em grupos de trabalho para discutir e priorizar cinco propostas sobre os cinco eixos temáticos. Entre as sugestões a serem defendidas na etapa estadual, estão:
1 Soberania e segurança alimentar e nutricional
- Criar um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) estadual
- Disponibilizar energias renováveis e tecnologias sociais para promover o acesso à água
- Incentivar a implantação de hortas comunitárias e criar cozinhas solidárias
2 Trabalho digno e educação
- Assegurar recursos financeiros para possibilitar o acesso e a permanência nas instituições de ensino
- Fortalecer parcerias com instituições de pesquisa para desenvolvimento das capacidades locais
- Garantir acesso ao crédito rural, reforma agrária, assistência técnica e extensão rural
3 Diversidade, assistência social e saúde
- Cofinanciar residências inclusivas por regional
- Criar programas intersetoriais por meio dos Pontos de Cultura
- Aumentar percentualmente o Piso Mineiro, levando em conta a diversidade e a equidade
4 Moradia, território e meio ambiente
- Providenciar regularização fundiária de territórios tradicionais, com emissão de certificação e titulação
- Desenvolver política de atendimento integrado ao povo Maxakali
- Priorizar mães solo, população LGBTQIAPN+ e famílias em situação de violação de direitos no acesso à moradia
5 Controle social e governança do FEM
- Assegurar monitoramento do Plano de forma anual
- Criar um portal de transparência do FEM
- Destinar recursos do FEM para os fundos municipais acompanhados pelos conselhos
No fim, houve a eleição de seis representantes para participar da etapa estadual no próximo ano.
Próximo encontro ocorre em Betim (RMBH)
Para entender as necessidades dos territórios, a ALMG realizou, além do encontro em Araçuaí (Jequitinhonha/Mucuri), reuniões regionais em Juiz de Fora (Zona da Mata) e Uberlândia (Triângulo). A próxima vai ocorrer em Betim (RMBH) no dia 7 de novembro.
Na consulta pública disponibilizada no Portal da Assembleia, mais de 80 propostas foram recebidas. O envio de demandas pela internet possibilitou a participação de pessoas que não puderam comparecer presencialmente aos debates.
O Fórum Técnico Minas sem Miséria é uma parceria da ALMG com mais de 70 entidades da sociedade civil e poder público. Na etapa final, no início do próximo ano, representantes dos encontros regionais vão discutir e priorizar propostas já levantadas.
Posteriormente, um comitê eleito vai analisá-las na plenária final. O grupo poderá recomendar ao Poder Legislativo mineiro a produção de requerimentos, projetos de lei, emendas a proposições em tramitação ou sugestões ao orçamento do Estado, com foco no combate à miséria.

