TV Assembleia na cobertura das eleições de 1998, um dos principais marcos na história da emissora
Em 30/11/15, a primeira TV legislativa do País completa 20 anos de cobertura política
A servidora Sávia Morais Lima participou da cobertura da tragédia na Vila Barraginha
Helinho foi um dos primeiros cinegrafistas da TV Assembleia
Márcio Metzker relembra como começou o arquivo para documentar o interior de Minas Gerais
A repórter Fernanda Moura comanda o programa Geração
Malco Camargos (centro) valoriza a diversidade ideológica perceptível na TV Assembleia

TV Assembleia: o canal da política e da cidadania

Emissora pioneira se reinventa a cada dia para aproximar os cidadãos mineiros do Poder Legislativo.

Por Lúcia Fernanda Estanislau e Souza
30/11/2015 - 10:20 - Atualizado em 04/12/2018 - 12:17

Em março de 1992, uma avalanche de terra se desprendeu de um aterro em construção em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte), atingindo moradores de uma localidade conhecida como Vila Barraginha. O episódio foi o cenário da primeira cobertura externa realizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), por meio de uma produtora que se tornaria, em 1995, a TV Assembleia. A emissora, que foi a primeira TV legislativa do País, se dedica à cobertura política no Estado, em uma busca constante pela aproximação do cidadão com o Parlamento mineiro.

A TV Assembleia entrou em operação após a publicação da Lei Federal 8.977, de 1995, que regulamentou o serviço de TV a cabo no Brasil. Antes disso, a ALMG já contava com um circuito interno de TV, que transmitia as sessões de Plenário para os gabinetes dos deputados, e com uma produtora de TV, que veiculava nas emissoras comerciais um programa de dois minutos de duração.

O servidor aposentado Márcio Metzker, que foi o primeiro gerente da TV Assembleia e também acompanhou o surgimento da produtora, conta que esse programa veiculado nas TVs comerciais foi inicialmente chamado de “Voto de Fato” e era feito com os equipamentos e a equipe técnica das próprias emissoras. Menos de um ano depois da sua estreia, o programa passou a se chamar “Assembleia Informa”, com o mesmo formato do anterior, mas utilizando equipamentos próprios da ALMG.

Em 1995, a partir da criação oficial da TV Assembleia, a equipe da produtora, composta inicialmente por 12 pessoas, precisou ser expandida para atender à nova lógica de cobertura. “Decidiu-se contratar gente de fora e começamos a administrar uma experiência difícil, que era o pessoal profissional de televisão, externo, e o pessoal da ALMG, que não tinha cultura de televisão”, conta Márcio Metzker.

Segundo ele, poucos meses antes de a TV entrar no ar, uma força-tarefa começou a ser montada para formar uma equipe de profissionais e também equipar tecnicamente a ALMG para receber uma estrutura de televisão - em 1996, um ano após a estreia, o canal já tinha 12 horas de programação diária.

Uma história ligada à redemocratização do País

Para o ex-diretor de Comunicação Institucional da ALMG, Rodrigo Lucena, a existência de uma estrutura de comunicação embrionária e, posteriormente, a criação da TV Assembleia vieram da necessidade de reaproximar a sociedade do Poder Legislativo, após o fim da ditadura militar.

“Com a redemocratização, o Poder Legislativo, que havia perdido suas prerrogativas no passado, voltou a ter algum espaço e queria trazer a população para conhecer o seu trabalho. A TV Assembleia surge em função disso, mas também é resultado da cobrança dos movimentos sociais, que pediram os canais de acesso gratuito a cabo”, avalia Lucena, que se tornou gerente da TV Assembleia em 1998.

A partir de 1997, iniciou-se o processo de interiorização da TV Assembleia. “O sinal foi para o satélite, começaram a abrir as retransmissoras, a TV ganhou outra dimensão, com muito mais visibilidade”, conta Rodrigo Lucena.

Na avaliação do ex-diretor, a expansão relativamente rápida da TV Assembleia aconteceu, em certa medida, pelo fato de o Legislativo precisar fazer a interlocução com a sociedade e a televisão ter se mostrado o caminho mais curto para isso. Segundo ele, os deputados se impressionavam com a repercussão que o trabalho deles no interior começou a tomar a partir da TV Assembleia e, com isso, começaram a demandar investimentos para o canal.

Na era digital - Outra conquista importante foi a transmissão online pelo Portal da Assembleia, implementada em 2007. Em 2009, teve início a migração do sistema analógico para o digital, com ganhos de qualidade de imagem e som e ampliação na grade de programação, de 19 para 24 horas diárias. Já a Rede Legislativa de TV Digital, lançada em 2012, permite que em um único canal de TV aberta o telespectador possa assistir gratuitamente à programação das TVs Assembleia, Câmara dos Deputados, Senado e das câmaras municipais.

