Na luta por justiça, Andresa encontra um pouco de conforto em meio às lembranças do filho Bruno
Para Andresa, as famílias não conseguirão sair do dia 25 de janeiro, até que todos os corpos sejam encontrados
Solange trabalha com Andresa há oito anos e também perdeu o genro na tragédia

Dor e amor mobilizam familiares das vítimas de Brumadinho

Parentes lutam pelo resgate dos 11 corpos que ainda restam sob a lama e exigem a punição dos responsáveis pelo crime.

Por Ligia Coelho
21/01/2020 - 15:54

Na estante, imagens de Nossa Senhora Aparecida revelam a devoção pela padroeira do Brasil; sobre a cama, a mãe estende lembranças, cartas, fotos, álbuns de formatura e a bandeira do time local, o Oriente; a um canto, o violão, precocemente silenciado.

Um ano depois do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (Central), que vitimou 272 pessoas (incluindo dois bebês em gestação), o quarto de Bruno Rocha Rodrigues, em sua casa, no município vizinho de Mário Campos, permanece do mesmo jeito que estava no dia 25 de janeiro de 2019. Naquela data, o jovem de 26 anos saiu para o seu último dia de trabalho na unidade da mineradora Vale.

“Tenho conforto em sentar aqui e olhar as coisas do Bruno. Meu filho tinha que voltar para essa casa, ele saiu daqui saudável, lindo”, lamenta a mãe, a vereadora e professora Andresa Rodrigues, uma das líderes do movimento dos familiares das vítimas. Apesar da dor, desde a tragédia que se abateu sobre sua família, Andresa tem se dedicado incansavelmente à busca dos corpos das pessoas ainda não encontradas, 11, atualmente. “O combustível que nos move é o amor e a dor”, diz.

“Não saímos do dia 25 de janeiro de 2019. Enquanto tiver um corpo na lama, permaneceremos lutando. Queremos resgatar cada uma de nossas joias”, afirma Andresa, que foi mãe muito jovem, aos 14 anos e, por isso, via em Bruno não apenas o filho único, mas também um amigo especial.

Ela e o marido passaram 105 dias à procura do corpo de Bruno, encontrado no dia 4 de maio de 2019, véspera do aniversário de Andresa. A missa de sétimo dia, recorda com tristeza, foi no Dia das Mães.

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Valor da vida - Joia é como os familiares das vítimas de Brumadinho se referem aos parentes que pereceram no rompimento da barragem. O termo foi adotado por eles – explica Andresa – em resposta ao então presidente da Vale, Fabio Schvartsman, que, em depoimento no Congresso, usou a palavra para se referir à importância econômica da empresa.

Como primeira-secretária da Associação dos Familiares das Vítimas dos Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão (Avabrum), ela contrapõe que as verdadeiras joias são as vidas humanas. “Nossa perda não tem reparação. Quanto vale a vida?”, indaga Andresa, que desde a morte do filho vive sob o efeito de medicação controlada.

Bruno era técnico em mineração e graduado em Engenharia de Produção. Estagiou por dois anos em unidade da Vale, em Sarzedo e, ao morrer, tinha sido efetivado pela empresa há apenas oito meses. A mãe conta que, na primeira semana, viveu como autômata. Até que um dia sonhou com o filho, que pedia que ela fosse buscá-lo. A partir daí, não mais descansou, engajando-se na luta pelo resgate de todos os que pereceram sob a lama.

Os familiares das vítimas não usam o termo desaparecido para se referir às pessoas ainda não encontradas. Segundo Andresa, a palavra não se aplica porque as pessoas não desapareceram, seus corpos é que não foram ainda resgatados.

“Sabemos onde estão os corpos, sob a lama”, lamenta. “Por isso, não descansaremos enquanto não encontrarmos todos”, afirma, confiante na ação dos bombeiros, que se comprometeram a continuar as buscas até achar todos. “Quando os bombeiros resgatam um corpo, resgatam também a família”, diz ela.

Os parentes dos não encontrados se reúnem semanalmente com os bombeiros e técnicos do Instituto Médico Legal (IML), para atualizar informações. Eles contam também com a ajuda do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Arquidioceses de Belo Horizonte, entre outros órgãos e instituições.

Ação da Assembleia é elogiada

Andresa destaca também a ação dos deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), por meio da CPI da Barragem de Brumadinho, a Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Parlamento mineiro, para investigar o episódio, logo após o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão.

Para ela, o trabalho da CPI e a criação de uma lei mais rigorosa, aprovada na Assembleia para garantir a segurança de quem vive próximo às barragens, em Minas Gerais, estão entre os avanços obtidos pelos familiares das vítimas.

“Vi muitos deputados comprometidos com a vida e com a nossa causa, independentemente de partidos”, afirma Andresa, que elogia o relatório da CPI, apontando culpados e pedindo a sua punição. “Esperamos que o Ministério Público aceite as recomendações do relatório e responsabilize as pessoas”.

A primeira-secretária da Avabrum afirmou ainda que a partir de fevereiro, quando forem retomados os trabalhos legislativos, a associação vai prosseguir acompanhando as ações do Grupo de Trabalho da Barragem de Brumadinho, instituído pelo Legislativo estadual após o encerramento da CPI, com o objetivo de monitorar as ações policiais, do Ministério Público de Minas Gerais, do Poder Judiciário e as medidas de reparação que devem ser cumpridas pela Vale.

Nesta terça-feira (21), a Assembleia lançou um hotsite com todos os conteúdos relativos ao trabalho da CPI e das demais comissões da ALMG na discussão e apuração dos fatos relacionados à tragédia.

Construção de Memorial também é prioridade

Além de encontrar os 11 corpos que restam, os familiares das vítimas apontam ainda duas outras prioridades – a condenação das pessoas responsáveis pelos crimes e a construção do memorial em honra das vítimas.

Neste sábado (25/01/20), quando se completa um ano da tragédia, familiares e amigos das vítimas farão uma romaria até o local onde se pretende construir o Memorial, em Brumadinho, para colocação da pedra fundamental.

Na quinta-feira (23), uma cerimônia em homenagem à memória das vítimas também será realizada no Espaço Democrático José Aparecido de Oliveira, na ALMG, às 17 horas. Na ocasião, será instalada uma placa na Praça Carlos Chagas, com os nomes de todas as vítimas. 

“É preciso honrar as vítimas com um monumento que guarde a história, para que casos como o de Brumadinho não mais se repitam”, afirma Andresa, lembrando que só no pequeno município de Mário Campos, onde vive, 20 pessoas morreram na tragédia.

Entre essas vítimas, além de seu filho Bruno, pereceu também o genro de sua empregada, Solange Aparecida Teixeira Miranda. Fauller Douglas da Silva Miranda tinha 29 anos e era funcionário de uma empresa terceirizada da Vale. Ele era casado com a filha de Solange há quatro anos e deixou um filho de dois anos, Davi Lucas.

“Tem sido muito difícil para mim”, conta Solange, afirmando que, em casa, lamenta a perda do genro e se entristece pela filha viúva e pelo neto órfão e, no trabalho, sente a falta de Bruno, filho de Andresa. "Era como um filho para mim", diz.

Esta é a primeira matéria de uma série especial, que marca um ano da tragédia de Brumadinho.