DEPUTADA BELLA GONÇALVES (PSOL)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 04/04/2025
Página 32, Coluna 1
Indexação
18ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 2/4/2025
Palavras da deputada Bella Gonçalves
A deputada Bella Gonçalves – Boa tarde a todas as pessoas, aos deputados, às deputadas, aos trabalhadores da Assembleia, a quem nos escuta das galerias e também a quem nos acompanha de casa.
Eu queria trazer alguns temas ao Plenário hoje. O primeiro tema se refere aos 61 anos do Golpe Civil-Militar, completados no dia de ontem. Nós realizamos, na segunda feira, dia 31 de março, uma importante homenagem à ministra Macaé Evaristo, seguida de homenagem às defensoras e aos defensores de direitos humanos – na verdade, às mulheres que, hoje, têm a sua vida ameaçada por fazerem a defesa de territórios frente à mineração, ao agronegócio, e por defenderem os direitos humanos frente à violência policial. Hoje há mais de quarenta mulheres inseridas no PPDH – Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos –, que precisam de mais estrutura para ter a sua vida assegurada. O programa tem sido muito eficaz e conseguiu resguardar muitas vidas, mas a gente sabe que a violência e a perseguição a defensores de direitos humanos perduram até hoje.
Foi muito importante celebrar a vida dessas mulheres e chamar a atenção para a necessidade de preservação da vida dessas mulheres. Esse é um compromisso muito importante da nossa ministra Macaé Evaristo. No dia seguinte, dia 1º de abril, data em que o Golpe Civil-Militar completou 61, nós acordamos com a notícia de que o antigo Dops, que já deveria ser o memorial da verdade, memória e justiça da ditadura, estava ocupado por movimentos sociais que denunciam o fato de que o espaço está fechado para visitações, para pesquisadores, para a sociedade, desde, pelo menos, 2018, período da transição do governo Pimentel para o governo Zema.
Nós sabemos que a luta, a defesa da democracia é uma constante. E, nesses nossos tempos, é cada vez mais atual a discussão sobre as tentativas de golpe que ainda perduram, como as ações do 8 de janeiro que estão sendo julgadas no STF, com possibilidade, inclusive, de responsabilização e prisão do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. É importante que a gente não permita nenhum tipo de atentado contra a democracia. E defender a democracia é garantir que a memória seja viva. Essa ação que aconteceu em Belo Horizonte foi muito importante.
Desde ontem, eu venho acompanhando a ocupação do antigo Dops. Hoje, eu estive lá, na hora do almoço, e pude visitar as suas dependências. De fato, nós temos lá um patrimônio mineiro tombado, a memória da tortura, da dor e da violência, que compreende salas de tortura que eram verdadeiros anfiteatros, onde se podia assistir à tortura de muitas pessoas, de mulheres que tiveram suas vidas retiradas, que tiveram seus mamilos arrancados e que foram estupradas na frente dos seus filhos. Eram cenas de violência que eram vistas, Betão, por patrocinadores do Golpe Civil-Militar empresarial. Empresários de grandes corporações assistiam às cenas de tortura. E lá podemos ver intacta essa sala, assim como podemos ver outra sala em que um tanque de afogamento está instalado. Antes eram ganchos. As pessoas eram colocadas no tanque de afogamento e eram desidratadas numa espécie de sauna nesse lugar. E tudo era feito em uma zona de espetáculo, com bancos e uma churrasqueira que era utilizada para entretenimento dos militares, enquanto as sessões de tortura continuavam.
Esse espaço, gente, precisa ser imediatamente aberto. A gente precisa ter direito a visitar esse espaço. Eu nunca tinha tido a oportunidade de ver um espaço da ditadura militar tão grotesco como tive a oportunidade de ver hoje, em função da ocupação. E é por isso que nós queremos conversar com o governo do Estado sobre a possibilidade de abertura daquele espaço para visitações e para pesquisas de historiadores e arqueólogos. Esperamos também que possamos ter uma resolutiva sobre a abertura do memorial. Conversamos com a secretária, que deve estar conosco na Comissão de Direitos Humanos, e esperamos tirar dali algum encaminhamento concreto para que esse espaço tenha vida e possa resguardar a memória, a verdade e a justiça do que foi a ditadura militar.