“A TV Assembleia conseguiu fazer o mais importante: obteve um canal aberto e a condição de emissora geradora, regularizando assim a situação de grande parte de suas retransmissoras”, avalia Rodrigo Lucena. Com o desligamento do sinal analógico em Belo Horizonte, a emissora entrou na era digital ao lado das grandes redes. “Isso é uma conquista histórica: um canal de TV digital exclusivo em Belo Horizonte e no interior do Estado, fazendo multiprogramação com os parceiros e permitindo a expansão da nossa cobertura com baixo custo”, completa Lucena.

Eleições mobilizam equipes em grandes coberturas

Um dos principais marcos na história da TV Assembleia foi a cobertura das eleições de 1998. O servidor aposentado Ramiro Batista, que também foi gerente da emissora, considera essa cobertura o grande divisor de águas na história do canal. Ele conta que a ALMG fez grandes investimentos para sair na frente e atender à demanda por informação em uma época em que a contagem de votos ainda era manual.

“Foi montada uma operação de guerra para comprar equipamentos, ampliar as instalações, contratar os cenários de estúdio, estruturar um programa de apuração de votos e mobilizar toda a ALMG para entregar a informação mais quente possível, na frente das TVs e rádios da Capital. A contratação de alguns profissionais de projeção nacional também deu um ar de profissionalismo, que marcou o momento e definiu o futuro da emissora a partir dali. Mais do que isso, o casamento com o setor de Informática permitiu fazer cruzamentos de dados e antecipar os resultados das eleições. O resultado chamou a atenção de toda a imprensa”, relembra.

Prêmio - Outra iniciativa de destaque foi a produção do documentário "Na Lei ou na Marra: 1964, um combate antes do golpe", que conquistou o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2014. A programa resgatou a história do ataque de milícias lideradas por fazendeiros ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Governador Valadares (Vale do Rio Doce), um episódio pouco conhecido que ocorreu às vésperas do golpe de 1964.

Pioneiros relembram os primeiros anos da TV

Ao mesmo tempo em que ajudou a descobrir e formar talentos, a TV Assembleia também foi impulsionada e consolidada por profissionais que acompanharam a evolução da emissora desde o início, ajudando-a a se tornar o que é hoje: uma referência para outras TVs legislativas.

Sávia Morais Lima, que atualmente é repórter da Rádio Assembleia, acompanhou de perto os primeiros passos da emissora - ela participou da cobertura da tragédia na Vila Barraginha. “Para mim foi uma novidade fazer matérias factuais dentro de um contexto institucional, mas o trabalho em si não me assustou”, relembra.

Sávia atuou como repórter, apresentadora e chefe de reportagem. Ela foi uma das primeiras apresentadoras do Repórter Assembleia, noticiário que, em 2015, foi substituído pelo Assembleia Notícia, programa jornalístico exibido ao vivo do Plenário, em três edições diárias.

Nos primeiros tempos, Sávia conta que os desafios foram aprender a enxergar a notícia a partir de um olhar institucional e adaptar a linguagem parlamentar à televisão. Ela também acredita que a criação da TV Assembleia foi importante na medida em que abriu portas e realocou pessoas talentosas que já trabalhavam na ALMG, em outras funções.

Foi esse o caso de Hélio Dutra de Freitas, um dos primeiros cinegrafistas da TV Assembleia. Helinho, como é mais conhecido, entrou para a Assembleia em 1982, como office-boy na Sala de Imprensa. Aos 18 anos foi para a Gráfica, onde atuou como técnico de impressão entre 1988 e 1991, ano em que foi convidado para trabalhar como cinegrafista, no Circuito Interno de TV.

Helinho, que atualmente trabalha como apoio administrativo na Gerência-Geral de Rádio e Televisão, atuou como cinegrafista até 2005. Ele começou a aprender o ofício com o colega aposentado Walter Araújo Zazá Filho. De seu tutor, guarda uma importante lição: “Colocar a câmera no ombro e apertar o botão 'rec' é 1%; sensibilidade é 99%, e ninguém vai te ensinar”.

Ele lembra que o início foi difícil, tanto pela falta de equipamentos quanto pela sua pouca experiência na área. Apesar disso, o aprendizado veio a partir dos próprios erros, e o gosto pelo ofício foi fundamental para o trabalho bem feito. Nos primeiros tempos, a cobertura das reuniões de Plenário era feita com uma câmera que ficava na galeria e havia apenas uma ilha de edição. Segundo o ex-cinegrafista, essa única câmera também era utilizada para fazer imagens de corte durante os intervalos, rotina que ele considera inimaginável nos dias atuais, em virtude do volume de trabalho.

Já Márcio Metzker relembra o início das viagens para cobrir reuniões de comissões no interior do Estado. Uma das suas preocupações era conseguir cobrir uma lacuna comum nas emissoras comerciais: a pressa. “A gente viajava num dia, cobria no outro e voltava no terceiro. Então instruí as equipes para que filmassem tudo o que valesse a pena no caminho, fosse uma obra de estrada, um acidente, um cafezal florido, um arco-íris entre montanhas, uma colheita de feijão, um pivô de irrigação central. Com isso, fizemos um belo arquivo para documentar o interior de Minas Gerais”, conta.

