As ocupações em Minas contra as reformas no ensino médio se inspiraram nas paulistas (foto), quando jovens lutaram contra proposta do governador
Laura Lemos se orgulha do seu colégio, o Estadual Central, que sempre foi palco de resistência da juventude
Depois do golpe que instaurou a ditadura, a sede da UNE foi incendiada
Marcha dos Cem Mil, em 1968, no Rio. Estudantes protestavam contra a ditadura e a privatização do ensino
Mobilização política de jovens em Minas é fortalecida em 2016

Movimento estudantil é protagonista na história brasileira

Com representantes de ideologias de direita e esquerda, jovens participam ativamente dos debates nacionais.

Por Natália Martino
23/08/2017 - 09:00

Toca o sinal da escola. Para muitos estudantes, não é a deixa para se dirigir à sala de aula e sim a hora de acordar, ir ao banheiro mais próximo, escovar os dentes e se reunir com os colegas para definir as atividades do dia. Foi assim em muitas das mais de 100 escolas ocupadas em Minas Gerais em meados do ano passado.

A Escola Estadual Governador Milton Campos, ou Estadual Central para os íntimos, na Capital, foi a primeira delas. Os alunos tomaram conta do espaço escolar, sem impedir que as aulas acontecessem, por mais de três meses.

Laura Lemos era uma das estudantes que fizeram parte do movimento e conta que, no início, ninguém acreditava que eles realmente fariam isso. Tiveram que aceitar a realidade quando viram os jovens dormindo, tomando banho e cozinhando na escola.

As ocupações foram protestos contra medidas propostas pelo governo federal que atingiam em cheio a juventude. Foram a manifestação da vontade de participar dos debates e das mudanças políticas e econômicas do País. "O desejo é de mudar muito mais do que a escola", resume Laura.

A participação da juventude nas lutas políticas é histórica e uma das suas formas mais emblemáticas de organização é no movimento estudantil. Da luta pela nacionalização do petróleo, ainda no governo Getúlio Vargas (1951-54), às reivindicações atuais, passando pela atuação durante a ditadura militar (1964-85), esses movimentos fazem parte da história do País.

É por isso que encerramos a série especial que marca a Semana Estadual das Juventudes com os desafios e as conquistas do movimento estudantil.

Instituída pela Lei 22.413, aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2016, a semana é comemorada pela primeira vez em 2017 e tem como objetivo estimular o debate sobre medidas de proteção de segmentos jovens específicos.

Escola é mais do que português e matemática

Laura Lemos, aos 16 anos, vê a sua geração de forma contraditória: livre e informada, mas alienada frente às decisões políticas. A suposta apatia foi embora quando um pacote de reformas do governo federal ameaçou em cheio esses jovens. Enquanto propostas de mudanças nas leis trabalhistas e na Previdência Social causavam desconforto, a reforma do ensino médio era uma afronta direta.

"Questionamos a forma como somos educados, a forma como as informações são passadas para nós", explica Laura. Além de não concordarem com as propostas, os jovens queriam participar do debate e não aceitavam a imposição das novas regras.

O movimento contra as reformas se inspirou nas ocupações das escolas paulistas meses antes, quando os jovens lutaram contra a proposta do governador Geraldo Alckmin batizada de reorganização escolar e que tinha como pano de fundo o fechamento de várias instituições de ensino.

Em São Paulo, eles venceram e as escolas continuaram abertas. Aqui, nem tanto: as reformas federais avançaram – com as mudanças no ensino médio devidamente aprovadas. Mas o sentimento não é de derrota.

"Agora, nós olhamos para a escola de outra forma, olhamos para esse espaço como nosso. Entendemos que aprender matemática e português é essencial, mas também é essencial aprender a ouvir o outro, a negociar e a ter empatia. A escola também é lugar para falar disso", diz Laura.

A estudante lembra que, nas ocupações, vários debates e palestras foram realizados, além de aulas, que iam de ioga a culinária. Conheça mais um pouco desse momento no vídeo abaixo:

Aprender a ouvir, a respeitar outras opiniões e a debater ideias é essencialmente aprender a "fazer política" – seja o jovem ligado a ideologias de direita ou de esquerda.

"É uma falácia dizer que todo o movimento estudantil é de esquerda. Quando eu comecei a ocupar esses espaços, na década de 1970, todos os diretórios acadêmicos eram dominados pela direita e se posicionavam pró-ditadura", diz o jornalista Américo Antunes.