A deputada Beatriz é uma das deputadas que sempre destinam emenda para lá. Bia, eu fiquei sabendo que hoje o sinteco está brilhando, em função de emendas suas, e que o telhado foi trocado, em função de emendas suas. Quero dizer que a gente fiscalizou também a aplicação desse recurso. Pelo estado em que o pessoal encontrou o local, parece que já não havia limpeza nem nenhum tipo de manutenção há vários meses ou, quem sabe, há mais de um ano, o que revela a importância de conseguirmos combater o descaso e o abandono daquele espaço. Então esse é o primeiro tema que eu queria trazer hoje. Espero que consigamos, na Comissão de Direitos Humanos, realizar uma visita técnica, uma audiência pública com familiares para garantir a reabertura desse espaço, que é muito importante não só para Minas Gerais, mas também para o Brasil, especialmente em tempos de ataque à democracia.
O segundo tema que eu queria trazer ao Plenário é meu repúdio à fala do governador, Romeu Zema, contrária aos pequenos agricultores e ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra. Todo mundo viu que, no início da semana, ele colocou um boné verde, repetindo aquela baboseira que ele tinha falado há um tempo, que Minas Gerais seria “Agro Gerais”. Não sei o que ele falou exatamente, mas foi algo do tipo. Ele atacou, mais uma vez, o movimento legítimo e justo de luta pela reforma agrária. Por que falo isso? Porque hoje, no Brasil, a gente vive – e é verdade que a gente vive – uma crescente alta nos preços dos alimentos. Há um esforço nacional generalizado para se reduzir o preço dos alimentos. Os governos dos estados também são convocados a participar, reduzindo ou, se possível, zerando o ICMS sobre os itens da cesta básica. Pois bem. Em meio a um movimento nacional preocupado com a redução do preço dos alimentos, o governador, há duas semanas, aumenta o imposto sobre a carne, o leite, aumenta o ICMS sobre uma série de produtos, indo no contrafluxo das medidas econômicas que vêm reduzir o preço dos alimentos. E isso quando ele pega uma banana com casca, come e quase zomba da situação da população que vive com a alta do preço dos alimentos e com a insegurança alimentar.
Enquanto isso, por outro lado, há pessoas que estão preocupadas em produzir alimentos, em vender alimentos de qualidade, sem agrotóxicos, que cheguem diretamente à população. Essas pessoas enfrentam a pobreza no campo, uma vez que grande parte da pobreza e da fome no Brasil está ainda na zona rural, e também fornecem às nossas cidades, aos grandes centros urbanos, alimento de qualidade. São os movimentos sociais, como o MST, que têm feito isso. E é por isso que a urgência do debate sobre a reforma agrária não pode ser desconsiderada e tratada dessa forma.
A família do governador tem sido investigada por invasão de terras. E eu gostaria, mais uma vez, de relembrar, Betão, a diferença entre invasão e ocupação. Foi uma coisa que aprendi há muitos anos, no movimento social. Quando você está numa casa, alguém entra na sua casa, tira você de lá de dentro e assume essa casa à força, para vendê-la ou para qualquer outra coisa, a pessoa está invadindo a sua casa. Concordam? Agora, se a gente tem uma casa absolutamente vazia, abandonada, que não tinha nenhuma utilização, que estava com um monte de lixo e abandono, e alguém defende a ocupação desse espaço, há uma previsão constitucional para isso, porque toda propriedade tem que cumprir uma função social. Quando o movimento social ocupa uma terra que não está produzindo, que está com um histórico de dívidas trabalhistas, que está com um histórico de trabalho análogo à escravidão, que está com um histórico de destruição ambiental, o que ele está fazendo é uma ocupação, diferentemente de uma situação em que a família do governador, sem precisar, faz a invasão de um espaço, pelo que tudo indica – pelo menos as investigações indicam – para garantir lucro próprio. É muito importante que consigamos estabelecer a diferença e mostrar aqui que nós também somos contra as invasões. A terra precisa ser distribuída para gerar alimentos, para gerar moradia, para gerar vida.