Programa preserva memória política de MG

Responsável pela programação visual da TV Assembleia, Luiz Fonte Boa também trabalha na emissora desde o ano de sua criação, em 1995. Na época, ele trabalhava no setor de Informática da ALMG e viu na transferência para a TV uma oportunidade de integrar seus interesses artísticos ao serviço público. Ele soube da estreia da TV com um ano de antecedência e viu ali a oportunidade de trabalhar com computação gráfica. Desde os primeiros tempos, ele é responsável pela criação de modelos de legendas e gráficos, vinhetas e chamadas exibidas nos intervalos da programação.

Fonte Boa também integra a equipe do programa Memória & Poder, que ajudou a criar em 2000. Segundo ele, tudo começou de forma aleatória, a partir da necessidade de uma fita que seria usada para gravar uma vinheta. “Antes de desgravá-la, resolvi verificar o seu conteúdo. Para minha surpresa, havia ali uma entrevista com um senhor idoso, muito lúcido, num depoimento repleto de histórias curiosas”, lembra. Ao questionar um jornalista se aquele material não seria arquivado, Fonte Boa conta que foi surpreendido com a resposta de que, em virtude do número limitado de fitas, a ideia era gravar, exibir e, posteriormente, apagar as entrevistas feitas.

“A partir daí, consegui uma autorização informal para sair às sextas-feiras com câmera e cinegrafista para coletar histórias de vida de personalidades de destaque. E consegui evitar que essas fitas fossem regravadas. Nasceu daí essa coleção chamada Memória & Poder, de depoimentos de vida de personalidades das mais variadas áreas de atuação”, conta.

Profissionalização ajuda a definir a qualidade da TV

Uma das profissionais da nova geração é a repórter Fernanda Moura, que chegou à TV Assembleia em 2009. No começo, ela não compreendia bem os detalhes do processo político e de construção das leis, e um dos desafios foi entender essa dinâmica. “Temos que tratar a complexidade das leis e a construção política de forma simples e leve. Tentamos traduzir com responsabilidade a dinâmica legislativa, de forma a motivar as pessoas a participarem desse processo”, explica.

A jornalista também comanda o programa Geração, o primeiro da TV Assembleia voltado para adolescentes. Na opinião de Fernanda Moura, o clima alegre e despojado do programa permite que os jovens ouçam histórias inspiradoras de personalidades da música, dança, teatro, fotografia e demais áreas ligadas à cena cultural. A iniciativa, na avaliação da jornalista, motiva o jovem, tornando-o mais participativo e trazendo-o para o universo de uma casa política.

Rotina - Diariamente, parte das equipes de produção, reportagem e edição se reúne para discutir a pauta dos telejornais da emissora, bem como os temas que devem ser tratados com mais profundidade. ”Frequentemente nos perguntamos como determinado tema deve ser tratado por uma emissora legislativa ou o que as outras emissoras estão deixando de informar, mas que é essencial para o cidadão”, conta a gerente-geral de Rádio e Televisão, Patrícia Porto.

Na avaliação dela, essas preocupações estão relacionadas ao compromisso da TV Assembleia de levar ao cidadão informação completa sobre o que acontece na Casa, explicando como os temas discutidos têm relação com a sua vida, sem excluir desse processo o espaço para críticas e reflexões. “Há espaço para o contraditório, para a opinião dissidente, para a variedade de vozes e atores que envolve a discussão de leis e dos assuntos que interessam ao Estado”, explica.

TVs legislativas oferecem contraponto à mídia tradicional

A mídia tradicional tende a dar mais destaque aos erros do que aos acertos da atividade legislativa, e ter um canal de TV para mostrar o lado positivo desse trabalho é fundamental, na avaliação do cientista político Malco Camargos. Ele acredita que um dos pontos fortes da TV Assembleia é a liberdade para que os diversos atores da arena política possam expressar suas opiniões.

“Assim como no Plenário há diversos matizes ideológicos, na programação da emissora também é possível ver essa diversidade. Um cidadão ávido por informações vai encontrar na TV Assembleia opiniões diversas sobre temas relevantes. Quanto mais bem informado for o cidadão, melhor será sua contribuição nos debates do dia-a-dia e melhor será sua tomada de decisão nas eleições”, conclui.

Para a jornalista Letícia Renault, autora do livro “Comunicação e política nos canais de televisão do Poder Legislativo no Brasil”, as TVs legislativas são um contraponto à mídia tradicional, que nem sempre opera a partir de uma lógica de interesse público, uma vez que obedecem a interesses privados. “A sociedade deve buscar alternativas de informação capazes de gerar pontos de vista diversificados desse sistema”, escreve.

Mão dupla - O presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), destaca que a TV Assembleia mostra-se como um importante canal de mão dupla entre o Poder Legislativo e o cidadão. “A TV encurta a distância entre o Parlamento e o cidadão, permitindo que o deputado possa levar à sociedade a sua palavra. No caminho inverso, ao permitir que as pessoas acompanhem o desempenho de seus representantes, a emissora revela-se um poderoso veículo a serviço da cidadania”, aponta.