Hoje aos 70 anos de idade, ele olha para esses grupos e vê muitas semelhanças com aqueles nos quais militou em plena ditadura militar. Uma das similaridades é essa: há todos os matizes políticos envolvidos.

Um dos exemplos recentes é o Diretório Central Acadêmico da PUC Minas, comandado durante anos por jovens atuantes no PSDB, recentemente substituídos por outros ligados ao PT. Qualquer semelhança com as disputas nacionais não é mera coincidência.

Ocupar para quê?

Se os movimentos estudantis podem ser de direita ou esquerda, a estratégia de luta representada pelas ocupações das escolas está usualmente ligada à esquerda na América Latina, especialmente aos movimentos que reivindicam direito à terra nas áreas rurais e à moradia nas cidades.

Entre os estudantes, essa estratégia já rendeu alguns frutos. Além da conquista dos alunos paulistas contra o fechamento das escolas, é preciso lembrar a ocupação realizada em 2007 em um terreno na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro.

O local abrigou, décadas atrás, a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) e os jovens reivindicavam o espaço de volta. Tiveram sua demanda atendida e, em 2010, a nova sede foi reinaugurada.

A história da UNE e da sua sede retrata a importância da resistência da juventude e da sua atuação em momentos cruciais do Brasil. Fundada em 1937, a entidade foi protagonista em vários momentos decisivos.

O confronto com o poder instituído fez parte desse enredo desde o ano inicial e pode ser simbolizado pela expulsão do grupo de sua sede já em 1939. Anos mais tarde, os associados encabeçaram, ao lado de outros grupos, campanhas pela nacionalização do petróleo na década de 1950 e lutaram por reformas na educação ao longo de toda a sua existência.

Em 1962, outra ocupação se tornaria rememorável: jovens estudantes ocuparam o Ministério da Educação exigindo reformas no ensino superior. Naquele ano, se intensificaram as disputas entre militantes da esquerda e da direita, então os jovens não conseguiram ver suas propostas debatidas. Além disso, a sede da UNE foi metralhada por grupos que se diziam anticomunistas.

Dois anos depois, um golpe de Estado instaurou a ditadura militar no País, que oficialmente começou no dia 31 de março de 1964. No dia seguinte, a sede da instituição foi incendiada e no mesmo ano a chamada Lei Suplicy (Lei Federal 4.464) proibiu as atividades políticas nas organizações estudantis e declarou a UNE ilegal.

Repressão e resistência

Durante os chamados "anos de chumbo", os estudantes continuaram resistindo e protagonizaram momentos históricos. Foram articuladores essenciais, por exemplo, da Marcha dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, que se posicionou contra a ditadura em 1968, quando era publicado o Ato Institucional nº 5, que acabou com as liberdades individuais e tornou o regime ainda mais autoritário.

Muitos estudantes foram presos, torturados, mortos ou exilados ao longo da ditadura. Assim, as entidades estudantis foram combatidas e só em fins da década de 1970, com o enfraquecimento do regime, começaram a se reorganizar. Em 1977, a prisão de alguns estudantes paulistas levou grupos estudantis de várias regiões do País a se mobilizarem.

"Em um momento em que qualquer manifestação era proibida, nós partimos para o enfrentamento", lembra Américo Antunes. E venceram: os jovens foram soltos enquanto o movimento estudantil voltava a se fortalecer.

"Os corredores das escolas faziam o papel que as redes sociais fazem hoje. Era ali que nos articulávamos e isso acontecia de uma forma muito rápida", conta Américo. Em 1979, a UNE realizou o seu primeiro congresso desde o início da ditadura. No ano seguinte, sua sede foi demolida.

Contra todas as previsões, porém, os estudantes se fortaleceram e resistiram ao lado de outros grupos que lutaram pelo volta da democracia. A ditadura caiu, os jovens venceram. A sede da UNE é um dos maiores símbolos disso: primeiro metralhada, depois incendiada, tantas vezes invadida e, finalmente, demolida – para ser depois retomada e reerguida.

Eles resistiram, ocuparam, exigiram e reconstruíram. "Esse é o sentido da juventude - questionar, desafiar, mudar", diz Américo. Para Laura, a palavra juventude significa resistência e energia. Àqueles que dizem que a juventude só reclama, a estudante responde: "nós temos a cara da solução".

Esta é a última matéria de uma série especial sobre a juventude