A gente não pode ter, permanentemente, atividades de grilagem, apropriação e venda indevida, que são feitas, em geral, pelas famílias poderosas deste estado, em especial por aquelas que detêm algum tipo de poder. Todo mundo sabe que a história de Minas Gerais é de roubo das chamadas terras devolutas do Estado pela grilagem, expulsando comunidades tradicionais, expulsando comunidades quilombolas, geraizeiras, para gerar depois grandes fazendas de eucalipto, como é o caso da Floresta Minas, no Norte de Minas. Aquilo é uma invasão, aquilo é uma invasão. Pegar uma terra devoluta onde tem gente morando, produzindo e vivendo e transformar aquilo num fazendão do agronegócio é invasão. Realmente é importante que a gente consiga diferenciar isso. Eu não podia deixar de fazer esse contraponto à fala do governador e explicitar alguns conceitos que eu não estou inventando, que estão na Constituição Federal e que são estudados longamente por vários pesquisadores, por juristas e pela sociedade como um todo.
O terceiro tema que eu queria trazer para cá é o meu apoio à greve, ao breque dos entregadores de aplicativos. Hoje o trabalho realizado pelos entregadores do iFood e de outros aplicativos é comparado à servidão. É uma servidão moderna. Há trabalhadores arriscando suas vidas, em condições péssimas de trabalho; trabalhadores que não estão trabalhando como autônomos, estão, sim, servindo a um aplicativo que obtém lucros milionários, bilionários, internacionais, e estão recebendo menos de R$10,00 por corrida. Nós vemos um descaso completo dessas plataformas de aplicativo no diálogo com o Estado brasileiro sobre a necessidade de construção de um posto para que os trabalhadores tenham um banheiro pelo menos, para que tenham um espaço de descanso. Não há fiscalização, inclusive em relação à segurança desses trabalhadores. É por isso que a organização dos entregadores de aplicativos e as greves, as chamadas breques dos APPs, são tão importantes. Nesta semana aconteceu paralisação em 49 cidades brasileiras; a maior delas ocorreu em São Paulo, mas também aconteceu em Belo Horizonte. Eu acho importante que a gente consiga se somar neste debate para enfrentar essa forma de escravidão moderna ligada aos aplicativos e aos lucros extraordinários, em comprometimento com a vida dos entregadores.
Por falar na vida dos entregadores, deixo aqui o meu repúdio ao fechamento e ao anúncio, hoje, da entrega do Hospital Maria Amélia Lins. Ontem, eu e a deputada Beatriz estivemos até tarde – ela até mais tarde do que eu – lutando contra o fechamento e a precarização de um serviço de urgência que atende a toda a população. Mas há um perfil ali: a quantidade de trabalhadores de aplicativos, os chamados motoboys, a quantidade de trabalhadores precarizados que se acidentam em função desse sistema capitalista, que é uma máquina de moer gente, não é brincadeira! E quando a gente tem o SUS construindo um hospital de referência, o Complexo João XXIII, para conseguir dar o mínimo de assistência a essas pessoas, que já não recebem seguros, que muitas vezes são incluídos nos direitos trabalhistas gerais, porque não têm essa previsão hoje como motoristas de aplicativos, o Estado vai lá e simplesmente fecha e sucateia um hospital que era um anteparo fundamental do João XXIII para a realização das cirurgias de segundo e terceiro tempo.
Nós esperamos ainda que a Justiça possa julgar a ação civil pública da promotora Dra. Josely, que fez uma ação muito bem fundamentada explicitando como médicos, enfermeiros, técnicos e usuários revelam que, de dezembro do ano passado até agora, para agora, início de abril, o que aconteceu foi um massacre contra as pessoas que precisam do atendimento do SUS.
Mais de cem cirurgias foram desmarcadas, mais de cento e cinquenta cirurgias foram transferidas em função da decisão do governo do Estado de fechar o Hospital Maria Amélia Lins. Eu ainda tenho esperança de que possamos reverter esse processo, mas é importante abrirmos os olhos porque o fechamento desse hospital tão fundamental, do qual, inclusive, nasceu o João XXIII, pode ser – e parece que é – só a ponta do iceberg da tentativa de desmontar toda a rede Fhemig. Falei de muitos assuntos, mas o fiz porque havia muita coisa, presidenta. Vamos à luta. Uma boa tarde para todo o mundo.